Uma das buscas mais comuns no Google é exatamente “como deixar de gostar de alguém”
Cármen Guaresemin Publicado em 13/09/2022, às 12h00
Quantas canções, livros, peças, novelas, filmes e séries existiriam se esquecer alguém fosse algo fácil? Sim, aquela dor de cotovelo tem ajudado artistas a gerarem desde músicas populares até verdadeiras obras-primas. Um dos filmes mais lembrados quando falamos neste tema, por exemplo, é Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, de 2004. Nele, Joel (Jim Carrey) descobre que seu grande amor, Clementine (Kate Winslet), o apagou da memória graças a uma máquina. E ele decide fazer o mesmo.
O desejo de esquecer uma paixão é tão grande que uma das buscas mais comuns no Google é exatamente 'como deixar de gostar de alguém'. “Você precisa de um motivo para deixar de gostar de alguém, para que seu desejo pela outra pessoa seja interrompido. No caso do filme citado, o casal de personagens decide, por meio de uma máquina, apagar a memória deles referente ao período que estiveram juntos. Cada um deles achava um defeito no outro e, por esse motivo, decidiu não passar pelo sofrimento da separação e esquecer um ao outro”, afirma Monica Machado, psicóloga pela USP e fundadora da Clínica Ame.C. Ela dá um exemplo: "Vou me afastar de fulano porque estou me apaixonando por ele e não posso porque ele é casado", esta pessoa tem um motivo para enlutar (passar pelo luto) da separação.
Para o psiquiatra e psicoterapeuta Luiz Cuschnir, responder quaisquer perguntas sobre comportamentos ou interpretações relacionadas a eles é algo relativo e que pode nos abater. “A relatividade deve estar presente em cada um, como o melhor parâmetro para que nos protejamos daquela sensação que somos errados, imaturos, doentes e todos outros adjetivos depreciativos que nos deixam para baixo, desvalorizados, ou até inúteis para tantas coisas que a vida nos solicita constantemente”.
Será que, assim como no luto, quando o amor morre para um dos dois, haveria também um processo similar, com alguns estágios que precisariam ser vividos? Segundo a neuropsicóloga Andrea Lorena da Costa Stravogiannis, sim. “Deixar de gostar de alguém é um processo que leva tempo e é preciso ter paciência. Geralmente, quando o relacionamento termina, a pessoa passa por cinco fases até superá-lo”. Abaixo, ela explica cada um deles:
-Negação: a pessoa não aceita que o amor chegou ao fim. Ela se questiona sobre os motivos, revisita situações passadas e faz suposições.
-Raiva & sedução: com o desejo de recuperar o amor, a pessoa adota comportamentos para provocar ciúme no ex-parceiro. Um exemplo é a realização de encontros casuais.
-Fase depressiva: marcada por pensamentos e sentimentos derrotistas. Questões como “nunca mais encontrarei alguém” ou “eu não nasci para relacionamentos” são constantes nessa etapa.
-Aceitação: passada a fase de rastejar atrás do ser amado, vem a da aceitação, na qual o indivíduo consegue perceber racionalmente que o relacionamento não tem mais volta, passa a se valorizar mais e se abrir para novas possibilidades.
-“Move on”: nesta última fase, já não há mais pensamentos no ex e a pessoa consegue, finalmente, seguir em frente. Começa a buscar o autoconhecimento e a retomar a autoconfiança.
“Não tem mágica ou máquina para apagar uma história que você vive com alguém, por isso é importante passar pelo processo do luto. O tempo que leva para esquecer vai de pessoa para pessoa”, concorda Monica.
Os três profissionais concordam que o tempo é mesmo o melhor remédio nestes casos. Porém, há pessoas que conseguem sair de um relacionamento e começar outro sem demora. Para Mônica, nesses casos, a pessoa não teve o trabalho de passar pelo luto e deslocou o sentimento de afeto para aquela que acabara de conhecer. “Isso acontece muito com as pessoas, deslocar sentimentos de um relacionamento para outra pessoa. Porém, não é saudável para a saúde mental, porque, provavelmente, essa relação terá conflitos, pois a tendência será a de idealizar o ex nesta nova pessoa. Não que seja regra, mas, quando o relacionamento foi importante e o término causou feridas que ainda estão abertas, o ideal é se preservar e não engatar em uma nova relação”.
No entanto, ela admite que o tempo é sempre o melhor amigo, pois uma pessoa precisa dele para passar pelo processo de luto da separação, o que varia de um para outro. Ela exemplifica, lembrando que há quem leve semanas ou meses para se reerguer. Para ela, independentemente do tempo que alguém precise, o mais importante é não deixar a vida parar.
