Conrado Borges* Publicado em 22/03/2022, às 10h30
A Doença de Alzheimer é um grande pesadelo para as pessoas à medida que chegam a idades mais avançadas. Com o passar dos anos, notam que a memória não é tão boa como antigamente. Passam a se esquecer de nomes de palavras e pessoas, onde colocaram algumas coisas. O raciocínio fica um pouco mais lento. Já não é mais tão fácil aprender coisas novas. Essas dificuldades são ainda mais angustiantes para aqueles que são filhos de portadores da Doença de Alzheimer. Cada obstáculo que aparece passa em suas cabeças um filme do passado dos seus pais. Ficam com medo de que tudo aquilo possa acontecer também consigo, angústia por sentir-se impotente e um desejo intenso de prevenir qualquer mal que possa acontecer.
Talvez por causa dessa tempestade de sentimentos, uma das perguntas que mais escuto no consultório é: existe algo para prevenir a doença de Alzheimer? Felizmente, hoje podemos dizer que a resposta é SIM! Para entender como é possível a prevenção, primeiro é importante entender as causas. Pode parecer surpreendente, mas ela tem o seu início no cérebro 15 a 20 anos antes de a pessoa ter os primeiros sintomas de perda de memória.
Segundo a hipótese mais disseminada, o que causa a doença é o acúmulo lento e gradual de uma proteína chamada beta-amiloide no interior do cérebro. Essa proteína é liberada naturalmente durante o funcionamento cerebral, mas o cérebro tem mecanismos naturais de limpeza, que impedem que se acumule. Caso a produção seja excessiva ou a limpeza insuficiente, a proteína vai se condensando em forma de placas em algumas áreas mais frágeis do cérebro, que com o passar dos anos causa uma cascata de eventos que causam o mau funcionamento e degeneração. Degeneração significa morte de neurônios e outras células cerebrais. O problema é que o tecido cerebral praticamente não se regenera. Na Doença de Alzheimer, os sintomas de perda de memória recente geralmente são os primeiros a aparecerem, pois as estruturas cerebrais responsáveis por essa função são das primeiras a serem afetadas pela neurodegeneração.
Confira:
Partindo destas informações, podemos trazer alguns princípios básicos para entender como é possível prevenir a Doença de Alzheimer.
1. O início do processo fisiopatológico ocorre 15 a 20 anos antes dos primeiros sintomas se manifestarem. Ou seja: quando a pessoa tem entre 45 e 55 anos de idade. Logo, as medidas preventivas ideais devem começar já nessa faixa de idade.
2. Como o cérebro tem baixíssima capacidade de regeneração, qualquer medida de tratamento ou prevenção iniciada após o início dos sintomas é menos eficiente (pelo menos em teoria, já que estudos comparativos ainda estão em curso).
3. Há duas linhas de conduta para prevenir o surgimento da DA: reduzir produção de amiloide e aumentar a limpeza.
Enquanto lia a primeira parte do texto, imagino sua ansiedade para saber qual remédio poderia prevenir a Doença de Alzheimer. Apesar de alguns estudos promissores estarem em curso atualmente, ainda esse não é o caso. Entretanto, felizmente, hoje já temos evidência suficiente para propor medidas comprovadas para reduzir o risco de ter a DA:
Há muito tempo se correlaciona demência com comprometimento das artérias cerebrais. Exemplo disso é que já foi muito comum associar as demências senis à doença vascular. Provavelmente você já deve ter ouvido que um idoso ficou “esclerosado”. Essa palavra deriva do termo arterioesclerose e, de fato, foi usado um bom tempo no meio médico até se entender que a Doença de Alzheimer era a causa da maioria das demências. Hoje, no entanto, o jogo está virando novamente, à medida que estudos mostram que as mesmas doenças que estão ligadas a infarto do coração e a Acidente Vascular Cerebral também são fatores de risco para o desenvolvimento da Doença de Alzheimer. Diabetes, fibrilação atrial (um tipo de arritmia), hipertensão e colesterol alto são fatores de risco comuns que aumentam a chance de a pessoa ter Doença de Alzheimer.
Estudos de grandes populações de países desenvolvidos mostraram um dado curioso. Apesar das suas populações estarem envelhecendo, o aumento de novos casos da Doença de Alzheimer não aumentou proporcionalmente. O principal fator que se correlacionou a esse fenômeno foi que a população nesses lugares tem tido um controle cada vez melhor desses fatores de risco. Assim, uma das principais formas de prevenção é o controle rigoroso de pressão, colesterol, diabetes, arritmias e outros fatores de risco.
Já temos fortes evidências de que a atividade física moderada regular reduz o risco de Doença de Alzheimer e alterações cognitivas. Exemplos de atividade física moderada são andar a mais de 5 km/h, andar de bicicleta a menos de 16 km/h, jogar tênis em duplas e dança de salão. Ainda, é necessário uma frequência de pelo menos 150 minutos por semana. Isso equivale a no mínimo 30 minutos, 5 dias por semana ou 1 hora, 3 vezes por semana.
