Cármen Guaresemin Publicado em 15/06/2022, às 12h00
Preocupações com trabalho e estabilidade financeira acabam com o sono de qualquer um, e podem acabar até com muitos casamentos, segundo pesquisas recentes. E com a pandemia e a atual crise do país, o cenário se agravou ainda mais.
Uma pesquisa feita pelo LinkedIn em 2018, com mais de 1.000 profissionais brasileiros entre 25 e 33 anos, mostrou que 80% tinham sido afetados pela "crise dos 25 anos", conhecida em inglês pelo termo quarter-life crisis (crise do quarto de vida). A pressão maior, segundo os jovens, era pela compra da casa própria, que apareceu em 65% das respostas. Sendo que a idade em que se sentiam mais pressionados era entre 32 e 33 anos. Para 75%, a crise respingava em relacionamentos, além de afetar a carreira.
Já outra pesquisa, divulgada em 2020 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, indicou que 57% dos divórcios realizados no Brasil, na última década, foram motivados por problemas financeiros. Em seguida, apareceram rotina e falta de tempo como principais causas das separações conjugais. Durante a pandemia, com casais tendo que ficar isolados, juntos 24 horas por dia, as separações cresceram no mundo todo.
Agora, sem as medidas de isolamento da pandemia, muitas pessoas ao redor do mundo passaram a sofrer de “estresse financeiro”, pois estão desempregadas ou se recolocaram, mas estão ganhando menos. E tudo isso também pode estremecer um relacionamento.
“A pandemia desencadeou uma crise global e econômica, então tivemos muitas pessoas que perderam emprego, ou salários foram reduzidos, empresas que passaram a encarar problemas de caixa e o poder de compra diminui. Ou seja, toda uma cadeia produtiva e financeira foi prejudicada, trazendo um impacto gigantesco: se as empresas não faturam elas precisam demitir, se as pessoas perdem o emprego, deixam de consumir; e com menos pessoas consumindo, a gente começa abrir um espaço para incertezas gerando um quadro preocupante de estresse”, explica a psicóloga Edwiges Parra.
Se está difícil para pessoas do mundo inteiro, para os brasileiros os problemas já existiam antes da pandemia, que só veio piorar a situação. Assim, houve um aumento de casos de depressão, ansiedade e até crises de pânico por causa de problemas financeiros.
“As pessoas tiveram um aumento de despesa – por conta de cuidados médicos e custos redobrados com a saúde, por conta da pandemia e porque o custo de vida ficou mais caro –, mas a receita não aumentou, e muitos até perderam as fontes de renda. Isso desencadeou um volume alto de pessoas com a saúde mental comprometida, estressadas em diversos níveis diante de tantas incertezas”, comenta a psicóloga. Ela completa:
Diante de uma situação que não é possível controlar, como foi a pandemia, as pessoas viram a importância da vida e da estabilidade financeira, como ter uma reserva que possibilitasse ter mais tempo e menos pressão para lidar com os imprevistos e conseguir tomar decisões diante de um momento tão incerto”.
Ela lembra que desde 2014 o número de casos de divórcio, ou problemas conjugais, em decorrência das finanças já vinha crescendo devido à crise financeira na qual o país entrou nesse período. Então o mundo entrou na pandemia e os números saltaram ainda mais. “Muitas vezes o casal, principalmente se tem filhos, não se separa, porém enfrenta muitos problemas conjugais em decorrência das dívidas ou da diferença de visão sobre o dinheiro”.
A impressão que muitos casais passam é que o relacionamento pode não ir bem, mas se o lado financeiro, da segurança está bom, a pessoa aceita um relacionamento que já não funciona? O mesmo serve pro âmbito do emprego, se ele está ruim, o deixando doente, mas o salário está bom... “Sim, isso ocorre muito e me preocupa. Mudanças exigem entrega, exigem disposição por parte dos envolvidos e, muitas vezes, as pessoas se acomodam, preferem aceitar do jeito que está por não quererem tomar as atitudes necessárias, gastar a energia necessária, para consertar aquela situação”, confessa.