“Dar um tempo para iniciar um novo relacionamento pode ser uma atitude mais amadurecida. A pessoa tem oportunidade de ampliar a pesquisa para realmente escolher por onde quer ir no campo amoroso. A responsabilidade consigo mesmo de encontrar alguém que o preencha vai propiciar uma ‘nova escolha’ e não o alívio da sensação de perda irreparável, ou, o oposto, livrar-se do sufoco do ‘gasligthing’ da relação anterior”, afirma Cuschnir. “Sair da compulsão e melancolia, por outro lado, pode salvar uma pessoa de muitas atitudes autodestrutivas. Enfim, dar um tempo para desenvolver um maior autoconhecimento acrescenta maturidade emocional, o que pode auxiliar bastante para escolher melhor o que a pessoa necessita”, completa.
Porém, o psicoterapeuta lembra que, em termos gerais, especificar o tempo como fator para deixar de gostar de alguém, cai no que ele colocou como relativizar quaisquer argumentos terapêuticos:
“O tempo vai ajudar quem souber usá-lo a seu favor. Ele pode não fazer a menor diferença e o gostar de alguém pode virar uma crença de que não adianta procurar outra pessoa, pois ninguém vai ocupar esse lugar ‘sagrado’ e ‘venerado’”.
Para Andrea, a paciência é um fator importante para superarmos qualquer acontecimento negativo. Os primeiros sentimentos e pensamentos relacionados à perda de um amor estão quase sempre carregados de raiva, de suposições e, muitas vezes, de distorções. O tempo ajuda no sentido de fazer a pessoa atravessar as cinco fases que ela listou acima e enxergar que, depois de tudo isso, vem a fase final: o início de um novo relacionamento amoroso.
“O importante é entender que essas etapas existirão e se permitir viver a dor e o luto, sem querer chegar logo à quinta fase. E, para isso, é preciso acolher os sentimentos, enxergar como eles estão te afetando e aprender a lidar com eles de forma assertiva”.
- Afastar-se: “Para ter uma visão real do que aconteceu, sem distorções, é preciso enxergar o momento de longe. Quando se está dentro da situação de intensa perda, a racionalidade vai embora. Aí, vem as atitudes impulsivas, o que acaba gerando ainda mais sofrimento. Use esse tempo para refletir”, ensina Andrea. Para Cuschnir, se for possível, considere o estilo de vida que está levando, não frequentando o mesmo ambiente do ex. “No profissional, às vezes é impossível se afastar, mas de sua extensão (happy hours, programas da turma etc.) e, principalmente do ambiente social, o que inclui atividades como academia, aulas ou grupos, é possível”.
- Praticar o autoconhecimento: Andrea lembra que perder um grande amor mexe diretamente com o ego - Por que não sou mais interessante? Ou ainda: Eu sou tão legal, não entendo por que ele(a) não me quer mais. Para ela, é importante olhar a realidade como ela realmente é, sem distorções, sem generalizações ou questionamentos do tipo 'eu deveria ter feito isso, eu deveria ter feito aquilo'. “Na medida que essas distorções cognitivas são postas de lado, se consegue enxergar a real dimensão do problema – o que posso e o que consigo fazer agora? À medida que nossos pensamentos nos ajudam, provocam sentimentos que também vão nos guiar para comportamentos mais assertivos e coerentes, e este ciclo se retroalimenta a todo instante”.
- Silenciar as redes sociais e não “stalkear” a pessoa: "Acredito que, hoje em dia, essa é a ação mais difícil de se fazer, mas é necessária para se desprender, se dedicar a sua reconexão e, o mais importante, evitar tomar atitudes impulsivas, tirar conclusões precipitadas e fazer comparações que trazem ainda mais sofrimento. É uma forma de afastamento e desapego”, aconselha Andrea. Já para o psicoterapeuta, isso tem sido uma constante que, por mais que racionalmente certas pessoas se percebam com uma curiosidade perniciosa, não conseguem se controlar. Assim, o único jeito é ter um controle externo do “off-line”.
- Desapegar-se das lembranças (guarde as melhores, mas viva o presente): Andrea diz que uma faxina, não somente mental, mas física, também é recomendada. Desfazer-se dos pertences, mudar a decoração de casa, no caso daqueles que moravam juntos, pode ajudar a se desapegar das lembranças. Do ponto de vista mental, evite passar horas revendo fotos de viagens e momentos que marcaram a vida a dois. Para Cuschnir é o melhor caminho para alimentar a autoestima e prevenir a solidão destrutiva.
