Leo Fávaro* Publicado em 25/05/2021, às 10h00
Os relacionamentos familiares não são tão felizes quanto um comercial de margarina. Conflitos e desentendimentos familiares são comuns em todas as famílias, entretanto, isso pode ser prejudicial quando se torna frequente e não gera mudanças. É importante dar atenção a esses conflitos, uma vez que eles podem se refletir no comportamento social, no desempenho escolar e profissional, na saúde mental e, como já publicamos aqui, até na relação com o consumo de drogas. Mas o que fazer quando o relacionamento entre mãe e filho não é saudável?
Inicialmente, é preciso compreender que nem todas as atitudes da mãe, como não deixar que o filho saia com certas pessoas ou cobrar dele certos comportamentos, são necessariamente um sinal de que a relação entre eles é tóxica - desde que isso seja feito de forma respeitosa. “Uma relação não é saudável quando o vínculo é construído na base do medo, da imposição ou da agressão”, explica a psicóloga e especialista em neurociências Sthéfany Alvarenga.
Sthéfany deixa claro que não existe maternidade perfeita e que também é normal a mãe se exaltar com os filhos. Contudo, é necessário avaliar em quais contextos e com que frequência isso ocorre. “A partir do momento em que diariamente, ou muito frequentemente, há exaltação, desrespeito, imposição de medo ou de tortura psicológica, a relação não é saudável. Além disso, é importante dar atenção especial às agressões físicas e verbais”, alerta.
Nessas condições, a mãe, em geral, tem uma personalidade mais dominadora ou manipuladora, muitas vezes recorrendo à vitimização e a questões emocionais para estabelecer um vínculo com o filho – e nem sempre ela enxerga isso como uma relação tóxica ou reconhece haver um problema. Ela pode ou não revelar traços depressivos ou de transtorno de personalidade, assim como pode ou não evidenciar traumas e inseguranças.
O filho, por sua vez, pode manifestar alguns sinais que evidenciam que algo está errado. Ansiedade, depressão e apatia são algumas delas, mas outras manifestações podem ocorrer de modo diverso, dependendo da pessoa e de sua personalidade. Uns ficam mais irritados, enquanto expressam uma passividade na aceitação daquelas condições; há também aqueles que se enchem de um impulso mais rebelde e contestador, ao passo que outros evidenciam uma dependência emocional e de aprovação da mãe em relação às decisões e atitudes. Dificuldades de socialização, problemas com autoestima e desejos ou episódios de fuga de casa também são comuns nesses casos.
A percepção de que a relação entre mãe e filho é tóxica geralmente é notada pelo filho na vida adulta, quando a maturidade é suficientemente maior para diferenciar a forma de a mãe manifestar seu cuidado daquilo que é excessivo. Se ela é percebida mais tardiamente, o que se vê são consequências daquela relação, que já acabou, mas deixou algumas marcas.
Entretanto, dependendo de como a relação se estabelece, a partir do início da juventude já é possível notar os traços de uma relação maternal tóxica, e isso pode se manifestar pela divergência de opiniões sobre algumas escolhas, quando a mãe deixa de dar conselhos e passa a impor.
“Quando o filho vem para cumprir as expectativas da mãe já é preciso ficar atento. Exemplo disso é quando a mãe quer que o filho faça uma faculdade que ela gostaria de ter feito ou seja um profissional que ela não teve oportunidade de ser ou mesmo que ela é. E mais: quando ela tem um filho para ela se realizar, para ele ter aquilo que ela não teve”, explica a especialista. A mãe deve ser uma figura orientadora, e não um sinônimo de tirania ou temor.
Os fatores que podem desencadear a relação conflituosa entre mãe e filho são diversos e podem incluir condições que sequer dependem do filho, como gestação não planejada ou não desejada, e depressão pós-parto. Nesses casos, os sentimentos da mãe nessas experiências são passados para o filho de alguma forma e se perpetuam ao longo de seu desenvolvimento.
Sthéfany também destaca que as diferenças geracionais podem estabelecer uma relação tóxica entre mãe e filho. “O que era certo e aceitável quando aquela mãe era criança, especialmente para mães tiveram os filhos em idade mais avançada, pode não ser para o momento atual de seus filhos. Também lidamos com uma geração, hoje, para a qual o respeito deve ser conquistado, e não como uma obrigação pelo vínculo familiar. Então, é necessário ter pulso e sensibilidade para assimilar essas questões, que são naturais.”
