Técnicas mais procuradas são: rinoplastia, aumento ou redução das mamas e a otoplastia – correção da orelha em abano
Cármen Guaresemin Publicado em 23/03/2022, às 10h00
Os procedimentos de cirurgia plástica vêm aumentando ano a ano, estatísticas da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) mostram que os brasileiros já ultrapassaram os norte-americanos, que têm praticamente o dobro da população. Também segundo a SBCP, houve um aumento de 141% no número de cirurgias plásticas entre adolescentes de 13 a 18 anos nos últimos anos. Em 2015, por exemplo, 90 mil jovens passaram por algum procedimento. As técnicas mais procuradas são: rinoplastia, aumento ou redução das mamas e a otoplastia – correção da orelha em abano.
Nesta entrevista, Marcelo Sampaio, especialista em cirurgia geral e cirurgia plástica pelo Hospital das Clínicas, conta um pouco de sua experiência atendendo adolescentes.
A maioria dos jovens que procura a clínica é de meninas ou meninos?
Com acesso à informação, com as mídias sociais e influencers digitais, certamente aumentou o número de jovens com menos de 18 anos, tanto homens quanto mulheres, que procuram atendimento no consultório de cirurgia plástica. Para as meninas, a maior demanda é pela cirurgia de mama, tanto o aumento quanto a redução. Já para os meninos é a ginecomastia, distúrbio masculino mais frequente na puberdade, caracterizado pelo aumento das mamas. E, para ambos, a orelha proeminente, chamada vulgarmente de orelha em abano.
Qual a técnica mais procurada pelas garotas?
Em relação às jovens com menos de 18 anos, muitas procuram pelo aumento mamário. Existe um estudo publicado nos Estados Unidos, em 2013, apontando que, dos 320 mil aumentos mamários realizados em 2011, 4.830 procedimentos (1,5%) foram realizados em jovens com menos de 18 anos. O grande dilema dessa cirurgia é estabelecer o momento ideal relacionado tanto à maturidade física quanto psicológica. Tipicamente as mamas começam a se desenvolver por volta dos 11 anos, podendo variar dos oito aos 13 anos. E, para a maior parte das meninas, aos 15 anos o tamanho da mama está estabelecido. No entanto, pode haver variações dos 11 aos 18 anos.
Então, para estabelecer o momento ideal, é importante saber quando foi a primeira menstruação; até quando a jovem cresceu e quando que ela parou de crescer. Estabelecemos que, após pelo menos um ano sem crescimento na estatura, a jovem está com o desenvolvimento pleno. A partir daí, analisa-se se ela tem uma maturidade psíquica para fazer aquela cirurgia. E se realmente tem uma necessidade física. Às vezes, existe o exagero. Meninas jovens com mamas de tamanho normal querem aumentar porque alguma artista de televisão ou influencer digital colocou e elogiou, achou que ficou ótimo.
Portanto, a consciência do médico cirurgião plástico que avalia essa paciente é fundamental. Por outro lado, existem jovens que praticamente não têm mama, apenas o broto mamário. E essa situação é muito difícil de aceitar. Porque, na verdade, uma das coisas que vai diferenciar a menina do menino é o desenvolvimento da mama. Se ela não tem nada, há uma série de questões individuais que a limitam no seu cotidiano. Por exemplo, nem toda roupa ela quer usar. Muitas vezes não quer ir à praia porque o biquíni denuncia que praticamente não existe mama. Então, há a necessidade de individualizar não só o desenvolvimento físico, a maturidade e a circunstância, mas qual o grau de hipoplasia mamária (mamas pequenas) que essa jovem tem.
Uma outra situação para essas jovens são as mamas assimétricas. Mamas com volumes absolutamente idênticos raramente existem, mas, dependendo dessa assimetria, da diferença de tamanho, um procedimento com inclusão de silicone passa a ser até uma cirurgia reparadora. Evidentemente, existe uma tendência a ter um apoio maior porque não se trata apenas de um procedimento estético. Essas pacientes ainda sofrem mais com a qualidade de vida porque, em algumas circunstâncias, uma mama pode ter duas ou até três vezes o tamanho da oposta.
Com alguma frequência, as mamas se desenvolvem de forma muito exagerada, ficando muito grandes, causando um desconforto que eu acredito ser até maior para elas do que para as pacientes que têm pouca mama. O volume mamário exagerado provoca uma série de mudanças na vida da adolescente. Primeiro em relação à postura. Normalmente elas andam com os ombros para frente, encurvadas, para esconder as mamas. Usam habitualmente roupas escuras e largas para disfarçar e raramente querem ir à praia. Isso impacta de uma forma muito forte a qualidade de vida dessas meninas.
Em 2019, um grupo da Universidade Harvard fez uma análise casuística envolvendo 512 adolescentes que foram operadas entre 12 e 21 anos de idade. O estudo mostrou que, mesmo elas sendo muito jovens quando tiveram as mamas reduzidas por apresentarem hipertrofia mamária, apresentaram uma melhora substancial na qualidade de vida. O estudo concluiu que, mesmo para jovens adolescentes que têm mamas hipertróficas (muito grandes), a cirurgia apresenta um importante papel psicossocial e impacto na qualidade de vida.
E pelos meninos?