- Listar defeitos: Cuschnir diz que esta é uma boa opção para se perceber a idealização de que o outro e a relação eram perfeitos. Para Andrea, na fase pós-rompimento, a pessoa tende a ficar relembrando apenas as coisas boas e prazerosas. Ela diz que ter a consciência de que nada é perfeito ajuda a superar o sofrimento: “A antropóloga Helen Fisher descobriu, por exemplo, em suas pesquisas, que trazer à tona pensamentos negativos sobre a pessoa, seguidos de pensamentos positivos, ou distrações relacionadas a coisas que deixam você feliz, ajudam a curar o coração partido”.
- Priorizar a si mesmo e ocupar seu tempo: para o psiquiatra, da mesma maneira que o apego às lembranças alimenta a solidão negativadora, desenvolver o amor que ressalta as coisas que dão prazer vai acender a satisfação da pessoa ser quem ela é. “Cuide de si, retome aquele projeto esquecido, trace metas para novos objetivos. Aprender e se aprimorar em atividades novas faz bem para a autoestima e para a saúde mental. Investir em atividades físicas também faz muito bem, já que o corpo libera endorfina, hormônio que regula a ansiedade e traz bem-estar”, lista Andrea.
- Conhecer novas pessoas (mas não para substituir): Andrea lembra que para algumas pessoas, é mais difícil superar essa fase sozinhas. E está tudo bem! O importante é compreender o rompimento e quais foram as suas responsabilidades nisso. Usar essa fase para autoconhecimento.
- Lembrar que há muitas pessoas por aí: e isso não somente no campo do amor romântico, frisa Andrea: “Caso esteja muito difícil superar um relacionamento perdido, busque ajuda de amigos, familiares e pessoas que te querem bem. Com certeza, elas vão te ajudar a enxergar novos caminhos”.
- Avisar as pessoas próximas que terminou: Cuschnir diz que há modos de fazer isso - de uma maneira objetiva (mas cuidado que pode parecer alarme falso); disfarçada (quando perguntarem ou mencionarem algo, pois fica mais natural), ou até não avisar e deixar as pessoas descobrirem (facilita no caso de um reatamento da relação).
- Ocupar seu tempo: para o psicoterapeuta, isso é bem melhor que ficar “velando” as fotos ou imagens geradas pelas emoções e que só entristecem: “Retome as atividades que ficaram paradas e tenha a curiosidade ressaltada”.
Monica acrescenta que o mais importante é aceitar que você não quer mais gostar ou estar com aquela pessoa: “Buscar ajuda e conselhos de amigos e familiares só vai atrapalhar porque ninguém sabe o que você sente, só você mesmo. Então, busque ajuda de um profissional do comportamento humano. E, sim, sair, conhecer pessoas e lugares novos é fundamental para que seu foco de atenção mude, que não fique preso a esse momento. Foque também nas atividades que lhe proporcionem prazer. Além de ativar neurotransmissores que geram bem-estar, sua mente se ocupará de outros pensamentos que não sejam o ex”.
Quando pode ser considerado um problema para uma pessoa se ela não esquece a outra? Há um tempo de luto? E quando se deve procurar ajuda especializada? Na verdade, o tempo de superação para cada pessoa é relativo, principalmente se levamos em conta a duração e intensidade da relação. Para Andrea, torna-se um problema quando a pessoa não consegue superar as primeiras fases e se reconectar novamente. “Daí, as ações passam a ser semelhantes às das pessoas que vivenciam o amor patológico. Elas idealizam no ex o amor eterno, a crença de alma gêmea, de que foram feitos um para o outro, característica que chamamos de autotranscendência, e alimentam sozinhas uma esperança infundada”, conta ela.
“Muitas vezes, abandonam a vida para viver em função do outro, de vasculhar a vida do outro, querer saber se ele está com outra pessoa, de stalkear mesmo. Isso traz baixa autoestima, ansiedade e depressão. Nesses casos, a ajuda de um psicólogo é muito bem-vinda para melhorar a travessia de sofrimento, para recuperar a autoestima, trazer mais clareza à situação e entender que a vida continua sem o outro”, acrescenta.
Para Cuschnir, a ajuda especializada pode ser necessária quando há um desequilíbrio perigoso, ou no caso de alguém querer ter uma vida mais satisfatória e aceitar que o autoconhecimento vai ser o melhor investimento. Ele explica que a solidão que caminha para o sofrimento é aquela que se volta para o que foi perdido. “No caso, quando não se consegue parar de gostar e, por conseguinte, isso impede que a vida descubra outros caminhos, é preciso autoconhecimento para usar outras ferramentas, diferentemente das que se está usando”.
E será que um dia irão inventar algo que apagará as nossas memórias? “Tomara que não exista uma máquina assim. Acho bem arriscado! Assim como no filme, é perigoso apagar todas as outras memórias”, admite Andrea. Cuschnir também não quer que algo assim apareça: “Sou um colecionador de memórias, cada vez mais”, finaliza.
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