Flutuações no açúcar do sangue alimentam a ansiedade e a depressão, segundo especialista
Redação Publicado em 20/08/2024, às 18h00
O pico de açúcar no sangue que ocorre após a ingestão de um doce é apelidado pelos norte-americanos de “sugar high”, numa analogia ao estado alterado produzido por álcool e drogas. A expressão é um bom exemplo dos efeitos que os alimentos podem ter sobre o humor, conforme descreve a médica residente Mary Scourboutakos, especialista em nutrição da Faculdade de Medicina Eastern Virginia, nos EUA.
Ficar irritado por causa da fome é outra sensação comum, que mostra o poder da falta de alimento nas nossas emoções.
Em artigo no The Conversation, a especialista explica que as flutuações do açúcar no sangue são parte da conexão entre o que comemos e o que sentimos. Pelos efeitos que a glicose produz sobre hormônios e sistema nervoso, seus níveis podem alimentar a ansiedade e a depressão.
Existem inúmeros fatores sociais, psicológicos e biológicos que determinam a experiência de cada pessoa. “No entanto, vários ensaios clínicos randomizados demonstraram que a dieta é um fator biológico que pode influenciar significativamente o risco de sintomas de depressão e ansiedade, especialmente em mulheres”, conta a autora.
Como residente de medicina de família com doutorado em nutrição, ela vem testemunhando o fato de que os antidepressivos funcionam para alguns pacientes, mas não para outros:
Portanto, na minha opinião, as estratégias de tratamento da saúde mental devem abordar todos os fatores de risco, incluindo a nutrição.”
Muitos dos ensaios clínicos randomizados que provaram a ligação entre dieta e saúde mental testaram a dieta mediterrânea ou uma versão ligeiramente modificada dela. Isso significa o consumo de muitos vegetais, frutas, azeite, grãos integrais, legumes e nozes, com pequenas quantidades de peixe, carne e laticínios.
Um dos muitos atributos da dieta mediterrânea que pode ser responsável por seu efeito sobre o humor, segundo a médica, é seu baixo índice glicêmico. Mas o que é isso?
O índice glicêmico é um sistema que classifica alimentos e dietas de acordo com seu potencial de elevar o açúcar no sangue. Portanto, em consonância com a observação de que as flutuações de açúcar no sangue afetam o humor, dietas com alto índice glicêmico, que provocam picos drásticos de açúcar no sangue, têm sido associadas a um risco aumentado de depressão e, em certa medida, de ansiedade.
Carboidratos de alto índice glicêmico incluem arroz branco, pão branco, biscoitos e produtos de panificação. Portanto, dietas ricas nesses alimentos podem aumentar o risco de depressão e ansiedade.
Já os carboidratos de baixo índice glicêmico, como arroz parboilizado e macarrão al dente, que são absorvidos mais lentamente e produzem um pico menor de açúcar no sangue, estão associados a um risco reduzido.
Muitos mecanismos científicos têm sido propostos para explicar a conexão entre dieta e saúde mental. Uma explicação plausível que liga as flutuações de açúcar no sangue ao humor, esclarece a especialista, é seu efeito sobre os hormônios.
Toda vez que comemos açúcar ou carboidratos como pão, arroz, macarrão, batatas e biscoitos, o aumento resultante de açúcar no sangue desencadeia uma cascata de hormônios e moléculas de sinalização. Um exemplo é a dopamina – o sinal de prazer do nosso cérebro – que é o motivo pelo qual podemos experimentar um “pico de açúcar” após o consumo de sobremesas ou produtos de panificação. A dopamina é a maneira que o corpo tem de nos recompensar por obter as calorias, ou energia, necessárias para a sobrevivência.
A insulina é outro hormônio desencadeado pelos carboidratos e pelo açúcar. A função da insulina é reduzir os níveis de açúcar no sangue, levando o açúcar ingerido para dentro das células e tecidos para que possa ser usado como energia. O aumento rápido de açúcar no sangue provoca um aumento drástico de insulina. Isso, por sua vez, pode resultar em níveis de açúcar no sangue que caem abaixo do ponto de partida.
