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Quem tem dislexia sofre com ensino remoto; entenda o distúrbio

Dislexia não tem cura, é diferente para cada pessoa, mas não é um empecilho para o sucesso - iStock
Dislexia não tem cura, é diferente para cada pessoa, mas não é um empecilho para o sucesso - iStock

Você sabe o que Leonardo da Vinci, Albert Einstein, Bill Gates e Jamie Oliver têm em comum? Além de terem obtido muito sucesso na vida profissional, todos tinham ou têm dislexia. E é preciso deixar bem claro que dislexia não é uma doença, mas um distúrbio de aprendizagem que afeta a capacidade de ler, soletrar e escrever.

E chama a atenção que, com a chegada da pandemia, mais casos foram descobertos. Afinal, a família toda passou a ficar em casa, pais e filhos dividindo o mesmo espaço e crianças e adolescentes tendo aulas online. Logo, a dificuldade no aprendizado ficou clara para aqueles que têm dislexia. O lado bom foi que, assim, algo que poderia levar anos para ser enxergado, poderá ser tratado agora. 

“Tivemos um aumento de procura, por incrível que pareça. Nós não paramos durante a pandemia. Com todos em casa, lado a lado, os pais começaram a notar as dificuldades das crianças com as aulas on-line, que foram terríveis para as disléxicas”, admite a fonoaudióloga e psicopedagoga Maria Angela Nogueira Nico*, atual presidente da Associação Brasileira de Dislexia (ABD).

Isto aponta para dois problemas. Primeiro: muitas crianças disléxicas têm uma comorbidade, o transtorno do déficit de atenção, com ou sem hiperatividade; mas também pode ser a falta de foco, no caso de ser apenas a dislexia. O segundo, infelizmente, é que os professores, com vários alunos na sala, não perceberam os que têm dificuldades.

“Os pais têm percebido muito essas duas situações. No caso do déficit de atenção, eles dizem que não querem medicar as crianças, mas sem remédio, elas não conseguem prestar atenção. Não sou a favor de medicar em alguns casos, mas há situações em que isso é importante, pois há crianças que precisam, não tem outra opção”, diz ela.

Mais meninos

As crianças portadoras deste distúrbio costumam ser inteligentes e esforçadas, mas têm problemas porque o cérebro tem dificuldade em conectar as letras aos sons que elas fazem e, em seguida, mesclar esses sons em palavras. Por isso, acabam sendo mais lentas que os colegas. Isso tudo resulta em problemas no processamos de palavras e pode dificultar a grafia e a escrita. Assim, aulas on-line só pioraram a situação.

Este distúrbio afeta mais pessoas do sexo masculino, sendo três meninos para cada menina, e é importante frisar que existem diversos graus de intensidade. Apesar de a maioria dos disléxicos ser diagnosticada quando crianças, ao aprender a ler e escrever, não é raro que adultos também descubram a dislexia, em um grau mais leve. Eles percebem que algo não vai bem, mas não conseguem identificar o problema até buscar ajuda.

É preciso saber que a dislexia é diferente para cada pessoa. Algumas têm uma forma branda que, eventualmente, aprendem a controlar. Outras têm um pouco mais de dificuldade em superá-la. E o mais importante, mesmo que a criança não consiga superar totalmente a dislexia, ela ainda podem ir para a faculdade e ter sucesso na vida. Porém, sem o diagnóstico e tratamento adequados, a dislexia pode causar frustração, fracasso escolar e baixa autoestima.

Alguns sinais e sintomas:

– trocar letras, principalmente aquelas com sons parecidos, como “f” e “v”, “b” e “p”, “d” e “t”;
– inverter ou pular sílabas na hora de ler ou escrever;
– não conseguir associar letras e sons;
– confundir palavras que soam parecido, como porão e portão;
– erros constantes de ortografia ;
– lentidão na leitura;
– problemas de localização de esquerda e direita;
– dificuldades para estudar;
- dificuldades para organização sequencial, por exemplo, as letras do alfabeto, os meses do ano, tabuada etc;
- dificuldade em memorizar números de telefone, mensagens, fazer anotações, ou efetuar alguma tarefa que sobrecarregue a memória imediata;
- muita dificuldade para aprender outro idioma, por exemplo, o inglês, pois existe uma falta de referencial fonético para superar as complexidades de audição;
- desconforto ao tomar notas e/ou relutância para escrever.

