Um vídeo do Porta dos Fundos com o ator Antônio Fagundes falando sobre o exame para detectar o câncer de próstata, viralizou esta semana. Com metáforas bem-humoradas e linguagem explícita, o esquete traz dados oficiais sobre a doença, que é o segundo tipo de tumor mais comum nos homens (após o câncer de pele não melanoma) e o segundo tipo de câncer que mais causa mortes nessa população (após os tumores de pulmão).
Pedimos para a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) comentar o vídeo, que teve enorme repercussão e também levantou discussões na internet sobre o rastreamento desse câncer. A entidade, bem como muitos oncologistas, defendem que o toque retal, sempre em conjunto com a dosagem de PSA (antígeno prostático específico, medido por exame de sangue), seja feito em homens assintomáticos, a fim de se detectar tumores em estágios iniciais, o que permite taxas de cura acima de 90%.
“Embora achemos interessante toda a iniciativa que venha a trabalhar em prol dessa causa, também é sempre bom lembrar que essa abordagem pode ter efeitos secundários indesejados, como a relativização do problema e, até o receio de os homens serem alvos de novas brincadeiras e se constrangerem de procurar um urologista”, diz Karin Anzolch, urologista e diretora de comunicação da SBU.
Na entrevista a seguir, a especialista explica por que o rastreamento é importante para garantir a detecção precoce, apesar de o Ministério da Saúde ter reforçado, no mês passado, que os exames só devem ser feitos diante de sintomas. Segundo a pasta, fazer exames em assintomáticos leva ao aumento do diagnóstico e tratamento de tumores que não ameaçariam a vida do homem – uma polêmica antiga entre os médicos.
Qual sua opinião sobre o vídeo do Porta dos Fundos, com o ator Antônio Fagundes? Acredita que ele pode ser útil para incentivar os homens a falarem do tema com os outros, e também com os seus médicos?
Existem várias estratégias para incentivar as pessoas a lidarem com situações adversas. O humor seria uma delas, podendo diminuir a ansiedade e a estranheza sobre um determinado problema e trazer mais leveza a um assunto sério e difícil de se encarar como é o câncer. Nesse caso, talvez funcione para uma parcela dos homens, sobretudo, levando em consideração a última pesquisa da Sociedade Brasileira de Urologia de que o câncer (58%) é o principal medo que a população masculina tem entre as doenças urológicas.
Mas, embora achemos interessante toda a iniciativa que venha a trabalhar em prol dessa causa, também é sempre bom lembrar que essa abordagem pode ter efeitos secundários indesejados, como a relativização do problema e, até o receio de os homens serem alvos de novas brincadeiras e se constrangerem de procurar um urologista.
É importante lembrar que o toque retal, embora tradicional e emblemático na detecção do câncer de próstata, não é o único exame na avaliação do paciente para o câncer de próstata, devendo ser sempre acompanhado de pelo menos um exame, que é a dosagem sanguínea do PSA.
Por conta da repercussão do vídeo do Porta dos Fundos, vi alguns posts de especialistas esclarecendo que o rastreamento pode trazer mais malefícios do que benefícios, como reafirma uma nota técnica recente do Ministério da Saúde. Como podemos convencer os homens a fazer os exames?
Tivemos conhecimento da Nota técnica do Ministério da Saúde e, por discordarmos de alguns pontos, também emitimos a nossa. Importante ressaltar que o câncer permanece a segunda causa de morte (atrás somente das causas cardiovasculares), e que o câncer de próstata é o tumor sólido mais comum no homem, e o segundo que mais mata.
Adoção de hábitos de saúde saudáveis são importantes, mas nenhuma estratégia conseguiu eficazmente prevenir o câncer, sobretudo esse. A única forma que temos realmente é o diagnóstico precoce. A hereditariedade é um fator importante, mas é presente em apenas 12% dos casos. Indivíduos de raça negra também têm mais predisposição, mas homens de outras cores e raças também podem apresentar, sem falar nas miscigenações características do nosso povo. Obesidade é um fator levantado como de risco para casos mais agressivos, mas não quer dizer que quem está no seu peso normal também não tenha que se cuidar.
