Maus tratos na infância levam a 40% dos transtornos mentais

Políticas para evitar abuso e negligência infantis precisam ser prioridade

Tatiana Pronin Publicado em 08/05/2024, às 15h00

Políticas para evitar o abuso infantil têm o potencial de evitar milhões de casos de transtornos mentais - iStock

Um estudo sobre abuso e negligência infantis na Austrália revelou o impacto chocante que maus tratos podem ter na vida de uma pessoa. Segundo o trabalho, eles podem ser responsáveis por até 40% dos transtornos de saúde mental crônicos.

As condições de saúde mental examinadas foram ansiedade, depressão, uso nocivo de álcool e drogas, automutilação e tentativas de suicídio. O abuso infantil inclui abuso físico, sexual e emocional, além de negligência emocional ou física antes dos 18 anos.

Abuso infantil, depressão e suicídio

Os pesquisadores descobriram que o abuso infantil é responsável por nada menos que 41% das tentativas de suicídio na Austrália, além de 35% dos casos de automutilação e 21% dos registros de depressão.

A análise, publicada no periódico JAMA Psychiatry, é um dos primeiros estudos a fornecer estimativas da proporção de condições de saúde mental na Austrália decorrentes do abuso infantil.

Os pesquisadores disseram que os resultados são um alerta para que o abuso e a negligência infantil sejam tratados como prioridade nacional de saúde pública.

“Os resultados são devastadores e são um chamado urgente para se investir na prevenção - não apenas dando apoio individual às crianças e famílias, mas também em políticas mais amplas para reduzir o estresse vivenciado pelas famílias”, afirmou a médica e pesquisadora Lucinda Grummitt, da Universidade de Sydney, que liderou o estudo.

Evitar o abuso evitaria transtornos aos milhões

“Investimentos para abordar o abuso infantil têm o potencial de evitar milhões de casos de transtornos mentais na Austrália.”

A análise também descobriu que se o abuso infantil fosse erradicado na Austrália, mais de 1,8 milhão de casos de depressão, ansiedade e transtornos por uso de substâncias poderiam ser evitados.

O estudo ainda constatou que a eliminação do abuso infantil na Austrália teria evitado, em 2023, 66.143 anos de vida perdidos e 118.493 anos vividos com deficiência, totalizando 184.636 anos de vida saudável perdidos devido a condições de saúde mental.

Os pesquisadores examinaram dados que incluíam pesquisas nacionais fornecidas pelo Australian Child Maltreatment Study em 2023 (com 8.500 participantes), o Australian National Study of Mental Health and Wellbeing 2020-2022 (15.893 participantes) e o Australian Burden of Disease study 2023.

O estudo utilizou métodos analíticos para investigar a ligação entre abuso infantil e saúde mental, isolando outros fatores de influência, como genética ou ambientes sociais. Isso fornece evidências mais fortes de que o abuso infantil causa algumas condições de saúde mental.

Transtornos de saúde mental são atualmente uma das principais causas de incapacidade globalmente e afetam 13% da população mundial. Na Austrália, o suicídio é a principal causa de morte entre os jovens.

Pesquisas anteriores já tinham demonstrado que mais da metade (53,8%) dos australianos sofreram abuso durante a infância, o que é uma parcela muito preocupante.

Intervenções eficazes

Grummitt acrescentou que existem intervenções eficazes para o problema, como programas para apoiar crianças vítimas de abuso ou programas de educação para pais. Mas, segundo ela, a solução mais sustentável para prevenir o abuso infantil é a prevenção impulsionada por políticas públicas.

Políticas para aliviar o estresse vivenciado pelas famílias, como licença parental remunerada, creches acessíveis, apoio para a busca de empregos, e garantir que os pais tenham acesso a tratamento e apoio para sua própria saúde mental podem fazer uma grande diferença para as crianças.

“Abordar as condições sociais e econômicas que dão origem ao abuso infantil pode desempenhar um grande papel na prevenção de transtornos mentais em nível nacional”, concluiu Grummitt.

Os pesquisadores citam um exemplo nos Estados Unidos onde a introdução de políticas estaduais de licença parental remunerada e acesso oportuno a creches subsidiadas estavam fortemente ligadas à redução das taxas de abuso infantil.

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