Tamanho do pênis é fonte de preocupação para muitos homens, desde muito cedo na vida. E até pais e mães conscientes de que "tamanho não é documento" sabem que seus filhos podem vir a sofrer com esse tipo de pressão. Como o tema é delicado, muita gente recorre à internet atrás de informações, que nem sempre são confiáveis.
Assim como há promessas de produtos e cirurgias para aumento peniano sem comprovação científica com grau de evidência sólido, alguns sites e fóruns na web mencionam um tratamento hormonal capaz de evitar que um jovem fique com um pênis pequeno demais. Mas seria preciso começar antes da puberdade! Com esses dados em mãos, adolescentes podem se ver na posição de cobrar os pais, que, desavisados, teriam deixado passar uma oportunidade preciosa para a autoestima dos garotos. Os pais, por sua vez, ficam ser saber até que ponto levar o jovem ao médico para discutir esse assunto não geraria um trauma desnecessário para o filho.
Para esclarecer todas essas dúvidas, conversamos com o urologista e andrologista Jorge Hallak, professor livre-docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), e com a endocrinologista Elaine Maria Costa, especialista em desenvolvimento sexual humano, professora livre-docente da FMUSP e chefe da Unidade de Endocrinologia do Desenvolvimento do Hospital das Clínicas da FMUSP*.
Que fique bem claro: o tratamento existe, sim, mas apenas para casos confirmados de micropênis, uma condição que só pode ser diagnosticada por um especialista. E, mesmo nessas situações, o uso de hormônio deve ser feito com extremo cuidado, de acordo com os médicos.
“O micropênis no adulto é classificado como o pênis que, em estado ereto, tem 8 cm ou menos”, responde Jorge Hallak. Ele acrescenta que, muitas vezes, essa condição vem acompanhada de outros distúrbios, como hipogonadismo (deficiência da capacidade testicular de produzir hormônios), infertilidade masculina, testículos que não “descem” para o escroto, entre outros. Esse conjunto de sintomas configura uma síndrome chamada de "disgenesia gonadal", que, como adverte o médico, tem um componente genético, mas está se tornado um problema cada vez mais comum no planeta. Os culpados? Poluentes que agem como desreguladores endócrinos, ou seja, interferem na produção hormonal tanto de seres humanos quanto de outros animais e até das plantas.
“É verdade sim; inclusive a Sociedade Brasileira de Endocrinologia tem uma Comissão de Endocrinologia Ambiental, da qual sou presidente, que aponta todos os poluentes que podem interferir no sistema endócrino e eles são em grande número”, afirma Elaine Costa. Essas substâncias, presentes em plásticos e em alguns pesticidas, têm ação antiandrogênica, ou seja, ocupam o receptor de testosterona (hormônio preponderante nos homens) e impedem sua ação, o que pode interferir no crescimento peniano mesmo antes do nascimento. “Existem janelas de suscetibilidade aos desreguladores endócrinos: uma delas é o desenvolvimento intrauterino e a outra é a infância/adolescência”, diz a médica.
Para Hallak, esse é um dos capítulos mais desafiadores da medicina moderna, já que não é fácil mensurar o impacto dos desrreguladores endócrinos na saúde humana. “Isso é falado fora do Brasil há mais de 10 anos, e, aqui, pouco ou nada se fala”, comenta o andrologista, que também é pesquisador em toxicologia reprodutiva e especialista em infertilidade masculina.
Não só a poluição atmosférica e ambiental, mas também as embalagens que usamos para esquentar a comida, beber água mineral...tudo isso funciona, segundo Hallak, como “xenoestrógeno”, ou seja, uma substância química que vem de fora e que atua no organismo como o estrogênio (hormônio que existe em maior quantidade nas mulheres). Inúmeros estudos comprovam que essa interferência externa tem causado problemas de saúde como câncer e infertilidade, tanto em homens quanto mulheres. “Em regiões onde há uso de pesticidas e agrotóxicos é comum haver uma quantidade enorme de pacientes com azoospermia (ausência de espermatozoides). Tudo isso deveria ser estudado, mas há uma grande falta de incentivo à ciência nesse sentido”, opina o urologista.
“É o pênis que está 2,5 desvios-padrão abaixo da medida média padrão para a faixa etária, portanto não existe uma medida única, que vale para todas as crianças, e sim uma medida adequada para cada idade”, informa Elaine. Para isso, existem curvas e tabelas específicas. “Então os pais não devem medir o pênis da criança, porque fatalmente eles errarão nessa medida”, reitera. Se houver alguma suspeita de que há algo errado, é imprescindível levar a criança a um especialista, já que um médico comum pode não ter conhecimento do assunto.