Sabemos que o câncer de próstata não apresenta sintomas em suas fases iniciais, por isso a recomendação de que somente os homens com sintomas ou com fatores de risco para o câncer de próstata procurem assistência também não nos parecem suficientes como recomendação que venha a causar algum impacto nessas preocupantes estatísticas. Muito se fala sobre políticas de rastreamento populacional, quais seriam os riscos, custos e benefícios potenciais e isso está em constante discussão.
Mas o que a maioria das principais entidades do mundo não questionam mais é sobre o esclarecimento amplo e aconselhamento individual da população, não somente sobre os riscos de realizar os exames, mas também sobre os inúmeros benefícios que eles podem trazer, principalmente no diagnóstico precoce, que aliás é a única medida para se obter a chance de cura de 90%.
Sobre diagnosticar cânceres indolentes, cada vez mais se conhece sobre a biologia desses tumores e hoje já se consegue individualizar muito mais os casos a serem investigados e, mesmo, os que precisam de um tratamento mais radical, dos que podem, por exemplo, seguirem em vigilância ativa, como a que fazemos para os cânceres de baixa agressividade. Mas tudo começa ali na frente do médico, com esclarecimento, com decisão compartilhada e com exames bastante simples como a dosagem sanguínea do PSA e um toque retal - que dura poucos segundos, que causa pouco ou nenhum desconforto, e que não necessita de nenhum preparo especial, fazendo parte do exame físico especializado e podendo dar várias informações além da suspeita ou não de um câncer de próstata.
Podemos dizer que os urologistas brasileiros estão preparados para diagnosticar tumores indolentes e optar pela vigilância ativa? E os pacientes têm acesso a formas menos invasivas de biópsia e testes que permitem essa decisão médica?
Podemos dizer que, no mundo todo, incluindo o Brasil, os urologistas estão cada vez mais preparados para lidar e entender a diversidade biológica dos tumores de próstata e, assim, realizar tratamentos cada vez mais seguros e com melhores resultados oncológicos e funcionais. Mas ainda existe uma dependência enorme do diagnóstico precoce, tanto para garantir os melhores resultados de controle da doença, quanto para minimizar os efeitos colaterais dos tratamentos.
Hoje em dia já se dispõe de várias estratégias para entender quem são os casos que merecem uma investigação maior, como por exemplo por biópsia, que ainda é o padrão-ouro, dos demais. Mas também a qualidade e padronização das análises patológicas dos materiais coletados por biópsia também evoluiu e veio trazer mais informações que nos ajudam nas decisões terapêuticas.
Embora ainda não universalmente distribuído, sobretudo na rede pública, a ressonância magnética multiparamétrica da próstata, por exemplo, também veio aumentar a acurácia do diagnóstico em várias situações clínicas. Testes moleculares estão em constante pesquisa para se tentar atingir a chamada medicina de precisão, a verdadeira medicina individualizada, mas ainda não são uma realidade. As biópsias transperineais (no lugar das transretais) que parecem diminuir as taxas de infecção e talvez agreguem precisão, estão sendo cada vez mais estudadas, discutidas e difundidas.
Então, existe toda uma preocupação da comunidade científica e urológica em buscar cada vez mais alternativas que possibilitem, aos homens, diagnósticos e tratamentos cada vez mais precisos, evitando medidas excessivas, aumentando a sobrevida e taxas de cura com qualidade de vida. Mas, infelizmente, só quem está engajado na saúde e que busca esses cuidados é que consegue se beneficiar. Por isso o Novembro Azul segue com sua vocação primordial, a de esclarecimento e de educação da população. E para isso a SBU segue trabalhando fortemente.
Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY e é membro da Association of Health Care Journalists. Twitter: @tatianapronin