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É normal sonhar ou sentir a presença de alguém que já morreu?

Sonhar com um parceiro romântico ou animal de estimação que já partiu é extremamente comum - iStock
Sonhar com um parceiro romântico ou animal de estimação que já partiu é extremamente comum - iStock

Redação Publicado em 29/04/2025, às 10h00

A maioria das pessoas que vivenciam luto — seja pela morte de um parceiro romântico ou de um animal de estimação — relata ter sonhos vívidos ou sentir a presença da pessoa ou do animal durante o período em que estão acordadas. O fenômeno foi inclusive confirmado em estudo recente publicado na revista Dreaming.

A pesquisa sugere que essas ocorrências são mais comuns do que se imagina e podem desempenhar um papel significativo no processo de luto. Além disso, pessoas que sonham com o falecido também têm maior probabilidade de sentir sua presença enquanto estão acordadas.

Sonhos e luto

Há anos, pesquisadores estudam o papel dos sonhos no luto, assim como os chamados “vínculos contínuos” — as formas como as pessoas mantêm uma conexão com entes queridos que se foram. Muitos indivíduos próximos da morte também relatam visões ou sonhos reconfortantes com familiares já falecidos.

No entanto, poucos estudos exploraram a sobreposição entre essas experiências durante o sono e as experiências em vigília. Assim, pesquisadores norte-americanos decidiram preencher essa lacuna, explorando ambas as experiências para saber se elas poderiam estar relacionadas.

Parceiro romântico ou pet

Os autores realizaram uma análise de dados previamente não examinados de dois estudos anteriores. O primeiro envolvia 268 adultos nos EUAque haviam perdido um parceiro romântico ou cônjuge nos dois anos anteriores. O segundo incluía 199 participantes que haviam perdido um cachorro ou gato nos seis meses anteriores.

Além de perguntar sobre sonhos com o falecido, os pesquisadores também incluíram questões sobre experiências em vigília — como ver, ouvir ou sentir a presença ou o toque da pessoa ou do animal que partiu. 

Sonhos e experiências em vigília

Os participantes de ambos os estudos foram recrutados por meio do Mechanical Turk, uma plataforma de crowdsourcing frequentemente utilizada em pesquisas psicológicas. Veja o que os resultados mostraram:

- 73,5% dos participantes que haviam perdido um parceiro romântico e 59,3% daqueles que haviam perdido um animal de estimação relataram ter sonhado com o falecido no mês anterior.

- Entre os que estavam de luto por um parceiro, 50,7% disseram ter tido pelo menos uma experiência de vigília com o falecido no mesmo período — seja vendo, ouvindo ou sentindo sua presença. No grupo que perdeu um animal de estimação, 32,2% relataram tais experiências.

- Quando sonhos e experiências durante a vigília foram combinados, as proporções subiram para 82,5% no grupo que perdeu um parceiro e 68,3% no grupo que perdeu um animal de estimação.

Relação entre as experiências

Importante destacar que os pesquisadores encontraram uma relação estatisticamente significativa entre sonhar com o falecido e experimentar sua presença enquanto se está acordado. Entre aqueles que sonharam com o parceiro falecido, 56,1% também relataram uma experiência de vigília, em comparação com 36,2% daqueles que não sonharam.

No grupo que perdeu um animal de estimação, 39% dos que sonharam com o falecido também tiveram experiências de vigília, em comparação com apenas 22,5% daqueles que não sonharam. Isso sugere que os dois tipos de experiências podem estar relacionados, talvez refletindo uma maior abertura para vivenciar conexões contínuas com quem se foi.

Possível papel terapêutico

As descobertas se somam a um crescente corpo de pesquisas que explora sonhos com pessoas ou animais de estimação que se foram e os chamados “vínculos contínuos externalizados”. Estudos anteriores já sugeriram que esses sonhos costumam ser reconfortantes e, na maioria dos casos, os falecidos aparecem saudáveis e felizes.

Para muitas pessoas, esses sonhos têm um papel terapêutico — proporcionando a oportunidade de dizer adeus, ter um senso de conclusão ou de se reconectar com memórias positivas.

A ideia de que experiências em vigília com o falecido sejam patológicas, ou sinais de um luto não resolvido, também foi questionada por pesquisas recentes. Embora alguns estudos tenham associado essas experiências a sintomas de apego evitativo ou trauma, outros indicam que elas podem favorecer a regulação emocional e o processo de cura, especialmente quando as experiências são percebidas como reconfortantes.

Mais estudos são necessários

Ainda assim, essa linha de pesquisa está em estágios iniciais e apresenta limitações importantes. O estudo baseou-se em autorrelatos retrospectivos, por exemplo, que podem ser influenciados por vieses de memória ou diferenças de interpretação. Além disso, a amostra não era representativa da população em geral.

Os pesquisadores enfatizam que mais investigações são necessárias para entender as causas e consequências desses fenômenos. Ainda não está claro por que algumas pessoas têm experiências positivas enquanto outras não, ou se essas experiências ajudam ou dificultam o processo de adaptação à perda ao longo do tempo. 

Conversar sobre o luto é importante

Apesar das limitações, as descobertas têm valor. Indivíduos enlutados frequentemente se preocupam que sonhar ou sentir a presença de um ente que já morreu possa indicar algum problema.

Para os autores, é importante tranquilizar essas pessoas, explicando que tais experiências são comuns e não são, necessariamente, sinais de problemas de saúde mental. Aumentar a conscientização sobre a frequência e o tom emocional dessas experiências pode, inclusive, ajudar a reduzir angústias desnecessárias e encorajar conversas mais abertas sobre o luto.