Essa queda nos níveis de açúcar no sangue desencadeia a liberação de adrenalina e seu parente, a noradrenalina. Ambos os hormônios apropriadamente enviam glicose para a corrente sanguínea para restaurar o nível adequado de açúcar no sangue.
No entanto, a adrenalina influencia mais do que apenas os níveis de açúcar no sangue. Ela também afeta como nos sentimos, e sua liberação pode se manifestar como ansiedade, medo ou agressividade. Assim, a dieta afeta o humor através de seu efeito sobre os níveis de açúcar no sangue, que desencadeiam os hormônios que ditam como nos sentimos.
Curiosamente, o aumento da adrenalina que segue o consumo de açúcar e carboidratos não ocorre até quatro a cinco horas após a refeição. Assim, ao consumir açúcar e carboidratos, a dopamina nos faz sentir bem a curto prazo; mas a longo prazo, a adrenalina pode fazer com que nos sintamos mal.
“No entanto, nem todos são igualmente afetados. Refeições idênticas podem produzir respostas de açúcar no sangue amplamente variáveis em diferentes pessoas, dependendo do sexo, da genética, do sedentarismo e do microbioma intestinal”, avisa a autora. Além disso, ela lembra que nenhuma otimização na dieta é capaz de superar fatores sociais e psicológicos de uma pessoa.
Mas Mary garante que uma dieta pobre pode piorar a experiência de uma pessoa e, portanto, é relevante para todos que esperam otimizar sua saúde mental. Mas especialmente as mulheres: pesquisas mostraram que as mulheres, em particular, são mais sensíveis aos efeitos do índice glicêmico e da dieta em geral.
Infelizmente, soluções simples, como trocar o açúcar por adoçantes artificiais, não são uma opção, de acordo com a autora:
Pesquisas mostraram que, entre todos os alimentos processados, adoçantes artificiais e bebidas adoçadas artificialmente são os mais fortemente associados à depressão.”
A maneira mais óbvia de estabilizar os níveis de açúcar no sangue é diminuir a ingestão de açúcar e carboidratos.
No entanto, essa não é a única maneira. Pesquisas provaram que mudanças simples podem mitigar drasticamente as flutuações voláteis de açúcar no sangue. Algumas estratégias para estabilizar o açúcar no sangue e otimizar o humor incluem:
- Fazer dos carboidratos de baixo índice glicêmico, como arroz parboilizado, pão integral e macarrão al dente, os pilares da dieta e estar atento à quantidade de carboidratos de alto índice glicêmico que você consome.
- Comer carboidratos mais cedo no dia, como no café da manhã ou almoço, em vez de mais tarde, como no jantar ou lanche noturno. Nossos hormônios seguem um ritmo circadiano, e os carboidratos consumidos mais cedo no dia produzem um pico de açúcar no sangue menor em comparação com carboidratos consumidos mais tarde no dia.
- Evitar comer carboidratos sozinhos, como ao fazer um lanche com uma caixa de biscoitos ou ao devorar uma tigela de arroz. Sempre procure combinar carboidratos com proteínas, como feijões, nozes, carne e peixe, ou com gorduras saudáveis, como azeite e abacate. A combinação de nutrientes retarda a digestão dos carboidratos e, assim, produz um pico menor de açúcar no sangue.
- Comer carboidratos no final da refeição, depois de consumir vegetais e proteínas primeiro. Apenas mudar a ordem em que os alimentos são consumidos pode reduzir drasticamente o pico de açúcar no sangue que ocorre depois.
- Comer uma salada temperada com azeite e vinagre antes de consumir carboidratos. A combinação de vegetais, ácido do vinagre e gordura do azeite trabalham juntos para desacelerar a absorção dos carboidratos e minimizar o pico resultante de açúcar no sangue.
8 alimentos que aumentam a serotonina e melhoram a saúde mental
8 dicas para combater o desejo por açúcar
Resistência à insulina: quais os sinais e como evitar
7 dicas para reduzir o consumo de açúcar sem apelar para o adoçante