Qual seria esse especialista? Um endocrinologista especializado em desenvolvimento, um andrologista, ou, idealmente, os dois. Para Hallak, é importante ressaltar que um micropênis pode acompanhar outras condições em relação ao testículo, que, no futuro, podem ser determinantes para a saúde e a fertilidade do homem, "como deficiência de crescimento testicular adequado, presença de malformações nos epidídimos e nos ductos deferentes e outros componentes do trato reprodutivo, como as vesículas seminais com hipodesenvolvimento".
A endocrinologista explica que existem dois tratamentos possíveis. Um deles é com o uso de testosterona, que precisa ser bastante cuidadoso: “Seu principal efeito colateral é o fechamento da idade óssea, o que vai atrapalhar a estatura final da criança”, alerta. A segunda opção de tratamento é com a diidrotestosterona, que não causa esse risco, mas que, infelizmente, não está disponível no Brasil e precisa ser importado. Nesse caso, o efeito colateral (também presente com o uso da testosterona) é o aparecimento precoce de pelos pubianos, o que não chega a ser um problema.
Elaine diz que há poucos estudos publicados sobre o tratamento do micropênis na infância, mas ela concorda que o mais adequado seria implementá-lo antes da puberdade: um trabalho feito no Hospital das Clínicas da FMUSP, do qual a endocrinologista fez parte, concluiu que pacientes tratados antes do desenvolvimento puberal apresentaram um tamanho final maior. Mas a médica deixa muito claro que o objetivo do tratamento é fazer a criança sair da classificação de micropênis. “Diferente do que muitos podem pensar, não é um ganho tão significativo, então tratar apenas para esse indivíduo ter um pênis maior? Não, isso não é adequado”, avisa.
Hallak acrescenta que o uso de testosterona é uma faca de dois gumes bem afiados: “Se você usar uma dose um pouquinho mais alta, você pode inibir a entrada do testículo na puberdade (...), por isso é preciso ser muito criterioso na indicação de dose e tempo”, avalia. Vale lembrar que é no testículo que ocorre a produção de testosterona, hormônio que é o grande deflagrador do desenvolvimento puberal. E toda vez que um organismo recebe testosterona de fora, a produção natural pode ser inibida – também é por isso que homens adultos só devem repor o hormônio em casos de deficiência confirmada.
O desenvolvimento puberal normal acontece entre os 9 e os 14 anos de idade; abaixo disso, a puberdade é considerada precoce, e é preciso investigar e tratar. Se não ocorrer aos 14 anos, também é preciso investigar e puberdade tardia. As etapas do desenvolvimento puberal, vale dizer, seguem uma cronologia – os pelos pubianos começam a aparecer, há uma mudança característica nos testículos, o engrossamento da voz etc. Para avaliar se está tudo dentro dos conformes, e se o crescimento peniano está adequado à idade do garoto, só mesmo consultando um especialista. E um aviso a quem tem mais filhos: irmãos podem ter o início da puberdade em idades diferentes, e podem ter pênis com tamanhos diferentes, também.
Somente durante o desenvolvimento puberal. Na vida adulta essa relação não existe: um homem de 1,90 m não necessariamente vai ter um pênis maior que um indivíduo de 1,70 m. E se uma criança tiver problemas de crescimento? “Se uma criança tiver necessidade de tomar hormônio do crescimento porque ela não está crescendo, isso vai afetar o tamanho peniano? Sim”, responde a endocrinologista.
A relação existe, mas apenas na questão da aparência. “A criança obesa tem um pênis embutido e que pode falsamente parecer um micropênis”, explica Elaine. Em outras palavras, a gordura na região do púbis cobre a haste peniana. Os médicos reforçam que, nesse caso, o tratamento é ajudar a criança a perder peso, com atividade física e dieta equilibrada. Até porque a obesidade, além de prejudicial à saúde como um todo, também pode interferir na fertilidade mais tarde.
Por fim, Hallak conta uma história que mostra o quanto a sensibilidade dos pais, ao abordar questões delicadas como essa, é fundamental para proteger a saúde mental e até física dos jovens:
Um paciente de 23 anos chegou ao consultório com um trauma desde a pré-puberdade, porque a mãe dele havia passado anos dizendo que ele tinha pênis pequeno. O que aconteceu? Esse menino não teve namorada, porque tinha vergonha. Ele não queria expor o membro em público, se escondia dos amigos. Então ele engordou, e passou a ter um pênis embutido”, descreve.
Moral da história: quem está na dúvida deve consultar um especialista antes de fazer comentários na frente da criança.
* Jorge Hallak e Elaine Maria Costa ainda trabalham no Androscience - Centro de Ciência e Inovação em Andrologia e Laboratório de Andrologia e de Pesquisa de Alta Complexidade, em São Paulo, e fazem parte do Grupo de Estudo em Saúde do Homem do Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA-USP).
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Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY e é membro da Association of Health Care Journalists. Twitter: @tatianapronin