Cármen Guaresemin Publicado em 01/09/2021, às 16h48
Após dez anos de planejamento e preparativos, Vilfredo e Heloisa Schurmann partiram de Santa Catarina, em 1984, com os três filhos: Wilhelm, David e Pierre – na época, com 7, 10 e 15 anos, respectivamente. O objetivo era realizar um sonho: dar a volta ao mundo a bordo de um veleiro. Essa seria a primeira grande aventura dos Schurmann, que passaram dez anos no mar e, ao retornarem, ficaram conhecidos como a primeira família brasileira a dar a volta ao mundo a bordo de um veleiro. De lá para cá, foram, até o momento, três voltas ao mundo – 10 Anos no Mar (1984-1994), Magalhães Global Adventure, com a filha Kat Schurmann a bordo (1997-2000) e Expedição Oriente (2014-2016) – além de milhas e milhas de navegações pela costa brasileira e mares do mundo.
No último domingo, 29 de agosto, a família partiu a bordo do veleiro Kat, ao lado da tripulação, para a expedição Voz dos Oceanos, que tem a finalidade de conscientizar a população mundial a respeito do lixo nos oceanos, especialmente os plásticos. Com o apoio global do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), os velejadores e demais tripulantes da embarcação envolvidos nessa missão de dois anos de duração passarão por 60 destinos nacionais e internacionais, entre Brasil e Nova Zelândia.
“É muito triste saber que tantos animais morrem diariamente ao ingerir plástico, incluindo tartarugas, baleias e aves marinhas. Afinal de contas, cerca de oito milhões de toneladas de plástico chegam aos oceanos todos os anos. E, se não apostarmos em medidas de contenção, a situação ficará ainda mais grave, podendo triplicar esse volume até 2040. Precisamos mudar de atitude o mais rápido possível”, aponta Heloisa, que, ao lado da Família Schurmann, é defensora da campanha MaresLimpos do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
A etapa brasileira começou em Balneário Camboriú, Santa Catarina, e terá 11 destinos. Na sequência, a expedição se dirigirá ao Caribe, costa atlântica dos Estados Unidos, arquipélago das Bermudas, voltando para o Caribe, México, cruzando o canal do Panamá, navegando até Galápagos, seguindo pelo Oceano Pacífico Sul até a Polinésia e terminando na Nova Zelândia.
Batizado em homenagem à filha do casal, que faleceu em 2013, o veleiro Kat possui seis cabines, duas salas, uma cozinha e três banheiros. O veleiro faz uso de energia limpa (eólica, hídrica e solar) e conta ainda com geradores de baixo consumo e sistema de tratamento de esgoto. Além disso, todo o lixo produzido é devidamente tratado. O barco possui uma composteira para tratar o orgânico e um compactador para armazenar o reciclável.
A seguir, a matriarca da família, Heloísa Schurmann, de 75 anos, conta um pouco dos bastidores da expedição e o que faz para se preparar e se cuidar durante as viagens.
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Vocês se preparam, física e psicologicamente, antes de cada expedição?
Normalmente, buscamos nos manter em dia com as atividades físicas. Às vésperas de uma grande expedição, a disciplina é mantida. Todos fazem, no mínimo, caminhadas constantes. E cada um de nós tem sua rotina e preferências. Wilhelm, nosso caçula, atleta profissional de windsurf com alguns títulos nacionais e internacionais, sempre que pode pega sua prancha e se lança nas ondas. Vilfredo faz abdominais e treinos de força. Eu faço um set de treino de exercício multifuncional com uma personal trainer, pilates solo, bicicleta estacionária, TRX para braços, pernas, agachamentos e alongamento. Psicologicamente, faço meditação e todos nós temos um ritual de contemplar, sempre que possível e, preferencialmente, a bordo, o pôr do sol.
E durante as viagens, faz algum tipo de atividade física?
Sim, atividades físicas realmente fazem parte do nosso dia a dia, inclusive a bordo do veleiro. Não se surpreenda se “flagrar” Vilfredo ou eu bem cedinho nos exercitando na proa da embarcação. A prática de alguma atividade física é algo que faz muito bem para corpo e mente. E, no nosso caso, faz parte da nossa rotina, nos agrada até hoje. Além disso, durante as expedições, fazemos longas caminhadas, trilhas, mergulho e natação, por exemplo.
Seu apelido é formiga por causa da personagem do desenho animado Formiga Atômica. Como consegue manter o pique depois dos 70?
Tenho 75 anos e vivo a vida com muita curiosidade e vontade de aprender. Minha motivação é realizar meus sonhos, dizendo sim às oportunidades que surgem em todos os momentos. Isso me dá ainda mais pique.
Vocês têm uma horta no veleiro, o que plantam nela?