Porém, como falar sobre dinheiro sem causar discussões? A psicóloga comenta que, primeiro de tudo, um casal precisa dialogar, ver esse momento não como uma DR (discutir a relação), mas como uma conversa que vai fazer ambos prosperarem na vida, pois estão juntos para se apoiarem, crescerem juntos e lidar com as dificuldades. Se isso já não é uma base, todo o processo fica muito difícil.
“O que vejo muito é que as pessoas decidem viver juntas, mas não sabem na prática, de fato, o que isso significa, não internalizam isso de fato. Muitas vezes, é muito mais por um protocolo social – que a maioria nem sabe se quer mesmo –, para dizer que tem alguém, e não para construir uma parceria com alguém, para ter uma vida a dois. Então, se já não há esse diálogo prévio, toda e qualquer discussão futura se torna mais difícil. Por isso é importante que haja diálogo, e sempre, não somente quando se está tendo um problema, jamais esconder do outro um problema financeiro, pois isso impacta lá na frente. Além disso, acreditar que os dois podem construir soluções juntos, favoráveis aos dois e à família”, aconselha Edwiges.
Quando um dos dois está desempregado ou endividado isso costuma piorar o relacionamento? A psicóloga explica que isso depende do quanto de parceria esse casal possui. São em momentos assim que a união é colocada à prova. Haverá momentos em que os dois vão estar superbem, outros em que um vai precisar mais de suporte, e até momentos em que ambos precisarão de ajuda. “A vida é cheia de diversidades e adversidades, e se o casal tem bases sólidas, possui muito mais chances de encarar esses momentos”.
Quando as dificuldades financeiras surgem, será que um dos lados do casal vai ser menos paciente? Edwiges diz que vê essas questões muito divididas e não pendendo mais de um lado ou de outro. “As mulheres carregam uma carga emocional mais forte, muitas vezes pela dupla, tripla jornada, principalmente se possuem filhos, mas não há nem uma pesquisa que mostre que elas tenham menos paciência. Acredito que seja uma problemática que acometa ambos os lados”.
A educadora financeira Dani Coninck dá algumas dicas fáceis para quem está endividado. Levando-se em conta o momento econômico, político e social que o país vive. Pensando em como uma pessoa possa negociar dívidas ou se precisa escolher entre isso ou pagar suas contas, por exemplo. E também como evitar atritos com companheiros e familiares por causa de dinheiro.
“A primeira coisa bacana a explicar é que existe uma diferença entre o endividado que está pagando as dívidas em dia, e o endividado que está inadimplente, ou seja, com tudo em atraso. É importante destacar isso porque endividado praticamente todo mundo está, mas com contas vencidas é um outro cenário”, exemplifica Dani.
“Quando você está devendo o financiamento do seu carro ou da sua casa, com as prestações em dia, pode, por exemplo, fazer a portabilidade de crédito da sua dívida para outra instituição e, assim, economizar muito dinheiro em juros. Agora, se você está com elas em atraso, é preciso analisar o motivo para poder traçar um plano de ação”, completa.
Mas há um modo de evitar desgaste com familiares ou companheiros por causa de dinheiro, ou a falta dele? Dani diz que o maior motivo das brigas por dinheiro, e que muitas vezes levam ao divórcio, se deve pelos problemas que ocorrem pela falta dele. “Isso tudo porque, infelizmente, os casais e famílias não conversam sobre o tema, o que leva aos casos de infidelidade financeira, que é quando uma pessoa do casal, ou ambos, fazem coisas com o dinheiro sem que o outro saiba”, comenta Dani.
Ela diz que isso ocorre quando, por exemplo, a pessoa responsável pelo pagamento do financiamento da casa se enrola com o dinheiro e aí não conta para o parceiro. A situação vai se complicando até o momento em que só se descobre o problema na hora que o banco notifica. “Já vi isso acontecer algumas vezes. Há também casos de fazer empréstimos sem o outro saber, fazer dívidas... Isso ocorre com frequência e sempre porque não há diálogo, quando o dinheiro é um tabu, quando não se fala sobre os planos de cada um e do casal. Sobre quanto será investido, quais serão os objetivos e os detalhes do orçamento da casa”, diz a educadora.
