Pela primeira vez, o número de norte-americanos que usam maconha quase todos os dias ultrapassou o número de pessoas que consome álcool com essa mesma frequência, aponta uma pesquisa publicada esta semana nos EUA na revista Addiction.
O uso dos derivados de cannabis têm se tornado cada vez mais frequente no país desde que o uso medicinal e recreativo se tornaram legais em quase metade dos estados. Ao mesmo tempo em que a aceitação da droga aumenta entre a população, pesquisas têm trazido informações relevantes sobre alguns riscos do consumo da substância.
O artigo na Addiction relata que, em 2022, cerca de 17,7 milhões de pessoas relataram consumir maconha diariamente ou quase diariamente, em comparação com 14,7 milhões de consumidores diários ou quase diários de álcool. Em 1992, menos de 1 milhão de pessoas diziam usar maconha quase todos os dias.
Apesar de o álcool ainda ser muito mais amplamente consumido em todo o país, esta foi a primeira vez que que o uso mais intenso de maconha ultrapassou o consumo diário e quase diário de bebida alcoólica, segundo o autor do estudo Jonathan Caulkins, pesquisador de políticas sobre cannabis na Universidade Carnegie Mellon.
Caulkins informa que 40% dos atuais consumidores de maconha fazem uso diário ou quase diário. De 1992 a 2022, a taxa per capita de relatos de uso diário ou quase diário de maconha aumentou 15 vezes, segundo a pesquisa, baseada em dados da Pesquisa Nacional sobre Uso de Drogas e Saúde.
Caulkins reconheceu, no estudo, que as pessoas podem estar mais dispostas a admitir o uso de maconha à medida que a aceitação pública cresce, e isso pode ter influenciado os resultados. Também merece destaque o fato de o uso diário de álcool no país ter diminuído um pouco nos últimos 15 anos.
A maioria dos estados norte-americanos hoje permite a maconha medicinal e/ou recreativa, embora a substância continue ilegal em nível federal. Em Novembro, os eleitores da Florida decidirão sobre uma emenda constitucional que permitirá a cannabis recreativa. Além disso, o governo federal pode, em breve, reclassificar a maconha como uma droga menos perigosa.
A pesquisa mostra que os usuários de alta frequência têm maior probabilidade de se tornarem viciados em maconha. Outro problema associado ao uso frequente e em altas concentrações é o risco mais alto da ocorrência de sintomas psicóticos associados à maconha, uma condição grave em que a pessoa perde o contato com a realidade.
Um outro estudo publicado esta semana, por sinal, adverte que adolescentes usuários de maconha apresentam um risco 11 vezes maior de desenvolver transtorno psicótico em comparação com aqueles que não usam a substância.
A pesquisa, liderada por pesquisadores da Universidade de Toronto, no Canadá, saiu no periódico Psychological Medicine, e inclui dados de mais de 11 mil adolescentes e jovens adultos com idades entre 12 e 24 anos no início do estudo.
Quando a análise se limita apenas a atendimentos de emergência e internações, houve um aumento de 27 vezes na ocorrência de transtornos psicóticos em adolescentes que usaram a droga em comparação com os que não usaram.
Como pesquisas anteriores sobre maconha e psicose, o atual trabalho não prova diretamente que a maconha seja a causadora dos transtornos psicóticos – é possível que adolescentes propensos a desenvolver transtornos psicóticos também tenham maior probabilidade de usar cannabis.
Não houve associação entre o uso de cannabis e transtornos psicóticos em pessoas com idades entre 20 e 33 anos. É possível que o risco maior entre adolescentes tenha a ver com o fato de que eles ainda estão com o cérebro em desenvolvimento, segundo os pesquisadores.
No entanto, a forte associação encontrada no estudo serve de alerta. O autor principal, Andre McDonald, reiterou a importância de se evitar o uso de maconha durante a adolescência:
Se pudermos de alguma forma pedir aos adolescentes que adiem o seu uso até que o seu cérebro se desenvolva um pouco mais, penso que isso seria bom para a saúde pública.”
Um terceiro estudo recente sugere que um grupo demográfico adicional está em risco com o consumo de maconha: os idosos. O trabalho, publicado no JAMA Internal Medicine, descobriu que depois que o Canadá legalizou a maconha, o número de atendimentos de emergência por envenenamento por cannabis aumentou acentuadamente entre pessoas com 65 anos ou mais.
Os envenenamentos duplicaram depois que o Canadá legalizou a venda da flor de cannabis e triplicaram apenas 15 meses depois, quando o Canadá legalizou a venda de produtos comestíveis, como relata uma reportagem no The New York Times.
“Muitas vezes é um produto assado, um chocolate ou uma goma”, afirmou ao jornal Nathan Stall, geriatra do Hospital Mount Sinai e pesquisador do Women’s College Hospital em Toronto, principal autor do estudo.
Pesquisadores e médicos do pronto-socorro estavam descobrindo que os idosos usavam drogas intencionalmente, mas também às vezes por acidente, quando a maconha comestível (os famosos "edibles") é confindida com alimentos ou lanches normais.
Os sintomas de envenenamento por cannabis podem incluir tonturas, confusão, náuseas, perda de coordenação e equilíbrio, sonolência e alucinações.
As descobertas foram consistentes com outras pesquisas publicadas nos Estados Unidos, segundo Stall, e mostraram que era preciso prestar mais atenção ao uso de drogas pelos idosos e aos efeitos sobre a saúde deles.
Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY e é membro da Association of Health Care Journalists. Twitter: @tatianapronin