Para os garotos, ter o broto mamário, ou seja, ter mama é muito desagradável. Principalmente quando esse volume marca a roupa. Isso limita as atividades físicas. Essa é uma queixa frequente dos jovens adultos entre 17 e 18 anos, que possuem acúmulo de tecido na região mamária. Essa patologia chama-se ginecomastia e o tratamento envolve a remoção da glândula mamária e, muitas vezes, uma lipoaspiração na região.
A orelha em abano é comum para ambos?
Sim, a orelha proeminente, conhecida como orelha em abano, é uma queixa de ambos os sexos. Normalmente, quando a criança realmente se sente incomodada, ela pede para os pais conversarem com um cirurgião plástico. Essa é uma situação em que a família tem que dar um suporte muito grande. Nunca a família deve sugerir que a criança faça algum procedimento. Essa demanda deve partir do próprio paciente. Quando elas se sentem incomodadas, abordam os pais buscando uma solução para essa situação. Habitualmente, a orelha pode ser operada a partir dos nove anos de idade.
A cirurgia é sempre necessária ou em alguns casos, não?
Existem casos em que ela é absolutamente necessária e, em outros, um exagero. Eu diria que, de cada dez adolescentes que eu examino, eu contraindico a cirurgia para sete. Apenas a cada três casos eu realmente vejo a necessidade de se fazer determinado procedimento estético, porque a deformidade se apresenta de uma forma bastante evidente, causando impacto.
Quando isso ocorre, o senhor consegue dissuadir a pessoa? Se for sim, o que aconselha?
Sempre conseguimos uma forma de dissuadir o jovem. Principalmente argumentando que ainda existe a necessidade de aguardar um pouco mais porque é possível que aquela deformidade, ou aquela alteração, daquele momento, vai mudar quando a pessoa começar a adquirir as características sexuais secundárias.
Os pacientes comentam por que querem a cirurgia? Autoestima? Bullying?
Eu acredito que hoje o principal problema e a razão pela qual os jovens procuram o cirurgião plástico é porque eles não estão bem com eles mesmos. Evidentemente, em casos extremos, existe a questão do bullying. Mas, quando esses jovens se sentem diferentes fisicamente dos seus pares, normalmente eles têm uma postura mais recatada, mais tímida, mais introspectiva. Eu diria que a principal razão da busca por uma alternativa cirúrgica parte dele mesmo e do desconforto que aquela alteração está causando física e mentalmente, e na qualidade de vida.
Eu diria que o bullying, graças às campanhas e a mídia salientando que essa prática é crime, tem sido cada vez menos importante. Acredito que o bullying ainda exista nas escolas e entre os jovens. Mas eu quero crer que cada vez de forma menos intensa. Mas o jovem que tem alguma conformação corporal fora do padrão dos demais, sempre tem um comportamento mais retraído, mais tímido, mais isolado e busca a proteção em grupos que ele pode confiar. Ou seja, essas alterações, como, por exemplo, uma mama enorme, ausência da mama, ginecomastia, orelha em abano, faz com que o jovem tenha um comportamento evidentemente mais retraído.
Percebe alguma diferença pós-cirurgia na personalidade do paciente?
A impressão que eu tenho é que a pessoa muda o comportamento, começando pela postura, em uma atitude corporal. Muda também a atitude em relação às roupas, começam a usar decotes, por exemplo. Existe uma diferença no comportamento relacionado às atividades. Alguns começam a frequentar clube e praia, iniciam atividades físicas, praticam esportes, como futebol e voleibol. Você percebe uma diferença de comportamento em todas as esferas, inclusive do ponto de vista social. A pessoa torna-se mais extrovertida, começa a sair, a se aproximar dos amigos. A impressão que tenho é que uma cirurgia bem indicada traz a felicidade que é peculiar da juventude e, às vezes, acaba com traumas físicos que os impediam de se expor.
E os pais? Concordam ou vão à clínica contra a vontade?
Eu vejo um comportamento, na maior parte das vezes, de extrema solidariedade. O que às vezes eu percebo é que o jovem que tem essas alterações, por ser um pouco mais tímido, ele evita comentar com o pai ou com a mãe. É impressionante que tenha um comportamento reservado até no âmbito familiar. Mas, quando os jovens conversam com os pais, que percebem claramente que não existe um exagero, que aquilo está afetando a qualidade de vida dos filhos, eles habitualmente apoiam. Na consulta de pacientes com menos de 14 anos, quase sempre estão presentes o pai e a mãe, com uma postura de solidariedade, de querer resolver a situação do filho ou da filha.
Pode falar um pouco como os jovens que não têm condições financeiras lidam com esse assunto?
Infelizmente, o Sistema Único de Saúde não entende que certas condições podem impactar a qualidade de vida desses adolescentes. E é sempre mais problemático para os jovens que não têm condição financeira para arcar com essas cirurgias, mesmo apresentem uma conformação diferente da maioria. Eu sugeriria que os órgãos públicos, Secretaria de Saúde, Ministério da Saúde, começassem a pensar nessas situações e permitissem que fossem criados ambulatórios de atendimento a esses jovens que não têm condições de arcar financeiramente com os custos de um procedimento cirúrgico como esses que citamos.
Fonte: Marcelo Sampaio é especialista em Cirurgia Geral e Cirurgia Plástica pelo Hospital das Clínicas (USP), com mestrado em Ciências Médicas (USP). Faz parte do corpo clínico do Hospital Sírio-Libanês. É membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e correspondente internacional da American Society of Plastic Surgeons.
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