Tatiana Pronin Publicado em 21/07/2022, às 17h00
Uma revisão de estudos com centenas de pacientes mostra que não há evidência suficiente para dizer que a depressão é causada por um desequilíbrio químico no cérebro, ou por uma alteração nos níveis de serotonina, um neurotransmissor que chegou a ser apelidado de “hormônio da felicidade”.
A teoria criada nos anos de 1960 foi bastante difundida 20 anos depois, quando surgiram no mercado os antidepressivos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), como fluoxetina e sertralina. A própria Associação Americana de Psiquiatria afirma que “alterações em certas substâncias químicas no cérebro contribuem para os sintomas da depressão”.
A revisão foi conduzida por pesquisadores britânicos coordenados por Joanna Moncrieff, da Universidade College London, e publicada esta semana no periódico Molecular Psychiatry, da Nature. Os resultados alimentam uma discussão que já existe há bastante tempo no meio acadêmico, e inclusive em fóruns de pacientes e nas redes sociais: existe uma causa biológica para a depressão, ou o transtorno seria apenas uma reação a situações ou experiências estressantes? E, se não existe uma causa biológica, é possível que o benefício sentido por parte dos usuários de antidepressivos seja apenas um efeito placebo?
Para muitos acadêmicos que têm debatido o atual estudo nas redes, está na hora de os psiquiatras pararem de dizer aos pacientes que existe algo de errado no cérebro deles, o que seria fonte de estigma, ou de afirmar que a depressão é uma doença como o diabetes, que demanda uso crônico de medicamentos.
Já outros especialistas acreditam que a ausência de um conhecimento mais sólido sobre as bases biológicas da depressão não significa que os medicamentos não funcionem. É possível que eles diminuam a intensidade do sofrimento, o que teria benefício sobre a depressão, ainda que não atuem sobre suas causas.
Vale alertar que ninguém deve interromper o uso de antidepressivos sem acompanhamento médico por causa desse debate. Até porque a redução abrupta pode causar sofrimento ainda maior ao que levou a pessoa a iniciar o uso de antidepressivos.
Uma parte da revisão envolveu a análise de evidências sobre o papel da serotonina na depressão. Outra parte comparou níveis de serotonina e de seus derivados no sangue ou no fluido cerebral – os pesquisadores não encontraram uma diferença entre pessoas com e sem sintomas depressivos.
Alguns trabalhos analisados se concentravam nos receptores de serotonina, que podem transmitir ou inibir os efeitos desse neurotransmissor. Também não foi encontrada diferença entre deprimidos e não deprimidos. Pesquisas feitas com o “transportador” de serotonina ainda indicaram que houve até um aumento na atividade serotoninérgica nos indivíduos com depressão, o que pode ter relação com o uso de antidepressivos.
Os pesquisadores também analisaram estudos que reduziram artificialmente os níveis de serotonina em indivíduos saudáveis para ver o que acontecia, e a maior parte dos sujeitos estudados não teve depressão como consequência disso.
Alguns trabalhos avaliados trouxeram evidências, inclusive, que indivíduos que tomam ou já tomaram antidepressivos apresentaram menor concentração ou atividade da serotonina.
Para os autores da revisão, muita gente acredita que comparar a depressão a uma doença com raiz biológica, como o diabetes, ajude a diminuir o estigma em relação a doenças mentais. No entanto, há evidências de que isso não acontece, e também de que indivíduos com depressão que acreditam nessa teoria são mais pessimistas quanto às chances de recuperação.
https://t.co/LRW54GJHgy A reminder that our study found widespread evidence that the serotonin theory of depression was regarded as credible and supported in the scientific literature, despite some experts claiming that no one really believed it
— Dr Joanna Moncrieff (@joannamoncrieff) July 20, 2022
De acordo com Moncrieff, ninguém entende exatamente o que os antidepressivos fazem no nosso cérebro, e dizer que a medicação corrige um desequilíbrio no cérebro não contribui para que os pacientes tomem uma decisão bem informada sobre tomar ou não os remédios.
Já o psiquiatra Michael Bloomfield, da Universidade College London, em resposta ao The Guardian, compara o uso de antidepressivos ao de paracetamol para dor de cabeça: ninguém toma o remédio por achar que a cabeça dói pela falta de paracetamol no cérebro, e sim porque ele traz alívio.
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