Redação Publicado em 12/08/2021, às 12h00
Um estudo feito em ratos mostra que jejum pode ajudar a evitar doenças intestinais. Os resultados podem ser interessantes, mas saiba que não dá para sair por aí testando a hipótese, já que ficar sem comer, sem orientação adequada, pode comprometer o nosso sistema imunológico de uma forma geral, abrindo portas para muitas outras infecções.
O estudo, realizado pela University of British Columbia (UBC), no Canadá, e publicado na PLOS Pathogens, descobriu que o jejum impede que Salmonella enterica serovarTyphimurium, uma das principais causas de gastroenterite em humanos, provoque inflamação ou danos aos tecidos. Os pesquisadores observaram resultados semelhantes com outra bactéria, Campylobacter jejuni, sugerindo que as conclusões do estudo também podem se aplicar a outras infecções entéricas.
O autor sênior do estudo, Bruce Vallance, da UBC, disse que, uma vez que pesquisas anteriores sobre jejum e infecção foram inconclusivas, ele e seus colegas esperavam ajudar a resolver a questão, mesmo se descobrissem que o jejum ajudou as bactérias a prosperar: “Isso também seria importante saber, já que o jejum terapêutico está se tornando mais popular para pacientes com doenças autoimunes ou autoinflamatórias crônicas. É claro que gostaríamos de saber se um jejum terapêutico tornaria os pacientes mais suscetíveis a infecções”.
Os pesquisadores começaram tratando camundongos com o antibiótico estreptomicina. Estudos anteriores mostraram que o antibiótico mata certas bactérias protetoras essenciais, ajudando a Salmonella a superar a resistência à colonização baseada na microbiota. Isso cria um ambiente no qual ela pode se expandir rapidamente e causar gastroenterite.
Os pesquisadores alimentaram com Salmonella Typhimurium um grupo de ratos em jejum de 24 horas e também em um grupo que se alimentou normalmente (esses roedores podem jejuar com segurança por até 48 horas). Depois de mais 24 horas, os cientistas examinaram os ratos para determinar o estado das infecções por essa bactéria. Nos alimentados, a infecção se espalhou pelo intestino e invadiu a parede intestinal, causando danos aos tecidos.
Em contraste, os pesquisadores não encontraram quase nenhuma Salmonella Typhimurium em 40% dos ratos em jejum. Nos 60% restantes, a bactéria havia se expandido pelo intestino, embora tivesse causado poucos danos. Todos os camundongos em jejum exibiram inflamação ou dano ao tecido mínimos. Quando a equipe retomou o regime alimentar normal dos camundongos em jejum, as infecções por Salmonella recuperaram sua capacidade de proliferar pelo intestino. No entanto, os cientistas novamente observaram inflamação ou dano aos tecidos mínimos.
Os pesquisadores investigaram a possibilidade de que o jejum alterou o equilíbrio do pH do estômago, matando a Salmonella Typhimurium. No entanto, não observaram nenhuma diferença no pH do estômago entre os ratos em jejum e os alimentados. Eles também descobriram que a primeira área do trato intestinal onde os níveis de Salmonella variavam era o ceco, que fica bem abaixo do estômago no trato gastrointestinal. Isso elimina o pH como um possível inibidor.
Os pesquisadores levantaram a hipótese de que as bactérias intestinais nos camundongos em jejum estavam de alguma forma domesticando a Salmonella Typhimurium. Para testar isso, repetiram os experimentos com ratos gnotobióticos, aqueles criados para serem completamente livres de bactérias, incluindo intestinos. O jejum não teve efeito sobre eles, indicando aos pesquisadores que as bactérias intestinais nos camundongos normais foram responsáveis pelo efeito do jejum.
Como confirmação adicional, os pesquisadores injetaram Salmonella Typhimurium em outros camundongos. “Não observamos nenhum efeito protetor do jejum quando a Salmonella foi injetada [por via intravenosa] e se espalhou para o fígado e baço. Isso enfatiza o papel fundamental desempenhado pelo microbioma intestinal na mediação dos efeitos protetores do jejum”, relataram.
Os pesquisadores levantam a hipótese de que, quando os nutrientes são escassos durante o jejum, as bactérias normais e comensais do intestino consomem o que está disponível, deixando Salmonella Typhimurium faminta dos nutrientes de que precisa para se expandir e causar danos.
Notavelmente, o ceco é também o primeiro local onde [administrada por via oral] a Salmonella encontraria uma grande comunidade bacteriana comensal e, portanto, representa o primeiro lugar no trato [gastrointestinal] onde o patógeno enfrentaria competição significativa por nutrientes”, escreveram os autores.
Vallance afirmou que um aspecto do estudo que não se traduz em humanos é a duração do jejum. Ele observa que um jejum de dois dias (como o usado no estudo) em um camundongo é considerado um “jejum prolongado”, semelhante a 10–14 dias de jejum em humanos. Quando questionado sobre as maneiras de testar as descobertas do estudo em humanos, o pesquisador comentou que uma abordagem seria a de os indivíduos passarem por um jejum prolongado e, em seguida, serem inoculados com uma cepa bacteriana inofensiva ou avirulenta para determinar se a bactéria seria capaz de se expandir no mesmo grau que em humanos não jejuados.
“Outra abordagem seria seguir [pessoas que] adoecem naturalmente e dividi-las em dois grupos – um que mantém a ingestão calórica (apesar da perda de apetite) e outro que segue a resposta de jejum que ocorre naturalmente e não come ou reduz a ingestão calórica significativamente. Poderíamos, então, ver em qual grupo a infecção se resolve mais rapidamente, se há certos fatores do microbioma que estão associados a qualquer um dos resultados e, no caso de infecções bacterianas, poderíamos examinar a expressão de genes de virulência também”, afirmou
Vallance fez questão de deixar claro que seu estudo não mostra que o jejum intermitente pode proteger contra infecções. Ele explicou que há muitos dados interessantes surgindo sobre o jejum, mas ele encorajaria as pessoas a sempre verificarem se o estudo foi feito em camundongos e, em caso afirmativo, quanto tempo os camundongos estiveram em jejum. Isso porque muitos dos efeitos benéficos do jejum não serão transmitidos ao jejum intermitente ou à alimentação com restrição de tempo em humanos. Um jejum de vários dias em humanos é muito diferente de um jejum intermitente e irá desencadear diferentes caminhos e mecanismos.
Em conclusão, os especialistas em saúde podem não recomendar o jejum como uma ferramenta anti-infecção tão cedo. No entanto, o jejum terapêutico e a restrição calórica podem revelar pistas para modular de forma benéfica doenças gastrointestinais infecciosas e potencialmente não infecciosas, o que, certamente, justifica uma investigação mais aprofundada.
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