Rosa Colombrini* Publicado em 07/10/2021, às 13h05
Cuidar é caminho para atitudes de desvelo, atenção, responsabilização e envolvimento com o outro. Ao longo da vida, cuidamos de nós mesmos e de outras pessoas, de plantas, de animais, de coisas. Não há como viver sem ter o cuidado ao nosso lado.
A palavra cuidar vem do termo em latim “cogitare”, que se refere diretamente ao cuidado do corpo e do espírito, marcado pelo famoso ditado também em latim “mens sana in corpore sano” (mente sã em corpo são).
Como enfermeira, tenho toda minha formação profissional focada no aprendizado do “CUIDADO DE ENFERMAGEM”.
Isso me remete a lembrar de Florence Nightingale (precursora e idealizadora da enfermagem moderna). Florence trouxe a profissionalização ao cuidado, que passa a ser o produto da interligação do conhecimento científico das ciências biológicas e químicas, das exatas e da psicologia, das ciências socioeducativas e da transcendência do ser humano em seu canal mais sutil de comunicação que é a sua espiritualidade, entre outras.
Para Florence, enfermagem é "uma arte e para realizá-la como tal, requer uma devoção tão exclusiva, um preparo tão rigoroso, como a obra de qualquer pintor ou escultor, pois o que é o tratar da tela morta ou do frio mármore comparado ao tratar do corpo vivo, o templo do espírito de Deus.”
Não por menos que o juramento dos enfermeiros ao redor do mundo é:
“Juro, livre e solenemente, dedicar minha vida profissional a serviço da pessoa humana, exercendo a enfermagem com consciência e dedicação; guardar sem desfalecimento os segredos que me forem confiados, respeitando a vida desde a concepção até a morte; não participar voluntariamente de atos que coloquem em risco a integridade física ou psíquica do ser humano; manter e elevar os ideais de minha profissão, obedecendo aos preceitos da ética e da moral, preservando sua honra, seu prestígio e suas tradições.”
O juramento da enfermagem permite-nos compreender que o cuidado se fará em qualquer idade ou fase da vida. Ele se fará refletir através:
Muitas vezes, nossa família direta oferecerá todo o cuidado dentro de nossos lares ao longo de nossas vidas. Mas em muitas circunstâncias isto não será possível. Nesta hora é importante termos outros componentes sociais que permitam que sejamos cuidados.
Na infância vivemos momentos em que, para os pais poderem trabalhar, as crianças são direcionadas às escolas e às creches que oferecem condições seguras para o seu desenvolvimento sócio-afetivo-cognitivo.
Ao envelhecermos isto também acontece. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) trouxe em seu último dado em 2019, que a expectativa média de vida no Brasil foi de 76,6 anos, sendo entre os homens 73,1 anos e entre as mulheres 80,1 anos. Estamos mais longevos e, ao mesmo tempo, nós e nossos filhos trabalharemos até mais tarde, tendo menos disponibilidade para cuidar do envelhecimento de nossos familiares.
Alterações nas políticas de seguridade e na organização da vida social nos colocam para pensar e alinhar, nossas mentes e corações, sobre aspectos práticos que viveremos cada vez mais quando se trata de cuidarmos de nossos idosos (pai, mãe, sogro, sogra, avô, avó). Precisamos fazer isto com atenção, carinho, lucidez, amor, compaixão e todos os melhores sentimentos que nutrimos por aqueles que foram nossos “tutores” e fontes de inspiração ao longo de nossas vidas.
Confira também:
Existe a família e a pessoa idosa. Assim, é importante que nosso familiar idoso possa, na medida do possível, participar da decisão que está sendo tomada. É sobre ele que está sendo conversado. O ponto focal da decisão deve ser a melhor forma de mantermos a qualidade e segurança do cuidado oferecido ao idoso. Para tanto, se faz necessário termos apoio especializado, cuidado, amor, atenção para incluí-lo a despeito de qualquer que seja a sua condição cognitiva. Isso manterá o vínculo afetivo entre as pessoas e criará novas conexões para a rede de apoio a ser criada.
“Uma vida longa e sadia nem sempre garante qualidade e felicidade. Diante de uma sociedade que não está preparada para cuidar dos mais velhos é necessário discutir a individualidade do idoso, suas potencialidades, limitações e dificuldades.”
Na minha vida profissional e pessoal vivi situações que me colocaram frente a frente com decisões sobre onde e quem cuidaria com segurança dos familiares.
Fui enfermeira em unidades de internação de adultos em um grande hospital, em que a média de idade dos pacientes ultrapassava 70 anos. Dúvidas e angústias foram compartilhadas comigo por estar tão próxima durante todo o tratamento e pela confiança adquirida ao longo da jornada de internação. Presenciei conflitos familiares que permeavam a decisão sobre quem, como, onde, quanto custaria cuidar do familiar, recém-tratado de infarto, Alzheimer, acidente vascular cerebral, fratura de quadril, entre outros acometimentos.
Sentimentos ambíguos e conflituosos marcam a tomada de decisão. Eles passam pela culpa, medo, angústia, estresse, tristeza. Todos estes sentimentos são plenamente compreensíveis.
De alguma maneira tais experiências na vida profissional contribuíram para que eu me preparasse para as minhas próprias tomadas de decisão relativas à minha família, como filha e nora.
Primeiro, é necessário sair da condição de profissional da saúde. Deixar o jaleco ou roupa branca ao lado e se permitir vestir uma calça jeans e camiseta. Respirar. Respirar. Respirar. Sim. Isto é fundamental - Acalma a mente.
Segundo, é fundamental que os vários atores desta decisão (outros familiares, a pessoa idosa) estejam racional e emocionalmente alinhados. Se um filho não aceitar que a mãe está debilitada e que ela precisará de cuidados externos à família, outro irmão ou alguém querido poderá apoiar e ser um facilitador para aquele momento.
Terceiro, reconhecer o momento de pedir ajuda para além da família direta. Os cuidados são exaustivos. Em muitas situações (que não são raras) persistem por muitos anos. É necessário ter atenção com a pessoa que cuida, pois é comum o desenvolvimento da condição da síndrome de burnout.
Quarto, identificar que todos precisam ser cuidados.
Estes são apontamentos para trilhar um bom caminho para o cuidado! Se permita usar essa rede de apoio e contar com profissionais qualificados, que fizeram juramentos iguais ou semelhantes ao que fiz como enfermeira, que poderão garantir segurança, qualidade de vida, confiança, amor e carinho aos nossos queridos.
*Sobre a autora: Rosa Colombrini
Enfermeira e Mestre em Enfermagem. Consultora com mais de 30 anos de experiência em assistência e gestão em unidades de saúde.