Entre os mecanismos propostos para esse efeito benéfico no cérebro, três se destacam. Primeiro: pessoas que praticam atividades físicas regularmente têm maior fluxo sanguíneo cerebral do que as que não o fazem. Segundo: quem faz atividade física tem menor perda do volume do hipocampo do que quem não faz. O hipocampo é uma pequena estrutura responsável pela gravação de novas memórias no cérebro. Terceiro: apesar de o cérebro ter uma grande dificuldade de regeneração, toda pessoa tem uma pequena taxa de geração de novos neurônios, que é chamada de neurogênese. Pessoas que realizam atividade física têm maior taxa de neurogênese no hipocampo.
Além disso, a atividade física está associada a uma maior saúde do organismo como um todo, o que implica em menor taxa de pequenos infartos no cérebro, menor quantidade de doença de pequenos vasos, melhor qualidade do sono e do humor, entre outras coisas associadas ao surgimento de demências.
Nos últimos 20 anos, há evidências cada vez maiores de que pessoas com sono de pior qualidade na meia idade têm um risco aumentado de ter futuramente a Doença de Alzheimer. A lógica por trás disso é que o sono, especialmente o sono profundo (ou Sono de Ondas Lentas), tem um papel fundamental na limpeza dos resíduos cerebrais produzidos ao longo do dia, entre eles a proteína beta-amiloide. Pessoas que tem um sono de má qualidade frequente vão acumulando mais rapidamente esses resíduos até que se transformem em placas e causem toda a cascata da DA.
Uma das maiores causas de sono de má qualidade na meia idade é a Síndrome de Apneia Obstrutiva do sono. Com o avançar da idade e o ganho de peso, há uma maior tendência de o ar não sair direito dos pulmões quando a pessoa entra no sono profundo. Isso faz com que tenha muitos despertares praticamente imperceptíveis para recuperar o fôlego, o que impede que o sono faça a sua função adequadamente. A boa notícia é que hoje existem formas de tratamento muito efetivas para esse problema. Se você ronca ou se sente cansado e sonolento com frequência, procure uma consulta médica, pois esse pode ser o seu problema. Tratá-lo poderá prevenir uma demência no futuro.
Os nutrientes que ingerimos no dia a dia podem influenciar a saúde de diversas formas. Uma alimentação inapropriada tem o potencial de causar problemas mais óbvios como o ganho de peso e aumento do colesterol e, também, desencadear doenças sérias como o diabetes, doença coronariana, infarto do miocárdio e AVC. Já temos evidência para dizer que a alimentação também influencia o risco de Doença de Alzheimer. Diferentes nutrientes podem gerar maior ou menor dano no cérebro e melhorar ou piorar o funcionamento de funções cognitivas (como memória, atenção, etc.). E quais nutrientes podem ajudar no funcionamento do cérebro? Estudos já mostraram que as vitaminas C, D, E, B1 e B12 podem ter um papel positivo, assim como o ômega 3 e uma série de outros compostos. Você deve estar pensando que, se é assim, é só comprar um suplemento dessas vitaminas e tomar para se proteger contra a doença. Infelizmente a coisa não é tão simples assim! Tomar compostos com os nutrientes isolados não tem o mesmo efeito sobre a cognição e sobre o risco da DA do que quando ingeridos na dieta.
O caminho correto é buscar por uma dieta completa comprovadamente protetora. As mais estudadas são a dieta Mediterrânea, a DASH, a MIND e a dieta baseada em peixe (oriental). Procure um nutricionista para discutir sobre as características e possibilidades de cada uma. Ainda existe um suplemento chamado Souvenaid, que contém no mesmo pacote uma boa parte dos nutrientes e vitaminas ditos protetores. Esse ano foi publicado o estudo de três anos, comparando o uso desse suplemento contra placebo. As funções cognitivas (memória, atenção, raciocínio…) das pessoas que o tomaram decaíram menos do que as das que tomaram placebo. Os pontos negativos são o preço, que é salgado, e o sabor, que traz reclamações frequentes dos pacientes.
Confira:
A quantidade de conexões do cérebro é muito importante para determinar como a pessoa vai responder à perda de neurônios. Quanto maior o repertório de conhecimentos e habilidades que uma pessoa adquiriu durante a vida, maior a quantidade de conexões que seu cérebro tem. Da mesma forma, pessoas que se mantém ativas mesmo quando mais velhas, tendem a perder menos conexões. Quanto mais conexões o cérebro tem, maior a sua capacidade de se adaptar à perda de neurônios. Dessa forma, uma pessoa que adquiriu um vasto repertório de conhecimentos e habilidades durante a vida e que continua ativa demora mais até que a doença cause maiores prejuízos.
Hoje ainda não temos tratamentos que revertam a Doença de Alzheimer e outras demências, mas já sabemos o que pessoas de meia idade podem fazer para prevenção. As melhores formas de prevenção são: controle de doenças crônicas comuns, atividade física, sono adequado, alimentação adequada e atividade intelectual. Os próximos anos prometem grandes novidades!
*Dr. Conrado Borges
Médico do Hospital Sírio-Libanês, Professor do grupo Estratégia Med, Doutorando em Neurologia HC-FMUSP, Especializado em Neurologia Cognitiva e do Comportamento pelo HC-FMUSP, Residência Médica em Neurologia pelo Hospital de Clínicas da UFPR e colunista do Portal Trevoo.