Homens e mulheres têm sono e relógio biológico diferentes

Entender essas diferenças pode gerar tratamentos mais eficazes para distúrbios do sono

Tatiana Pronin Publicado em 11/04/2024, às 09h00

Mulheres têm uma tendência maior a serem diagnosticadas com insônia - iStock

Uma revisão de evidências científicas explorou as principais diferenças no sono e no relógio biológico de homens e mulheres, e como isso afeta o metabolismo de cada um. 

Publicado no periódico Sleep Medicine Reviews, os pesquisadores sugerem que o sexo biológico de uma pessoa deve ser levado em conta ao se tratar distúrbios do sono, do ritmo circadiano e distúrbios metabólicos.

Diferenças no sono

A revisão descobriu que as mulheres tendem a classificar a qualidade do seu sono como mais baixa, em relação aos homens, e relatam mais flutuações na qualidade do sono, o que corresponde a mudanças ao longo do ciclo menstrual.

"A qualidade do sono mais baixa está associada a transtornos de ansiedade e depressão, transtornos que são duas vezes mais comuns em mulheres do que em homens", comentou Sarah Chellappa, da Universidade de Southampton, no Reino Unido, autora sênior do artigo. 

As mulheres também têm mais chances do que os homens de serem diagnosticadas com insônia, embora as razões não sejam totalmente claras. Segundo a pesquisadora, reconhecer e compreender as diferenças no sono e nos ritmos circadianos de homens e mulheres é essencial para adaptar abordagens e estratégias de tratamento para distúrbios do sono e condições de saúde mental associadas.

Transtornos mais comuns nas mulheres

Os pesquisadores também descobriram que as mulheres têm uma probabilidade de 25 a 50% maior de desenvolver a síndrome das pernas inquietas, uma condição que faz a pessoa sentir urgência em se movimentar e afeta muito a qualidade do sono. 

Elas também têm até quatro vezes mais chances de desenvolver transtorno alimentar relacionado ao sono, caracterizado pelo consumo de grande quantidade de comida repetidas vezes durante a noite.

Condições mais comuns entre os homens

Enquanto isso, os homens têm três vezes mais chances de serem diagnosticados com apneia obstrutiva do sono (AOS). A AOS se manifesta de forma diferente em mulheres e homens, o que pode explicar essa disparidade. Essa condição, que leva a constantes despertares durante a noite (muitas vezes sem que a pessoa perceba) está associada a um risco aumentado de insuficiência cardíaca em mulheres, mas não em homens.

Elas dormem mais

Estudos em laboratório de sono descobriram que as mulheres dormem mais do que os homens, passando cerca de 8 minutos a mais em sono não-REM (Movimento Rápido dos Olhos), estágio em que a atividade cerebral diminui. Apesar de o sono não-REM diminuir com a idade, essa redução é mais substancial em homens mais velhos.

As mulheres também tendem a entrar no sono REM, caracterizado por altos níveis de atividade cerebral e sonhos vívidos, mais cedo do que os homens.

Variações nos relógios biológicos

A equipe, que contou também com pesquisadores das universidades de Stanford e de Harvard, nos Estados Unidos, descobriu que também existem diferenças entre os sexos no que diz respeito ao ritmos circadianos, popularmente chamados de "relógios biológicos". 

A revisão observou que a melatonina, um hormônio que ajuda a determinar os ritmos circadianos e do sono, é secretada mais cedo em mulheres do que em homens.

A temperatura corporal central, que está no seu pico antes do sono e no seu mínimo algumas horas antes de acordar, segue um padrão semelhante, atingindo seu pico mais cedo em mulheres do que em homens.

Outros estudos sugerem, ainda, que os períodos circadianos intrínsecos das mulheres são mais curtos do que os dos homens em cerca de seis minutos. Embora essa diferença possa ser pequena, é significativa. O desalinhamento entre o relógio biológico central e o ciclo sono/vigília é aproximadamente cinco vezes maior em mulheres do que em homens. Imagine se o relógio de alguém estivesse consistentemente adiantado ou atrasado seis minutos. Ao longo de dias, semanas e meses, essa diferença pode levar a um desalinhamento perceptível entre o relógio interno e as pistas externas, como luz e escuridão.

Problemas associados ao relógio biológico

Disrupções nos ritmos circadianos têm sido associadas a vários problemas de saúde, incluindo distúrbios do sono, distúrbios de humor e função cognitiva prejudicada. Mesmo pequenas diferenças podem ter implicações significativas para a saúde e o bem-estar geral.

Segundo o estudo, homens tendem a ser cronotipos mais tardios, preferindo ir para a cama e acordar mais tarde do que as mulheres. Isso pode levar ao jet lag social, ou seja, o ritmo circadiano não se alinha com as demandas sociais, como o trabalho. Eles também têm horários de repouso-atividade menos consistentes do que as mulheres no dia a dia.

Impacto no metabolismo

A equipe de pesquisa também investigou se o aumento global da obesidade pode estar parcialmente relacionado ao fato de as pessoas não dormirem o suficiente – cerca de 30% dos adultos de 30 a 64 anos dormem menos de seis horas por noite, segundo pesquisas feitas nos Estados Unidos e na Europa.

Houve grandes diferenças na forma como os cérebros de mulheres e homens respondiam a imagens de alimentos após a privação de sono. As redes cerebrais associadas a processos cognitivos (tomada de decisão) e afetivos (emocionais) foram duas vezes mais ativas em mulheres do que em homens.

Outro estudo descobriu que as mulheres tinham uma ativação 1,5 vezes maior na região límbica (envolvida no processamento emocional, formação de memória e regulação comportamental) em resposta a imagens de alimentos doces em comparação com os homens.

Apesar dessa diferença na atividade cerebral, os homens tendem a comer mais do que as mulheres em resposta à perda de sono. Outro estudo descobriu que um sono mais fragmentado, em que a pessoa demora mais para pegar no sono e passa mais tempo na cama tentando dormir, estava associado a mais fome apenas em homens.

Tanto mulheres quanto homens que trabalham no turno da noite têm mais chances de desenvolver diabetes tipo 2, mas esse risco é maior em homens.

Sessenta e seis por cento das mulheres que trabalham no turno da noite experimentaram comer emocional e outro estudo sugere que elas têm cerca de 1,5 vezes mais chances de estar com sobrepeso ou obesidade em comparação com mulheres que trabalham no turno do dia.

Diferenças nas respostas aos tratamentos

Os pesquisadores também encontraram evidências sobre como mulheres e homens respondem de maneira diferente aos tratamentos para distúrbios do sono e de ciclos circadianos. Por exemplo, a perda de peso foi mais bem-sucedida no tratamento de mulheres com AOS do que em homens, enquanto as mulheres medicadas com zolpidem (um medicamento para insônia) podem precisar de uma dosagem menor do que os homens para evitar sonolência persistente na manhã seguinte.

Os autores observam que a maioria das intervenções para sono e ciclo circadiano tem pesquisas limitadas sobre diferenças entre os sexos. À medida que esse conhecimento avançar, os profissionais de saúde poderão oferecer cuidados mais precisos e personalizados, com maiores chances de se alcançar resultados positivos. 

 

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