Um casal que mora junto, na mesma casa, come na mesma mesa, têm filhos juntos, precisa ter uma vida financeira em parceria, precisa conversar e traçar planos em conjunto, pois os problemas ocorrem quando um não sabe o que o outro faz com o dinheiro”, diz Dani.
Ela indica que envolver a família é muito importante e vai ajudar a moldar a forma como as crianças veem o dinheiro e, consequentemente, que tipo de adulto elas serão. Muitos filhos só ouvem os pais reclamando sobre a falta de dinheiro e elas crescem acreditando que é extremamente difícil conseguir aquilo. E isso não é de todo verdade. Se elas crescem acreditando que o pai e a mãe, que são os heróis delas, não conseguem dinheiro, então elas vão se sentir incapazes de conseguir também. E, ainda que consigam, tendem a se sabotar, a gastar tudo.
“É preciso envolver as crianças e toda a família no processo, deixá-los conscientes (de acordo com a idade de cada um) sobre quanto entra de renda, qual o custo da casa, quanto sobra e onde está sendo guardado. A importância de investir para realizar as viagens das férias ou a faculdade do futuro. Tendemos a subestimar as crianças, e elas são muito espertas, enquanto o adulto precisa desaprender de todas as crenças sobre dinheiro, os pequenos estão com a cabeça limpinha e é muito mais fácil ensinar do jeito certo”, afirma Dani.
A maioria dos filhos não sabe quanto os pais ganham, se investem ou não, não possuem noção de quanto vale o dinheiro, pois a família não conversa sobre isso. Então eles só sabem que basta passar o cartão ou que nunca tem dinheiro e os pais brigam por conta disso, logo é fundamental que esse assunto seja conversado de maneira realista e aberta com todos da família. E ter aulas para crianças de economia financeira, ou similar, em escolas, ajudaria o brasileiro a lidar melhor com o tema?
Dani conta que existe um projeto do MEC em parceria com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que visa levar educação financeira para as escolas, entretanto ela acredita que o fundamental é mudar pais e professores. Isso porque as crianças e jovens aprendem pela prática, pelo exemplo. Assim, vão fazer o que os pais fazem. Educação financeira se aprende fazendo, por isso é importante que os pais e professores aprendam e pratiquem uma vida financeira equilibrada, para que as crianças também aprendam.
Além disso, ela ensina que uma vida financeira passa por quatro etapas:
“Esse tipo de conhecimento, acredito, não chegará às escolas. Creio que será mais as noções básicas de economia e finanças, o que já ajuda bastante. Porém, os pais têm papel fundamental nessa construção. Mudamos os adultos para mudar a próxima geração”, finaliza.
Se uma pessoa atrasou pagamentos por falta de renda ou por desemprego, Dani ensina que ela precisa:
-Avisar a instituição sobre a perda da renda, para estabelecer um vínculo de confiança de que você está devendo, mas que, assim que voltar a entrar um dinheiro, vai solucionar a situação.
-Focar em conseguir ter uma renda.
-Assim que o dinheiro voltar a entrar, renegociar a dívida. É importante a pessoa ter consciência de que a instituição também tem interesse em renovar, por isso conversar sobre a possibilidade de esticar o prazo para diminuir as parcelas, ou outras vias de negociação para que consiga retomar o fluxo de pagamento.
-O mais importante é a pessoa focar em ter uma parcela que caiba no bolso para que sobre dinheiro para que ela construa uma reserva de emergência. Isso é o que vai possibilitar que ela não entre novamente em dívidas em atraso quando um problema acontecer.
Fontes:
Dani Coninck é educadora financeira na área do mercado financeiro com certificação CPA-10. Formada em Administração pela Unidavi, no Rio do Sul (Santa Catarina). Pós-graduada em Gestão de Negócios e Liderança pela FAE (Paraná), e integra o time de conselheiros da CredCrea, cooperativa de crédito com sede em SC.
Edwiges Parra é psicóloga, especializada em terapia comportamental e cognitiva pela USP, Inteligência Empresarial e Gestão do Conhecimento pela UFRJ e professora do MBA de Saúde Corporativa da FGV.