O número de intoxicações de crianças com melatonina aumentou mais de 500% de 2012 a 2021, nos EUA, em especial entre menores de 5 anos. É o que mostra uma pesquisa que deve servir de alerta para pais e mães brasileiros, já que esse suplemento para o sono foi aprovado recentemente pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Crianças atendidas após a ingestão de melatonina representaram quase 5% de todos os casos pediátricos em centros de controle de intoxicações daquele país, em 2021. Para se ter uma ideia do aumento, em 2012 essa parcela era de 0,6% dos atendimentos.
Em todo o período estudado, cinco crianças precisaram de ventilação mecânica devido à ingestão de melatonina, e duas delas morreram, segundo os autores do relatório Morbidity and Mortality Weekly Report, do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças).
A médica Karima Lelak, do Hospital Infantil de Michigan, em Detroit (EUA), e sua equipe observaram que houve um aumento importante da ingestão de melatonina por crianças durante a pandemia de Covid. O fato não chegou a surpreender, já que muita gente apelou para suplementos para tentar dormir melhor nesse período.
De 2012 a 2021, foram notificados 260.435 casos pediátricos de ingestão de melatonina, o que representou 2,25% de todas as ingestões pediátricas. Esse número disparou de 8.337, em 2012, para 52.263, em 2021, sendo que o maior acréscimo (+38%) foi registrado de 2019 a 2020.
Quase todos os casos (ou 94%) foram acidentais, ocorreram em casa (99%) e foram gerenciados no próprio local (88%). A maioria envolveu crianças de 5 anos ou menos.
Felizmente, a maioria das crianças e jovens envolvidos (83%) não apresentou sintomas. Entre as que apresentaram, os mais comuns foram sintomas gastrointestinais, cardiovasculares e do sistema nervoso central.
No entanto, 27.795 crianças precisaram ser atendidas em uma unidade de saúde. Enquanto a maioria (72%) recebeu alta, 15% foram internados e 1% necessitou de cuidados intensivos.
A maioria das crianças que foram hospitalizadas era composta de adolescentes que tomaram melatonina de forma intencional. As duas mortes registradas no período, segundo os pesquisadores, foram de crianças de 3 meses e 13 meses – ambas ocorreram em casa e devido ao "mau uso intencional de medicamentos".
Os autores reforçam que os profissionais de saúde devem alertar os pais sobre possíveis consequências tóxicas da exposição à melatonina, além de relatar quaisquer eventos adversos relacionados ao FDA, a agência que regula alimentos e remédios nos EUA, como faz a Anvisa, no Brasil.
Vale destacar que, nos EUA, não é raro encontrar produtos de venda livre voltados com rótulo de “naturais”, ou mesmo voltado para crianças, nas farmácias, e que contêm melatonina. Também há muitos suplementos nutricionais para adultos administrados em forma de balas, e com doses altas do hormônio, o que pode servir de atrativo para os mais jovens.
Muita gente acredita que a melatonina é um suplemento sem maiores efeitos colaterais, assim como um chá de camomila, mas não é bem assim. Ainda que um adulto não sinta grandes diferenças ao consumir o produto, em crianças e adolescentes o efeito pode ser grave (e saiba que a própria camomila tem suas contraindicações....)
Assim, quem tem melatonina em casa precisa deixar a caixa longe do alcance dos filhos. Além disso, é bom explicar para os adolescentes que esses produtos só devem ser consumidos com orientação médica.
Segundo uma pesquisa norte-americana publicada em fevereiro, o uso de melatonina explodiu nos últimos 20 anos, assim como as dosagens ingeridas, o que é observado com preocupação por especialistas.
Apesar de ser uma substância considerada segura e bem tolerada, existem efeitos colaterais possíveis, especialmente quando se usa altas doses. Dor de cabeça, pesadelos, sonolência durante o dia e alterações na glicose podem ocorrer. Além disso, os dados de segurança a longo prazo são escassos, e há gente que utiliza o suplemento toda noite por muitos anos.
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Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY. Twitter: @tatianapronin