Cármen Guaresemin Publicado em 02/02/2022, às 10h00
Já é conhecido na literatura médica que, após a realização de atividades físicas, o organismo responde produzindo mais serotonina e endorfina, neurotransmissores responsáveis pela sensação de bem-estar e, após meses de prática, o corpo ganha massa muscular e perde peso. Agora, recente estudo alemão, publicado na revista Molecular Metabolism, sugere que a prática de exercício físico pode prevenir o desenvolvimento de fígado gorduroso e doenças hepáticas.
Em todo o mundo, uma em cada quatro pessoas sofre de doença hepática não alcoólica (também chamada de doença hepática metabólica ou esteatose hepática). “As pessoas afetadas geralmente têm diabetes tipo 2, bem como um risco aumentado de cirrose hepática e doenças cardiovasculares. Além disso, a doença hepática metabólica está associada ao aumento da mortalidade”, afirma a médica nutróloga Marcella Garcez.
Ela conta que um desequilíbrio entre a ingestão e o consumo de energia leva a depósitos de gordura no fígado. E, com o passar do tempo, isso prejudica a função das mitocôndrias (estruturas celulares produtoras de energia) –, ambos fatores de risco para o desenvolvimento de resistência à insulina e inflamação do fígado. A seguir, Marcella tira algumas dúvidas:
É possível prevenir a doença hepática metabólica?
Para prevenir e tratar essa doença, é recomendada uma mudança no estilo de vida com aumento da prática de atividades físicas. Os cientistas do estudo investigaram até que ponto o exercício regular altera a adaptação do fígado ao aumento da ingestão de energia e qual o papel do músculo esquelético nesse processo. No estudo, os ratos foram alimentados com uma dieta rica em energia. Alguns também receberam treinamento regular em esteira.
E a atividade física tem papel importante?
Sim, o objetivo desse estudo experimental com modelos animais foi justamente demonstrar os impactos metabólicos da atividade física em ratos. Eles foram alimentados com uma dieta hipercalórica para desenvolverem esteatose hepática, depois foram submetidos a exercícios físicos aeróbicos, em esteira, por seis semanas. Em seguida, foram eutanasiados e os pesquisadores examinaram o fígado e os músculos dos animais em busca de alterações em seus organismos, principalmente em relação à composição de gordura e a função mitocondrial. Os resultados mostraram que o treinamento físico regulou importantes enzimas de degradação de glicose e frutose no fígado, bem como melhorou o metabolismo mitocondrial. Dessa forma, a carga de substrato para a respiração mitocondrial e a síntese de lipídios pode ser reduzida. Como consequência, menos gordura é armazenada no fígado – e lipídios específicos são reduzidos.
O estudo apresentou outros benefícios?
Sim, o controle da glicose melhorou nos ratos treinados com exercícios. Os pesquisadores também observaram um aumento da capacidade respiratória dos músculos esqueléticos, o que alivia o estresse metabólico no fígado. Os dados da biologia do sistema oferecem uma visão abrangente da adaptação molecular do fígado e dos músculos a uma dieta de alta energia, treinamento e efeitos combinatórios. Os resultados também mostram que a atividade física realizada com frequência regula muitos alvos ao mesmo tempo, um efeito que não pode ser alcançado com medicamentos.
O que mais o paciente pode mudar para ter mais sucesso no tratamento?
O melhor meio de tratar a doença hepática metabólica é por meio de uma readequação no estilo de vida, o que inclui, além do exercício físico, um bom plano alimentar e descanso. E que mesmo que intervenções na dieta não tenham sido o objetivo desse estudo experimental, outros feitos com animais e humanos demonstraram quais padrões alimentares são indicados para a prevenção e o tratamento complementar da esteatose hepática.
Existe algum tipo de dieta mais indicado?
Um estudo publicado em 2020 comparou vários padrões alimentares e seus impactos na prevenção e tratamento da esteatose hepática. Foi concluído que, apesar das diretrizes atuais recomendarem modificações no estilo de vida, incluindo uma dieta restrita em calorias e perda de peso no tratamento da esteatose, há pouco consenso sobre qual a composição da dieta ou um padrão alimentar que ofereça maior benefício. Desse modo, resumiram a literatura existente sobre várias abordagens dietéticas populares e destacaram a dieta mediterrânea como a que tem maiores evidências de resultados promissores, por isso é recomendada pelas organizações médicas e cientificas para pacientes com a doença hepática não alcoólica. Outras estratégias dietéticas, incluindo abordagens paleolíticas, cetogênicas, ricas em proteínas, à base de plantas, com baixo teor de carboidratos e jejum intermitente, também se demostraram promissoras em impactar beneficamente os resultados hepáticos.
Confira:
Por que a mediterrânea é a preferida?
Ela tem efeitos positivos na saúde muito bem descritos na literatura científica, é a mais frequentemente sugerida para a prevenção e tratamento da esteatose. É composta basicamente de frutas e vegetais frescos, cereais não refinados, grãos, azeite de oliva e nozes, substituindo a carne vermelha por peixe e legumes, e consumo moderado de álcool na forma de vinho tinto. A composição de macronutrientes da dieta mediterrânea inclui 40%-50% da ingestão de energia a partir de carboidratos, principalmente complexos, 10%-20% de proteína, especialmente carnes brancas, e 30%-40% de gordura, principalmente das monoinsaturadas e poli-insaturadas do tipo ômega 3. Os benefícios na sensibilidade à insulina, metabolismo da glicose e redução de peso aumentou substancialmente o interesse por ela, em particular para o tratamento da síndrome metabólica, que geralmente está acompanhada de esteatose hepática.
Você também mencionou que o repouso faz bem...
Quanto ao repouso, ele é condicional para a obtenção dos resultados positivos da prática, pois, durante os exercícios, as fibras musculares são rompidas, o que gera um processo inflamatório que necessita de um tempo de descanso para regeneração. Caso contrário, há um aumento no perfil inflamatório e padrões de estresse oxidativo, que podem ter mais impactos negativos que positivos para o organismo.
E a idade do paciente pode interferir nos resultados?
Segundo a Sociedade Brasileira de Hepatologia, a Doença Hepática Gordurosa Não Alcoólica (DHGNA), incluindo os espectros esteatose, esteatohepatite, cirrose e carcinoma hepatocelular (câncer de fígado), é considerada a mais frequente doença de fígado da atualidade. Estima-se que entre 20% a 30% da população em todo o mundo seja portadora da DHGNA e pode ocorrer em homens e mulheres, em todas as idades, incluindo crianças e adolescentes. Portanto, as orientações de prevenção e tratamento servem para todos igualmente.
E, por ser um estudo feito com animais, não seriam necessárias mais pesquisas para confirmação?
Vários estudos recentes demonstraram os benefícios dos exercícios físicos em humanos com esteatose hepática. Porém, os marcadores foram outros. Isso porque, nos estudos com humanos são feitas análises antropométricas (medida das dimensões físicas de uma pessoa), laboratoriais e de imagens para comprovar os benefícios. Diferente dos modelos animais, nos quais se faz análise de resultado por meio de anatomia patológica.
Fonte: Marcella Garcez é médica nutróloga, mestre em Ciências da Saúde pela Escola de Medicina da PUCPR, diretora da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia), na qual também é docente do Curso Nacional de Nutrologia.
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