Causas

A dislexia está ligada aos genes, razão pela qual a condição costuma ocorrer em famílias. É mais provável que uma pessoa tenha dislexia se os pais, irmãos ou outros membros da família a tiverem. A condição decorre de diferenças nas partes do cérebro que processam a linguagem. Varreduras de imagem em pessoas com dislexia mostraram que as áreas do cérebro que deveriam estar ativas quando elas leem não funcionam corretamente.

Diagnóstico

Para fechar o diagnóstico de dislexia, é necessário que a criança ou adulto faça testes com profissionais de várias áreas: “Só podemos afirmar que a criança tem dislexia após dois anos do início do processo de alfabetização. É preciso uma avaliação multidisciplinar, realizada por uma equipe formada por fonoaudióloga, médico, psicólogo, neuropsicopedagogo, pediatra, neuropediatra etc. E exames de processamento auditivo e visual para fechar o caso. O parecer da escola também é muito importante”, afirma a fonoaudióloga.

Ela conta que a ABD é um ponto de referência sobre o assunto e parceira da maior entidade de dislexia do mundo, a International Dyslexia Association, dos Estados Unidos, que reconhece apenas uma entidade voltada ao tema por país. A ABD oferece cursos, palestras e congressos, seja para profissionais da área ou para pais de crianças com dislexia.

“A ABD é a única reconhecida na América do Sul, por isso, fazemos avaliação em outra língua. Nosso principal objetivo é divulgar o que é dislexia, principalmente para que os professores a reconheçam. Pois eles são muito importantes para quem tem o distúrbio. Eles que irão encaminhar a criança para a avalição e, depois da confirmação do diagnóstico, acolhê-la e, junto com outros profissionais, ajudá-la. Sozinha, ela não consegue melhorar”, admite Maria Angela.

Adolescentes e adultos também procuram a entidade por apresentarem dificuldades. Ela conta que eles chegam para a avaliação com o emocional muito prejudicado, e apesar de serem inteligentes, por saberem que algo está errado, acabam se considerando "burros".

“O mais importante é a avaliação, e logo após ela ser feita, o emocional dessas pessoas já melhora. Há médicos e advogados que chegaram lá na carreira, apesar de ter sido mais difícil, mas que vêm à entidade se sentido arrasados. Logo após o diagnóstico confirmado, começamos a intervenção com uma psicopedagoga e fonoaudióloga. Se a autoestima está prejudicada, também é preciso o acompanhamento de um psicólogo”, diz Maria Angela, que acrescenta que a ABD recebe pessoas de todas as idades e que mais da metade dos que procuram a entidade não são disléxicos, pois nem toda dificuldade para ler é dislexia. 

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Tratamentos com fonoaudiólogos permite superar as barreiras do dia a dia  - iStock

Tratamento

Primeiro, é preciso deixar claro que a dislexia não tem cura, porém, alguns tratamentos melhoram a capacidade de ler e escrever, e quanto mais cedo o problema for diagnosticado, maiores as chances de sucesso. Ou seja, é possível levar uma vida normal se houver suporte especializado desde cedo. E isso vale também para os adultos que podem melhorar as habilidades que já possuem.

O tratamento de dislexia é individual e, a exemplo do diagnóstico, envolve uma equipe multidisciplinar para desenvolver um programa que atenda às necessidades específicas daquela pessoa. Tratar-se com fonoaudiólogos e psicólogos permite criar estratégias para superar as dificuldades com as palavras e outras eventuais barreiras no dia a dia. A terapia também é importante para eliminar possíveis crises de autoestima e depressão.

