Obra é da psicóloga norte-americana Jean Twenge, maior especialista nas novas gerações
Tatiana Pronin Publicado em 25/04/2023, às 15h30
Em 2017, a psicóloga norte-americana Jean Twenge, da Universidade Estatal de San Diego, alertou o mundo para a crise de saúde mental que as novas gerações começavam a enfrentar. A hipótese para explicar o problema, na época, era a única mudança de comportamento visível entre eles: a chegada dos smartphones.
Mas muitos de seus colegas continuavam céticos e alguns até a acusaram de incitar o pânico. Agora, seis anos depois, Twenge está de volta, com um novo livro, intitulado "Generations" (Gerações), e há muito mais dados para sustentar sua hipótese, como mostra uma grande reportagem da npr.org.
Na obra, Twenge analisa as tendências da saúde mental de cinco grupos etários, desde a Geração Silenciosa, que nasceu entre 1925 e 1945, até à Geração Z, que nasceu entre 1995 e 2012. A autora mostra definitivamente que "a forma como os adolescentes passam o seu tempo fora da escola mudou fundamentalmente em 2012", ela diz no livro.
Por exemplo: desde 1976, a frequência com que os adolescentes saem com os amigos na semana (sem os pais) manteve-se estável durante quase 30 anos. Em 2004, baixou um pouco. Depois de 2010, caiu muito! Na mesma época, o tempo gasto nas redes sociais começou a aumentar.
Em 2009, apenas metade dos adolescentes usava as redes sociais todos os dias, relata Twenge. Em 2017, 85% faziam uso diariamente. Até 2022, 95% dos adolescentes diziam utilizar algumas redes sociais todos os dias e cerca de um terço fazia isso constantemente, segundo uma sondagem recente do Pew Research Center.
“Segundo os dados mais recentes, 22% das garotas do 10º ano passam sete ou mais horas por dia nas redes sociais", afirma Twenge, o que significa que muitas adolescentes fazem pouco mais do que dormir, ir à escola e interagir com as redes sociais.
Não é de surpreender que todo esse tempo de tela tenha reduzido o tempo de sono de muitas crianças e adolescentes. Entre 2010 e 2021, a percentagem de alunos do 10º e 12º anos que dormiam sete ou menos horas por noite aumentou de um terço para quase metade. E os jovens nessa faixa etária devem dormir nove horas por noite.
Por si só, a privação do sono pode causar problemas de saúde mental, como ansiedade, depressão e automutilação. Infelizmente, todos esses problemas de saúde mental só aumentaram desde que Twenge soou o alarme pela primeira vez, seis anos atrás.
Todos os indicadores de saúde mental e bem-estar psicológico tornaram-se mais negativos entre adolescentes e jovens adultos desde 2012. E não são apenas os sintomas que aumentaram, mas também os comportamentos, incluindo atendimentos de emergência por automutilação, tentativas de suicídio e suicídios consumados", diz Twenge.
Os dados vão até 2019, portanto, não incluem alterações devido à pandemia de Covid-19, que só agravou o cenário.
O cientista de dados Chris Said, que tem um PhD em psicologia pela Universidade de Princeton e trabalhou no Facebook e no Twitter, diz que a mídia social foi como uma bomba nuclear na vida social dos adolescentes. “Acho que não há nada na memória recente, ou mesmo na história distante, que tenha mudado a maneira como os adolescentes se socializam tanto quanto as mídias sociais”.
Na última década, os cientistas publicaram uma série de estudos tentando responder a essa pergunta, e esses estudos geraram intenso debate entre os cientistas e na mídia. Mas, segundo Said, os cientistas não estavam usando, e nem tinham, as ferramentas adequadas para responder à questão.
Além disso, havia um viés importante. Na década de 1940, por exemplo, os psicólogos temiam que as crianças estivessem se viciando em dramas policiais de rádio. Depois disso, eles levantaram preocupações sobre histórias em quadrinhos, televisão e, finalmente, videogames. Assim, muitos pesquisadores temem que a mídia social possa ser simplesmente o mais novo bode expiatório para os problemas de saúde mental das crianças.
Vários cientistas, incluindo Alexey Makarin, do MIT, nos EUA, perceberam esse problema com os dados, as ferramentas e as falhas anteriores, e foram atrás de soluções.
Nos últimos anos, surgiram vários estudos de alta qualidade que podem testar diretamente se a mídia social causa depressão. “O corpo da literatura parece sugerir que, de fato, a mídia social tem efeitos negativos na saúde mental, especialmente a dos jovens adultos”, diz Makarin, que liderou o que muitos cientistas dizem ser o melhor estudo sobre o assunto já feito até hoje.
Nesse trabalho, Makarin e sua equipe aproveitaram uma oportunidade única: a introdução escalonada do Facebook nas faculdades dos EUA, de 2004 a 2006. A plataforma foi lançada primeiro nos campi universitários, antes de ir para o resto da sociedade, mas nem todos a introduziram ao mesmo tempo. Isso permitiu comparar a saúde mental dos alunos das faculdades antes e depois da chegada da rede social.