O veleiro Kat é nossa casa e, nesse espaço mais “compacto” e flutuante, temos alguns recursos e soluções que podem ser adotadas também em casas e apartamentos. Um exemplo é, sim, nossa horta de temperos orgânicos, onde plantamos salsinha, cebolinha, manjericão, hortelã e alecrim. Até tomate já tivemos, e como também temos composteira, usamos adubo orgânico.
Como é a alimentação durante o isolamento? Quando chegam a um lugar novo costumam experimentar os pratos locais?
Nossa dieta é acompanhada por uma nutricionista que indica uma alimentação balanceada com bases em saladas de folhas, grãos, fibras, frutas, verduras, proteínas e baixo carboidrato. Para isso, abastecemos o veleiro em cada parada, já prevendo as necessidades de acordo com o tempo de navegação e eventuais atrasos. Em muitos locais remotos, somos presenteados com frutas e alimentos frescos. Quando chegamos nos lugares, experimentamos, sim, os pratos locais. Cada expedição é uma aventura gastronômica! São países de culturas diferentes que, para conhecê-las ao máximo, vale experimentar a culinária local.
O que vai mudar no comportamento de vocês por causa da pandemia, tanto dentro do veleiro quanto nos lugares onde irão parar?
Naturalmente, isso interfere no nosso planejamento e nas atividades relacionadas à expedição. Para começar, adiamos em um ano o início dela que, originalmente, estava programada para o segundo semestre de 2020. Desde a partida, que aconteceu no domingo, 29 de agosto, em Balneário Camboriú (SC), alteramos a programação, excluindo ações que eventualmente causaria aglomerações. Nossa coletiva foi híbrida, com maior presença on-line, e transmitimos nossa partida pelo YouTube da Voz dos Oceanos, justamente para que as pessoas pudessem participar desse momento, como sempre aconteceu, porém, dessa vez, no conforto de suas casas e em segurança. Gostamos de receber grupos de pessoas a bordo, principalmente estudantes dos ensinos fundamental e médio, o que lamentavelmente não será possível, pelo menos, nestes primeiros meses. Eventos presenciais também foram reavaliados, considerando tanto o número de pessoas envolvidas e também os protocolos de saúde e segurança adotados, como testagem de todos os participantes, sanitização da embarcação, permanência, preferencialmente na área aberta, distanciamento, uso de máscara, higienização das mãos, entre outros cuidados necessários, mesmo tendo toda a tripulação devidamente vacinada.
Como fazem se alguém fica doente durante a viagem, ou isso nunca aconteceu?
Isso já aconteceu, sim, e eu dei assistência imediata nessa emergência em lugares longe de cidades. Outras vezes tivemos casos de dengue e infecção intestinal, mas estávamos em um porto. Essa é uma preocupação desde nossa primeira grande aventura e, desde então, nos preparamos para eventuais desafios. Eu fiz curso de primeiros socorros (socorrista de ambulância) em 1984, antes de zarpar para nossa primeira volta ao mundo. Depois, fiz mais dois “upgrades”, em 1997 e 2010. Há poucos dias, toda a tripulação passou por novo curso de primeiros socorros.
Enfrentou machismo ou ouviu comentários tentando diminuir sua capacidade?
Sim, escutei vários comentários. Mas ouvi muito mais vezes o conselho de minha mãe, que me dizia: ‘você pode ser quem você quiser na vida’. Aí, eu escolhi ser velejadora. Aliás, é um mito dizer que velejar exige força física. Hoje, os recordes de pessoas mais jovens que deram a volta ao mundo sozinhas, sem nenhum homem a bordo, pertencem a duas adolescentes holandesas: Laura Dekker e Jessica Watson, ambas com 16 anos.”
Como se distrai durante a viagem?
Observando e contemplando a natureza (sou fascinada em assistir ao dia amanhecer ou ao sol se pôr no meio do oceano), lendo, escrevendo o diário de bordo, fazendo exercícios, meditando, escutando música e dançando.
Durante as viagens aprendeu alguma dica de alimentação, saúde ou bem-estar que usa até hoje?
Aprendi, por exemplo, a não colocar nenhuma fruta ou verdura junto com as bananas. Porque as bananas aceleram o processo de amadurecimento do que estiver perto delas.
Como você se cuida durante as viagens?
Ah, eu me amo! Por isso, cuido de mim. Por praticidade e economia de água, uso cabelos curtos, que lavo frequentemente. Mantenho a pele hidratada, bebo bastante água e uso hidratante, protetores solar e labial. Se preciso, utilizo uma maquiagem leve: base, blush, máscara para cílios e lápis labial. Uso óleos ou hidratante para o corpo, mãos e pés. Porém, a parte mais importante é também nutrir a atividade mental. Manter o cérebro ativo. Meditação, tai chi, yoga e outras práticas ajudam nesse processo.
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