Como a criatividade é um traço marcante entre disléxicos, é comum que os pais sejam aconselhados a estimular que a criança comece a desenhar, pintar, tocar instrumentos musicais e praticar esportes. Graças aos avanços da tecnologia, alguns softwares, videogames e aplicativos específicos ajudam a melhorar as habilidades na leitura e na escrita, assim como audiolivros estimulam a associação do som das palavras às letras correspondentes.

Bullying

Não tem escapatória, quase sempre quem tem dislexia sofre de bullying na escola. Por exemplo, ninguém quer fazer trabalhos com um disléxico, seja porque ele seja mais lento, demore mais para compreender algumas coisas e dificuldade em colocar as ideias no papel.

E Maria Ângela tem exemplos na própria família: “Tenho um genro que é dislexico, cujo pai também é, e meu neto, que foi diagnosticado aos 9 e hoje tem 18 anos. Ele acabou de entrar em uma universidade pública, e só agora confessou para minha filha que sofria muito bullying, mas não queria preocupá-la. Todos disléxicos sofrem com isso. Há até escolas que me chamam para dar palestras explicando o assunto aos alunos”.

Suporte emocional

Ter um filho com dislexia pode parecer um desafio para os pais, mas é útil se eles forem firmes, pacientes e positivos. Afinal, eles não querem que o filho seja definido pela dislexia, pois ele pode ser hábil e inteligente de várias maneiras. Confira algumas dicas:

=Comemore os sucessos: tire um dia depois de um grande teste para se divertirem juntos.
=Não espere perfeição: muitas vezes, chegar perto já é um grande sucesso.
= Ajude seu filho a entender o que é dislexia. Ele deve saber que não é culpa dele e vocês vão resolver isso juntos.
=Deixe seu filho fazer atividades que goste e que seja bom. Isso pode ajudar com o trabalho escolar.
=Elogie a força e as habilidades dele.
=Não deixe que as dificuldades de aprendizagem sejam o foco principal.
=Lembre seu filho de que muitas pessoas extremamente talentosas têm (ou tiveram) dislexia, de Albert Einstein a Whoopi Goldberg.
=Diga a eles “eu te amo” com frequência
=A dislexia do seu filho pode ser um desafio para você, mas sua própria atitude positiva fará diferença. Você pode mostrar que comete erros e luta todos os dias, mas também segue em frente.

Dicas para quem tem dislexia

-Leia em um local tranquilo, sem distrações.
-Ouça audiolivros e leia junto.
-Divida a leitura e outras tarefas em pequenos partes.
-Peça ajuda extra ao seu professor ou superior quando precisar.
-Junte-se a um grupo de apoio a crianças ou adultos com dislexia.
-Descanse bastante e coma alimentos saudáveis.

Dicas para os pais

-Torne o aprendizado divertido, é sempre melhor quando aprender não parece trabalhoso e chato.
-Algumas ideias: invente canções, poemas e até danças para ajudar a criança a lembrar das coisas.
-Faça jogos de palavras.
-Se seu filho for mais novo, use rimas e faça joguinhos infantis.

Alguns disléxicos famosos

Agatha Christie
Albert Einstein
Bill Gates
Cher
Guy Ritchie
Henry Ford
Jamie Oliver
Jennifer Aniston
John Kennedy
John Lennon
Keanu Reeves
Keira Knightley
Leonardo da Vinci
Mohammad Ali
Orlando Bloom
Pablo Picasso
Steve Jobs
Steven Spielberg
Tom Cruise
Walt Disney
Woopi Goldberg

*Autora, em parceria com a neuropsicóloga Aurea Stavale Gonçalves, do método fônico multissensorial e articulatório para alfabetizar disléxicos. Autora do livro Como Lidar Com a Dislexia (Editora Hogrefe), para pais, professores e portadores do distúrbio. Pesquisadora da USP sobre o tema e diretora do Ceda (Centro Especializado em Distúrbios de Aprendizado).

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Cármen Guaresemin

Cármen Guaresemin

Filha da PUC de SP. Há anos faz matérias sobre saúde, beleza, bem-estar e alimentação. Adora música, cinema e a natureza. Tem o blog Se Meu Pet Falasse, no qual escreve sobre animais, outra grande paixão.  @Carmen_Gua