O relacionamento entre os pais também pode refletir na relação entre eles e os filhos. Exemplo disso foi relatado pela ex-BBB Ana Angélica, conhecida como Morango, em seu blog no Universa, do UOL. Em seu relato, Morango conta como as agressões físicas e psicológicas fizeram com que ela, aos 16 anos, cortasse relações com sua mãe.
“Apanhei da minha mãe até os 16, quando finalmente decidi morar com a minha avó paterna, Felicidade, que sempre me amou, me acolheu e me educou sem nunca levantar a voz ou o chinelo”, publicou Morango. Mais adiante, ela completa: “Aos 23 eu não dei à luz uma criança, mas renasci ao cortar completamente o contato com minha mãe — o que não foi difícil, porque na verdade nunca fomos próximas. Entendi que minha ligação com ela nunca foi por amor, mas medo. Precisei me libertar do vínculo e da culpa por não tê-lo”. Mas será que cortar os laços com a mãe é uma forma de resolver esse problema?
Uma vez percebendo que a relação entre mãe e filho não é saudável, é fundamental que as duas partes tomem consciência disso e conversem para tentar resolver a situação de forma respeitosa e madura. A partir daí, surgem outras duas possibilidades, afirma Sthéfany Alvarenga, que também é mestranda em psicologia: conciliar ou romper. “A conciliação é o caminho ideal, mas romper relações não é necessariamente uma opção absurda, pois de certa forma se faz isso quando se sai de casa. Por mais que se volte para casa ou que se faça uma ligação, houve o rompimento. O que há são motivos socialmente aceitáveis ou não.”
Ela elucida que romper porque o filho foi casar, morar fora ou trabalhar, dentre outros, são algumas condições consideradas socialmente aceitáveis, mas se tratam efetivamente de rupturas, já que a mãe deixa de ter aquela pessoa como fonte de controle, muitas vezes até como fonte de renda. Motivos socialmente “inaceitáveis”, por sua vez, podem ocorrer nessas relações nas quais a convivência ou o relacionamento entre os dois não faz bem. “Romper com os pais não é incomum, mas também não é algo transparente ou sobre o que se fala abertamente. Inclusive é muito importante tratar mais abertamente sobre esse tema”, completa.
Tomar consciência da toxicidade da relação é o primeiro passo para melhorar as coisas. O acompanhamento com profissionais, como psicólogos e psiquiatras, é uma ferramenta muito importante para auxiliar ambas as partes a lidarem com a situação.
Enquanto adulto, é preciso estabelecer um resgate dessa relação ao primeiro sinal de que há elementos que a atrapalhem, o que pode significar abrir mão de um “controle” sobre o filho, deixar de dar certas opiniões e permitir que ele faça suas próprias escolhas com responsabilidade. Depois disso, há que se estabelecer uma relação de confiança e respeitar o espaço do outro.
Para os filhos, é importante explicar à mãe como se sentem com determinadas atitudes ou opiniões, deixando claro que diferenças entre os pontos de vista não significam que há menos amor ou carinho. Além disso, também é fundamental criar limites em relação àquilo que a mãe pode ou não interferir e deixar isso claro, além de compreender que as diferenças geracionais e seus papéis sociais fazem com que ambos tenham percepções diferentes da vida. A compreensão e o respeito, por fim, são primordiais para que qualquer relação seja saudável.
“Os filhos precisam ter mães felizes e se elas não o forem, precisam se fazer felizes para, então, fazerem os filhos felizes”, afirma a psicóloga. Além disso, Sthéfany destaca a relevância de desconstruir o ideal de maternidade perfeita para que as relações melhorem socialmente. “Não existe maternidade perfeita, na qual toda mãe consegue amamentar ou ter parto normal, e isso precisa ser discutido mais amplamente", opina.
"Filho não é para todo mundo; é para aqueles que querem abdicar de algum tempo de sua vida, de sua carreira, de seu dinheiro, para se dedicar à criação de uma nova pessoa. Isso é muito difícil e é necessário falar disso abertamente”, finaliza a psicóloga.
*Leo Fávaro é acadêmico de Medicina da Universidade Federal do Espírito Santo
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