Jairo Bouer Publicado em 11/08/2020, às 13h31
Atire a primeira pedra quem não mediu sua temperatura nos últimos meses, nem sentiu o coração bater mais forte ao menor sintoma de tosse ou resfriado? Totalmente compreensível, né? Estamos no auge de uma pandemia sem precedentes, que já matou mais de 700 mil pessoas, e o Brasil é o país mais afetado nesse momento, com mais de 1.000 mortes diárias desde o fim de maio. Mas como saber se a encanação com a doença passou do ponto e virou um sintoma de ansiedade ou de hipocondria?
Como acontece com quase todos os transtornos mentais, o que determina o limite entre normal e patológico é a intensidade, a frequência e o prejuízo que determinado sintoma causa à pessoa. Por exemplo: não tem nada de errado em recorrer ao termômetro ao se sentir quente e indisposto numa época como a atual. Pelo contrário, essa é a atitude certa.
Mas se o indivíduo checa a temperatura várias vezes ao dia, não consegue desligar a cabeça dessa preocupação, e já foi ao médico algumas vezes por desconfiar que o termômetro estava errado, aí podemos pensar num transtorno. Até porque, neste caso, a obsessão não só traz sofrimento e impede a pessoa de realizar suas atividades rotineiras, mas também a coloca em risco (ir ao hospital sem necessidade, neste momento, é tudo o que a gente não quer).
A preocupação excessiva com a ideia de ter uma enfermidade grave é entendida como doença há muito tempo. No século 17, foi tema da famosa comédia “O Doente Imaginário”, de Molière. Quase todo mundo já fez alguma ironia com o tema, e os médicos preferem usar, hoje, o termo “ansiedade de doença”, já que “hipocondria” se tornou pejorativo.
Apesar de ser associada à ansiedade, a “mania de doença” é classificada como um transtorno psicossomático (ou somatoforme), já que envolve sintomas físicos gerados ou amplificados por um quadro psíquico. Um problema corriqueiro, como uma dor muscular, pode ser encarado como um sinal de câncer, ainda mais se a pessoa tiver lido ou conhecido alguém que teve um tumor diagnosticado depois de sentir incômodos naquela parte do corpo.
A possibilidade de buscar informações sobre sintomas e doenças na internet agravou tanto essa tendência, que hoje muitos especialistas utilizam o termo “cibercondria”, ou “hipocondria digital”. Agora junte a mania de ir “fuçar” no Dr. Google à menor sensação de que algo não vai bem ao fato de estarmos diante de um vírus ainda pouco conhecido. O Sars-cov-2 pode gerar de um simples resfriado a uma pneumonia grave, em muitos casos mortal. Algumas pessoas têm febre, outras não. Algumas não têm qualquer sintoma, enquanto outras morreram. É difícil não ficar ansioso, concorda?
Uma pesquisa da Universidade de Bath, no Reino Unido, mostra que 15% de um total de 842 britânicos entrevistados em abril apresentavam critérios para o dignóstico de “ansiedade de doença” por causa da pandemia. A maioria dos participantes era do sexo feminino, tinha em torno de 38 anos de idade e alguma doença pré-existente.
Um outro estudo feito na Alemanha, em março, confirmou que indivíduos propensos à hipocondria estavam sofrendo mais com o medo de pegar Covid-19, o que não é nenhuma surpresa. Mas os pesquisadores, da Universidade de Mainz, perceberam que o problema era menos comum entre as pessoas que já costumam adotar estratégias de regulação emocional, como colocar as coisas em perspectiva, depois de se informar corretamente sobre os fatos.
Ainda que você ache que algumas pessoas não tenham motivos suficientes para se preocupar, é importante que o sofrimento dos ansiosos seja levado a sério. Eles não fingem os sintomas que têm, e não arriscariam sua integridade para ir ao médico se não acreditassem que estão doentes. A boa notícia é que algumas terapias, como a cognitivo-comportamental (TCC), são comprovadamente eficazes para controlar o transtorno, e podem ser feitas online. Ter acesso a um médico de confiança, controlar o tempo na internet e buscar informações de saúde apenas em sites oficiais ou com boa reputação também ajuda.
*Texto extraído da Coluna do Jairo Bouer no UOL