Felizmente, a equipe conseguiu rastrear a saúde mental dos estudantes naquela época porque os administradores das faculdades também estavam conduzindo uma pesquisa nacional que fazia aos alunos uma série de perguntas sobre diagnósticos, terapias e medicamentos para depressão, ansiedade e transtornos alimentares. Os dados envolvem mais de 350 mil respostas de alunos em mais de 300 faculdades. E o que aconteceu?
"Quase imediatamente depois que o Facebook chega ao campus, vemos um aumento nos problemas de saúde mental relatados pelos alunos", diz Makarin. “Encontramos um impacto especial nas taxas de depressão, transtornos de ansiedade e outras questões associadas à depressão em geral”.
E o efeito não é pequeno, diz ele. Em toda a população, o lançamento do Facebook fez com que cerca de 2% dos estudantes universitários ficassem clinicamente deprimidos. Isso pode parecer modesto, mas com mais de 17 milhões de estudantes universitários nos EUA na época, isso significa que o Facebook causou depressão em mais de 300 mil jovens adultos.
Para um indivíduo, isso significa que o envolvimento com o Facebook diminui sua saúde mental numa proporção equivalente a 22% do efeito gerado pela perda de um emprego, segundo Makarin. O efeito observado foi maior para as mulheres do que na saúde mental dos homens, mas a diferença foi pequena. Ele e seus colegas publicaram suas descobertas em novembro passado na American Economic Review.
Para o economista Matthew Gentzkow, da Universidade de Stanford, que não participou da pesquisa, é o estudo mais convincente já feito, apesar de haver algumas limitações, como o fato de ter avaliado os impactos por apenas seis meses. Além disso, o Facebook é cada vez menos usado pelos jovens.
No entanto, as descobertas reforçam outros estudos recentes, incluindo um liderado pelo próprio Gentzkow, com cerca de 2.700 usuários do Facebook com 18 anos ou mais. Eles pagaram cerca de metade deles para desativar suas contas por quatro semanas. Depois, procuraram ver como a pausa havia mudado sua saúde mental. Eles relataram suas descobertas em março de 2020, também na American Economic Review.
Esse tipo de estudo é chamado de "experimento aleatório", e há várias limitações desse tipo de trabalho com a mídia social. No entanto, Gentzkow pôde ver como a desativação do Facebook fazia as pessoas se sentirem melhor. Ele seus colegas estimam que sair temporariamente do Facebook melhora a saúde mental de uma pessoa em cerca de 30% do efeito positivo observado em uma terapia.
Os cientistas ainda não sabem até que ponto a mídia social está por trás dos crescentes problemas de saúde mental entre os adolescentes e se é a principal causa. Ainda assim, porém, outros detalhes estão começando a se cristalizar. Os pesquisadores podem ver, por exemplo, que a mídia social não vai prejudicar todos os adolescentes, nem na mesma proporção. Os dados sugerem que quanto mais horas uma criança dedica às mídias sociais, maior o risco de problemas de saúde mental.
Além disso, alguns adolescentes provavelmente são mais vulneráveis às mídias sociais e as crianças podem ser mais vulneráveis em determinadas idades. Um estudo publicado em fevereiro de 2022, com coordenação da psicóloga Amy Orben, da Universidade de Cambridge, procurou ver como o tempo gasto nas mídias sociais varia com a satisfação com a vida em diferentes fases de uma criança. E a correlação é clara, como mostram os resultados publicados na Nature Communications.
Os pesquisadores também verificaram se o uso atual de mídia social por uma criança previa uma diminuição da satisfação com a vida um ano depois. Esses dados sugerem duas janelas de tempo em que as crianças são mais sensíveis aos efeitos prejudiciais das mídias sociais (especialmente o uso pesado delas). Para meninas, uma janela ocorre entre 11 e 13 anos. E para meninos, uma janela ocorre entre 14 e 15 anos. Para ambos os sexos, ainda, há uma janela de sensibilidade por volta dos 19 anos – ou perto da época em que os adolescentes entram na faculdade.
Além disso, é preciso considerar que as pessoas podem usar a mídia social porque estão deprimidas (portanto, a depressão pode ser a causa, não o resultado do uso da mídia social). “No entanto, esses estudos correlativos, juntamente com as evidências dos experimentos causais, pintam um quadro que sugere que devemos levar as mídias sociais a sério e nos preocupar”, acrescenta Gentzkow.
Orben cita uma metáfora que pode ajudar os pais a entender como abordar essa nova tecnologia: "a mídia social para crianças é um pouco como o oceano". Antes de os pais deixarem as crianças nadarem em águas abertas, eles se certificam de que a criança está bem preparada e equipada para lidar com os problemas que surgirem. Fornecem coletes de segurança, aulas de natação e, mesmo assim, ainda investem em supervisão.
Caso você precise ou conheça alguém que esteja em sofrimento emocional, o telefone do CVV (Centro de Valorização da Vida) é 188 e funciona 24 horas para escutar, aconselhar e orientar as pessoas em momentos de grande angústia, com pensamentos negativistas e de suicídio.Clique AQUI para saber mais onde buscar ajuda.
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