Redação Publicado em 20/04/2022, às 12h00
Um estudo brasileiro com participação internacional descobriu que as pessoas sentiram o tempo passar mais devagar no início do isolamento social em decorrência da pandemia da Covid-19; sensação que diminuiu ao longo das semanas seguintes.
O trabalho foi coordenado por uma equipe do centro de ensino e pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein e da Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Paulo, em parceria com colegas de instituições francesas. Os resultados foram publicados semana passada na revista Science Advances.
O objetivo do estudo foi entender como e se o isolamento social influenciou a noção de tempo dos participantes. Para tanto, foram coletados dados, por meio de uma pesquisa on-line divulgada nas redes sociais, de 3.855 brasileiros com idades entre 18 e 86 anos. Em resumo, os entrevistados eram, em sua maioria, da região Sudeste (80,50%); mulheres (74,32%); com alto nível de escolaridade (curso superior, 71,78%); classe média-alta (33,08%); e atuavam nos setores de educação (19,43%) ou saúde (15,36%).
Embora essa amostra não seja representativa da população do país, os pesquisadores não acreditam que esse viés os impediu de abordar as questões da pesquisa. A maioria dos participantes relatou estar isolada socialmente em suas próprias casas por um período de 51 dias ao participar da primeira sessão (90,56%).
Os entrevistados preencheram o primeiro questionário aproximadamente 60 dias após o início do isolamento social no Brasil; e outros por 15 semanas durante o distanciamento social. Antes de responder as perguntas, os participantes tiveram que produzir intervalos de tempo de 1, 3 e 12 segundos sem contar com um relógio – a ideia era ver o quanto se aproximavam do tempo real. Além disso, todos relataram como estavam se sentindo.
Os pesquisadores avaliaram aspectos como "tempo subjetivo" ou "experiência temporal", que envolvem habilidades multidimensionais e interdependentes, tais como: perspectiva de tempo (que é a conceituação de um passado, um presente e um futuro); estimativa de tempo (relacionada à medição do tempo do relógio); e a consciência de tempo (impressão subjetiva do tempo como se movendo rápida ou lentamente).
A conclusão do trabalho é que o distanciamento social teve efeitos substanciais na experiência temporal. Esses foram mais fortemente observados na consciência do tempo dos participantes, mas não em sua capacidade de produzir intervalos temporais sem ajuda do relógio.
Os fatores mais associados à desaceleração do tempo foram a ausência de emoções positivas e a solidão. A sensação de maior pressão do tempo foi modulada pelo equilíbrio entre os níveis de estresse e a reserva de tempo para cuidados pessoais. Em conjunto, essas descobertas confirmam como as emoções e nossa saúde mental são um aspecto crucial de como o tempo é sentido.
De acordo com os resultados, a experiência temporal não é imune a fatores contextuais e individuais e é modulada por diversos fatores, como tédio, impulsividade, ansiedade, rotina e emoções. Não surpreendentemente, foi demonstrado que o tempo subjetivo também é afetado em experimentos baseados em isolamento (por exemplo, pessoas isoladas em bunkers ou cavernas).
Para Raymundo Machado de Azevedo Neto, pesquisador do Einstein que liderou o projeto junto com André Cravo, da UFABC, um aspecto fundamental dos experimentos citados acima é que eles se baseiam na remoção radical de quaisquer marcadores de tempo no ambiente (como relógios e luz solar). O isolamento social decorrente das medidas de contenção da Covid-19, por outro lado, exigia que as pessoas ficassem em suas casas e ainda tivessem acesso a marcadores de tempo. Essa situação peculiar permitiu uma investigação mais sutil dos fatores que contribuem para distorções na estimativa e na percepção do tempo.
Até agora, outros estudos que investigaram esse tema durante a pandemia apontaram um padrão misto de resultados. Três deles, dois realizados na França e um na Itália, mostraram que as pessoas relataram principalmente a sensação de que o tempo estava passando mais devagar do que habitual. Por outro lado, dois estudos no Reino Unido constataram que igual número de participantes relatou que o dia anterior havia passado de forma mais lenta ou mais rápida, sugerindo uma relação mais complexa entre a consciência do tempo e o isolamento social.
Os principais fatores associados à sensação de desaceleração do tempo nesses estudos foram: altos níveis de estresse, tédio e tristeza, baixos níveis de felicidade, depressão, pouca idade e insatisfação com as interações sociais.
Esses estudos, no entanto, tiveram três limitações principais: ter feito uma única pergunta para caracterizar a percepção do tempo em vez de escalas de vários itens; ausência de avaliação de outras dimensões da experiência de tempo, como estimativa de tempo; ter realizado uma única avaliação durante as primeiras semanas do isolamento social em vez de uma avaliação prolongada, longitudinal, no período de isolamento social.
Eles também alertam que a amostra sofreu graves taxas de casos e mortes em decorrência da Covid-19 (no momento da redação do artigo da pesquisa, o Brasil ocupava o segundo lugar mundial em número de mortes relacionadas à pandemia). A situação crítica do país prolongou a necessidade de medidas de isolamento social e um desgaste emocional na população, o que pode ter tido uma influência mais expressiva na forma como as pessoas perceberam o tempo. Como o governo não adotou um bloqueio rigoroso e homogêneo, foi possível explorar como o isolamento social adotado individualmente influenciou a percepção do tempo ao longo desse período.
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