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Década do Envelhecimento Saudável? O que a pandemia trouxe aos idosos

A pandemia destacou a gravidade das lacunas existentes nas políticas para o envelhecimento saudável - iStock
A pandemia destacou a gravidade das lacunas existentes nas políticas para o envelhecimento saudável - iStock

Cecília Galetti* Publicado em 29/09/2021, às 11h00

Por ironia, talvez do destino, logo no início do que seria a “Década do Envelhecimento Saudável 2020-2030”, proposta pela Organização Mundial de Saúde (OMS), surge o novo coronavírus. A pandemia, segundo a própria OMS,“... destacou a gravidade das lacunas existentes nas políticas, sistemas e serviços. Uma década de ação global concentrada no envelhecimento saudável é urgentemente necessária ...”.

Ainda estamos no início dessa década, mas sabemos que teremos que “trocar o pneu com o carro andando” para atingir os objetivos da OMS no meio de uma pandemia. Para tanto, é fundamental identificar o que já foi aprendido, e quais são as perspectivas futuras quanto à pandemia e o envelhecimento? Essas são questões importantes e que serão debatidas em um grande congresso na área de Geriatria e Gerontologia que se realizará online entre 30 de Setembro e 2 de Outubro.

O que se sabe é que a maior vulnerabilidade da pessoa idosa ao coronavírus despertou o medo do contágio e da morte, deixando os idosos mais suscetíveis ao desenvolvimento de sintomas de depressão e ansiedade, bem como à piora de quadros psiquiátricos pré-existentes.

Apesar do advento da vacina, ainda pairam incertezas, como mostra decisão, não planejada inicialmente, de aplicar uma terceira dose à população idosa após o aumento no número de mortes nessa faixa etária, mesmo devidamente vacinados. Esse clima de indefinição, de não resolução e de falta de controle, gera insegurança, mantendo o idoso em contínuo estado de alerta, reavivando o medo.

O medo não é apenas da própria morte. Na pandemia, ela pode atingir vários membros de uma mesma família. E se a morte, por si só, normalmente já é fonte de sofrimento emocional, várias perdas em um curto período exigem muito da sanidade mental de qualquer um.  Tornando a situação ainda mais complicada, a impossibilidade de se realizar rituais fúnebres, de se despedir, traz dificuldades em elaborar o luto. Os rituais de despedida são muito importantes para o processamento emocional da perda de um ente querido. Velar o corpo, encontrar pessoas, trocar lembranças e experiências, são partes fundamentais para a reorganização psíquica e emocional frente à ausência e ao vazio que se estabelecem. 

Com a falta desses rituais, aumenta a chance de se desenvolver os chamados lutos complicados, ou patológicos, nos quais a pessoa tem dificuldade em elaborar a perda, vivenciando o luto por um tempo prolongado, e que normalmente vem acompanhado de sintomas depressivos.          

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O isolamento social também é peça importante que compõe o cenário pandêmico, e entra como um possível agravante à saúde mental dos idosos. Sua imposição ocasionou a diminuição das atividades físicas, sociais e de lazer, bem como dos contatos presenciais. Este afastamento contribui para o aumento do sentimento de solidão, resultando em sofrimento emocional. O isolamento social é tanto sintoma quanto fator desencadeador de depressão, podendo despertar um círculo vicioso.

Com o afastamento social, o uso de dispositivos tecnológicos de informação e comunicação, através das videochamadas, que permitem o contato visual, e que têm o potencial de melhorar a saúde mental, reduzindo o sentimento de solidão, surgiu como a “salvação da lavoura”. Porém, apesar de o direito à inclusão digital constar no Estatuto do Idoso, nem todos  possuem acesso à internet. Além disso, a prática cotidiana mostra que uma parcela da população idosa apresenta dificuldades no uso dessas tecnologias. Ou seja,  aqueles que não tinham uma boa desenvoltura no uso destes dispositivos, durante a pandemia, sem o auxílio de alguém, possivelmente não conseguiram se incluir no mundo digital.

Apesar de vários estudos publicados, e de ações adaptadas às tecnologias digitais, parece pertinente questionar se o resultado só foi possível por terem sido avaliados somente idosos que já possuíam alguma destreza no uso da tecnologia. Em suma, será que não estamos olhando apenas para aqueles que conseguiram se incluir, e concluindo que todos, ou a grande maioria, de fato se incluiu?

Para finalizar, parece interessante fazer um questionamento sobre algo que permeia nossa realidade: o quanto o uso das tecnologias no cotidiano, nas esferas sociais e da saúde, não pode se tornar um “presente de grego”, atuando mais contra do que a favor da saúde mental de idosos já deprimidos?

É bastante confortável pensar que algo que parece inevitável seja totalmente positivo. O papel dos profissionais de gerontologia e geriatria é questionar esses pressupostos.

Referências:

DSM-V – American PsychiatryAssociation – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – 5ª ed. 2013.

Estatuto do Idoso – Brasil – 2003.

*Cecília Galetti

Graduada em Psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2001). Especialista em Psicologia Hospitalar pelo ICHC-FMUSP (2003). Mestre em Ciências pelo Instituto de Psiquiatria FMUSP (2009). Neuropsicóloga pelo Cenaces (2012). Especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG – 2020). Psicóloga do Centro de Referência do Idoso – Norte (2012). Psicóloga da Divisão de Psicologia do HC-FMUSP (2012-2021). Psicóloga do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas FMUSP (2016 – 2021).

Esta coluna não reflete, necessariamente, a opinião do Site Doutor Jairo