Redação Publicado em 24/08/2021, às 12h00
Uma análise recente de novos surtos de doenças ocorridos nos últimos 400 anos aponta que a pandemia de Covid-19 pode ser o surto viral mais mortal que o mundo já viu em mais de um século. Porém, estatisticamente, esses eventos extremos não são tão raros quanto podemos pensar. O estudo, publicado esta semana no Proceedings of the National Academy of Sciences, usou um registro recém-montado de surtos anteriores para estimar a intensidade desses eventos e a probabilidade anual de recorrência.
Segundo o estudo, a probabilidade de uma pandemia com impacto semelhante à da Covid-19 é de cerca de 2% em qualquer ano, o que significa que alguém que nasceu no ano 2000 teria cerca de 38% de chances de passar por uma até agora. E essa probabilidade só cresce, o que, dizem os autores, fortalece a necessidade de ajustar as percepções dos riscos de pandemia e as expectativas de se preparar para ela.
A conclusão mais importante é que grandes pandemias como Covid-19 e gripe espanhola são relativamente prováveis”, disse William Pan, professor associado de saúde ambiental global da Universidade Duke, nos Estados Unidos, e um dos coautores do artigo. “Entender que as pandemias não são tão raras deve aumentar a prioridade dos esforços para preveni-las e controlá-las no futuro”, afirmou.
Liderada por Marco Marani, da Universidade de Pádua, na Itália, a pesquisa usou novos métodos estatísticos para medir a escala e a frequência dos surtos de doenças para os quais não houve intervenção médica imediata nos últimos quatro séculos. A análise, que cobriu a fileira de “patógenos assassinos”, incluindo peste, varíola, cólera, tifo e novos vírus influenza, encontrou uma variabilidade considerável na taxa de ocorrência de pandemias no passado. Também identificaram padrões que permitem descrever as probabilidades de eventos em escala semelhante acontecerem novamente.
No caso da pandemia mais mortal da história contemporânea – a gripe espanhola, que matou mais de 30 milhões de pessoas entre 1918 e 1920 – a probabilidade de ocorrer outra de magnitude semelhante variou de 0,3% a 1,9% ao ano durante o período estudado. Visto de outra forma, esses números significam que é estatisticamente provável que uma pandemia de tal escala extrema ocorra nos próximos 400 anos.
Mas os dados também mostram que o risco de surtos intensos está crescendo rapidamente. Com base na taxa crescente em que novos patógenos, como o Sars-CoV-2, se espalharam em populações humanas nos últimos 50 anos, o estudo estima que a probabilidade de novos surtos de doenças provavelmente triplicará nas próximas décadas.
Usando esse fator de risco aumentado, os pesquisadores estimam que uma pandemia semelhante em escala à da Covid-19 é provável dentro de um período de 59 anos, um resultado que eles definem como “muito mais baixo do que intuitivamente esperado”. Embora não incluída no artigo, também calcularam a probabilidade de uma pandemia capaz de eliminar toda a vida humana, encontrando-a estatisticamente provável nos próximos 12.000 anos.
Isso não quer dizer que possamos contar com um adiamento de 59 anos de uma pandemia semelhante à atual, nem que estejamos livres de uma calamidade na escala da gripe espanhola por mais 300 anos. Esses eventos são igualmente prováveis em qualquer ano durante o período, alertam os pesquisadores. Eles exemplificam: quando ocorre uma enchente semelhante à uma de 100 anos atrás, hoje, pode-se presumir erroneamente, que podemos esperar mais 100 anos antes de experimentar outra semelhante. Essa impressão é falsa. Pode-se ter outra inundação semelhante no próximo ano.
Como cientista de saúde ambiental, Pan pode especular sobre as razões pelas quais os surtos estão se tornando mais frequentes, observando que o crescimento populacional, mudanças nos sistemas alimentares, degradação ambiental e contato mais frequente entre humanos e animais que abrigam doenças podem ser fatores significativos. Ele enfatiza que a análise estatística buscou apenas caracterizar os riscos, não explicar o que os está impulsionando.
Mas, ao mesmo tempo, ele espera que o estudo desencadeie uma exploração mais profunda dos fatores que podem estar tornando pandemias devastadoras mais prováveis – e como combatê-las. “Isso aponta para a importância de uma resposta precoce aos surtos de doenças e da capacitação para a vigilância da pandemia em escala local e global, bem como para definir uma agenda de pesquisa para entender por que grandes surtos estão se tornando mais comuns”, finaliza Pan.
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