Pessoas com pior saúde mental são mais propensas a navegar por conteúdos negativos na internet, o que agrava ainda mais seus sintomas, segundo um estudo liderado por pesquisadores da Universidade College London, no Reino Unido.
O estudo, financiado pela fundação filantrópica Wellcome Trust e publicado na revista Nature Human Behaviour, mostra que a relação entre saúde mental e navegação na web é causal e bidirecional. Em outras palavras, reflete um ciclo vicioso.
“Nossos resultados mostram que navegar por conteúdos de tom negativo não apenas reflete o estado de humor de uma pessoa, mas também pode piorá-lo ativamente. Isso cria um ciclo de retroalimentação que pode perpetuar desafios de saúde mental ao longo do tempo”, afirmou a coautora principal Tali Sharot, professora da universidade.
Os pesquisadores desenvolveram uma ferramenta em forma de plug-in para adicionar "rótulos de conteúdo" às páginas da web, da mesma forma que alguns rótulos em alimentos ajudam os consumidores a tomar decisões mais bem informadas sobre sua dieta.
Esses rótulos destacavam o impacto emocional do conteúdo da página, além de sua praticidade e nível de informatividade.
Mais de 1.000 participantes do estudo responderam a perguntas sobre sua saúde mental e compartilharam seu histórico de navegação na web com os pesquisadores. Usando métodos de processamento de linguagem natural, os pesquisadores analisaram o tom emocional das páginas visitadas pelos participantes.
A equipe descobriu que os participantes com piores sintomas de humor e saúde mental tinham uma tendência maior a acessar conteúdos negativos online e, após a navegação, aqueles que consumiam mais conteúdos negativos se sentiam ainda piores.
Em um estudo adicional, os pesquisadores manipularam os sites visitados pelas pessoas, expondo alguns participantes a conteúdos negativos e outros a conteúdos neutros.
Eles descobriram que aqueles expostos a sites com conteúdos negativos relataram piora no humor após a leitura, demonstrando um efeito causal da navegação em conteúdos negativos no humor.
Quando esses participantes foram, então, solicitados a navegar livremente na internet, aqueles que haviam visualizado previamente sites negativos (e experimentado uma piora no humor) escolheram acessar mais conteúdos negativos.
Essa descoberta confirma como a relação é bidirecional, ou seja, gera um ciclo vicioso: conteúdos negativos afetam o humor, e um humor piorado impulsiona o consumo de mais conteúdos negativos.
“Os resultados contribuem para o debate contínuo sobre a relação entre saúde mental e comportamento online”, comentou o coautor principal Christopher Kelly, estudante de doutorado.
O pesquisador acrescentou que a maior parte da pesquisa sobre essa relação tem se concentrado na quantidade de uso, como tempo de tela ou frequência de uso de redes sociais. “Aqui, em vez disso, focamos no tipo de conteúdo acessado e descobrimos que seu tom emocional está relacionado de forma causal e bidirecional à saúde mental e ao humor.”
Para verificar se uma intervenção poderia mudar as escolhas de navegação na web e melhorar o humor, os pesquisadores realizaram outro estudo. Eles adicionaram rótulos de conteúdo aos resultados de uma pesquisa no Google, informando aos participantes se cada resultado provavelmente melhoraria, pioraria, ou não teria impacto sobre o humor do leitor.
Os participantes se mostraram mais propensos a escolher sites com rótulos positivos, que prometiam melhorar seu humor. Além disso, quando questionados sobre seu estado emocional posteriormente, aqueles que haviam acessado os sites positivos estavam de fato com melhor humor do que os outros participantes.
Como resposta, os pesquisadores desenvolveram um plug-in gratuito para navegador que adiciona rótulos aos resultados de pesquisas no Google, fornecendo três classificações diferentes: quão prático é o conteúdo do site, quão informativo ele é e como ele impacta o humor.
“Estamos acostumados a ver rótulos em nossos alimentos, fornecendo informações nutricionais como açúcar, calorias, proteínas e vitaminas, para nos ajudar a tomar decisões informadas sobre o que comemos”, ponderou Tali Sharot.
“Uma abordagem semelhante poderia ser aplicada ao conteúdo que consumimos online, capacitando as pessoas a fazer escolhas mais saudáveis na internet.”
Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY. Twitter: @tatianapronin