Empresas devem construir uma cultura de respeito e segurança e avaliar os líderes quanto à sua conformidade com esses valores
Cármen Guaresemin Publicado em 22/11/2023, às 10h00
Para uma parcela considerável de pessoas, o trabalho é desmoralizante, assustador e até traumático. Nos Estados Unidos, por exemplo, uma pesquisa de força de trabalho feita este ano pela APA (Associação Americana de Psicologia), mostrou que 19% dos entrevistados rotularam seu local de trabalho como tóxico. Mais de um em cada cinco entrevistados (22%) disse que o local de trabalho prejudicou a saúde mental.
“Local de trabalho tóxico” é um termo abstrato para descrever brigas internas, intimidação e outras afrontas que prejudicam a produtividade. Para a professora e psicóloga organizacional da Universidade da Flórida Central, nos Estados Unidos, Mindy Shoss, a palavra que pode resumir o que os trabalhadores sentem é medo. Isso porque locais de trabalho tóxicos drenam toda a energia e entusiasmo dos funcionários e os substituem pelo medo. O estresse crônico causado pelo abuso no local de trabalho pode levar à depressão, doenças cardíacas, câncer e outras doenças.
Locais de trabalho tóxicos podem envolver ofensas éticas e legais, como assédio sexual, discriminação e retaliação de denunciantes. Em outros casos, a toxicidade envolve intimidação ou cargas de trabalho excessivas. O resultado – em qualquer contexto – é um elevado absentismo, baixa produtividade e uma rotatividade crescente.
Um estudo de 2022 publicado na revista e editora multiplataforma MIT Sloan Management Review citou culturas de trabalho tóxicas como o principal fator de desgaste dos funcionários – bem acima da insegurança no trabalho ou da falta de reconhecimento pelo desempenho. O relatório disse que os principais contribuintes para culturas de trabalho tóxicas incluem: falha na promoção da equidade, diversidade e inclusão, trabalhadores se sentindo desrespeitados e comportamento antiético.
As pessoas que acreditam que estão sendo maltratadas no trabalho podem procurar opções corretivas no manual do funcionário, no sindicato ou por meio de um advogado, aconselham os psicólogos. Também devem considerar se o departamento de recursos humanos de sua organização leva a sério as reclamações dos funcionários. Em muitos casos, procurar um novo emprego pode ser o melhor recurso. Os empregadores devem investigar reclamações e preocupações sobre condições de trabalho tóxicas assim que surgirem. Além de procurar e eliminar a discriminação ou o assédio sexual para evitar a exposição legal e estabelecer políticas e procedimentos para lidar com o bullying.
Psicólogos incentivam auditorias de bem-estar no local de trabalho para avaliar se os funcionários se sentem apoiados, encorajados e tratados de forma justa; e alertam que as organizações devem construir uma cultura de respeito e segurança e avaliar os líderes quanto à sua conformidade com esses valores.
Outra sugestão é o treinamento de líderes para construir locais de trabalho saudáveis. Algumas empresas nos EUA têm desenvolvido e avaliado vários treinamentos interativos de uma hora online que ensinam aos supervisores como identificar, ajudar e apoiar funcionários que correm risco de diminuição da saúde, segurança e bem-estar. Os treinamentos aumentaram a satisfação dos funcionários no trabalho, reduziram o número de pessoas que planejavam pedir demissão e aumentaram o bem-estar pessoal, de acordo com um artigo de 2021 no Journal of Occupational Health Psychology.
O surgeon general dos Estados Unidos é a autoridade máxima de saúde daquele país, ou seja, o principal porta-voz em questões de saúde pública no governo federal e sua estrutura fornece um guia sólido para os empregadores que desejam promover um ambiente de trabalho saudável. As recomendações dadas por ele para tratar o problema são:
-Minimizar os riscos físicos, a discriminação, o bullying e o assédio.
-Reduzir as longas horas de trabalho, as cargas de trabalho excessivas e as deficiências de recursos que prejudicam a capacidade dos funcionários de atender às demandas do trabalho.
-Normalizar os cuidados de saúde mental como um recurso para os funcionários.
-Operacionalizar políticas para abordar o racismo estrutural, a capacitação e o preconceito implícito.
-Envolver os funcionários nas metas organizacionais e nas declarações de missão para promover o entusiasmo e o comprometimento.
Um estudo realizado com gestores e profissionais de recursos humanos de 767 empresas brasileiras constatou que a saúde mental do brasileiro no ambiente do trabalho não está em seu melhor momento. Das 1.589 pessoas que responderam perguntas elaboradas pela startup Conexa, um ecossistema digital de saúde, 87% afirmaram ter ocorrido afastamento em sua corporação por causa de doenças que afetam a mente do colaborador. Isso somente em 2023.
O estudo aponta que houve crescimento nos primeiros sete meses deste ano comparados com os de 2022 nos seguintes diagnósticos:
TDAH: 35%;
Esgotamento: 30% (que na nova classificação internacional de doenças é reconhecido como burnout);
Ansiedade: 24%.
Por outro lado, estresse e depressão diminuíram:
Estresse: -90%
Pânico: -36%
Depressão: -25%
Boa parte dos casos acontece quando um líder tem um comportamento tóxico dentro da empresa. Segundo a advogada Adriana Belintani, especialista em saúde mental, os sinais são claros, mas nem sempre o colaborador percebe e só se dá conta dos abusos depois de ficar doente.
Ela exemplifica falando que se trata daquele líder que chega fazendo pressão, que manda mensagens cobrando atividades de trabalho inclusive nos finais de semana e alguns que chegam a proibir o funcionário de ir ao banheiro. Ela lembra que estamos em um mundo conectado no digital e, com isso, as pessoas estão deixando de lado as relações interpessoais, que são muito importantes.
“Quando você não tem apoio do seu chefe ou ele te humilha, o estresse do dia a dia vai ficando cada vez mais difícil de aguentar e a pessoa adoece, até porque não é só o trabalho. Se esse funcionário está com um problema em casa, isso se agrava com um ambiente de trabalho ruim”, reforça Adriana.
Depois de identificar que está sofrendo abuso por parte de um superior, a orientação da advogada é que esse trabalhador acumule provas para conseguir ganhar a causa na Justiça. E-mails, mensagens, prontuários de psicólogos e psiquiatras e, principalmente, o testemunho de outros funcionários, podem ajudar muito o trabalhador que entra com uma ação contra a empresa.
A especialista explica ainda que saúde mental não se trata de benefício e, sim, a cultura de uma empresa. “Um chefe assediador e abusivo normalmente é tratado da mesma maneira por um superior e a corrente abusiva segue”, afirma.
Adriana tem experiência de mais de 20 anos no atendimento à pessoas que têm a saúde mental afetada por conta de um ambiente de trabalho tóxico. Depois de suportar situações de humilhação, anos a fio, trabalhadores procuram a advogada pedindo uma reparação financeira devido aos abusos sofridos nos locais de trabalho.
Além disso, a especialista faz circuito de palestras nas empresas para evitar que certas situações cheguem em um ponto em que as corporações precisem enfrentar várias ações trabalhistas por assédio moral, por exemplo. Nessas palestras ela deixa bem claro o que os líderes podem ou não falar ou como devem se comportar para evitar futuras ações contra a empresa.
“Uma empresa tem que dar o exemplo, promovendo ações para proteger a saúde mental desses trabalhadores, falando sobre o tema e até abrindo um canal de denúncias para que as pessoas possam relatar o que está acontecendo”, finaliza.
Fontes: Adriana Belintani é advogada especialista em saúde mental com mais de 20 anos de atuação nas áreas trabalhista e previdenciária / Associação Americana de Psicologia
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