Efeito Angelina Jolie: gene X câncer de mama hereditário

Entenda para quem é indicada a realização do teste genético, como o feito pela atriz

Silvio Kurbet* Publicado em 29/10/2021, às 13h52

A atriz Angelina Jolie realizou cirurgias profiláticas após teste positivo para mutação de BRCA1 - Reprodução/Nações Unidas

Vamos procurar explicar a importância dessa grande atriz quando optou fazer uma cirurgia profilática, ou seja, retirada das mamas com o objetivo de evitar o câncer de mama, uma vez que ela possuía uma alteração no gene que aumentava muito o risco de desenvolver a doença.

A oncogenética é a especialidade que, através do aconselhamento genético, realiza um levantamento do histórico pessoal de câncer do paciente e dos familiares visando identificar se existe uma predisposição à enfermidade nos parentes.

Durante o aconselhamento genético, o oncogeneticista faz uma árvore genealógica com os casos de câncer na família (heredograma). Assim, podemos analisar se há indicação de prosseguir com os testes.

Os tumores hereditários correspondem a menos de 10% de todos os cânceres, ou seja, a grande maioria, 90%, desenvolve-se ao longo da vida dos indivíduos, em decorrência de seus hábitos e do ambiente que vivem.

Porém, quando sabemos o que está alterado nessa população, ao redor de 10%, podemos intervir de alguma forma para diminuir o risco de desenvolver a doença da mama.

O papel da genética no câncer de mama

Os genes são uma espécie de código que determinam aspectos como cor dos olhos e algumas funções corporais como reparação de tecidos, por exemplo.  Eles podem sofrer alterações que não permitem seu funcionamento adequado, o que chamamos de mutação genética ou variante patogênica. Essas mudanças podem ser herdadas ou espontâneas.

Uma pequena, mas significativa parcela da população é portadora de mutações herdadas que impedem o funcionamento correto de alguns desses mecanismos de controle do crescimento celular. Isso torna células defeituosas muito mais propensas a se multiplicarem e formarem tumores.

No caso do câncer de mama, dois genes em específico são os principais responsáveis na reparação do DNA de células mamárias e ovarianas: o BRCA1 e o BRCA2.

Todas as pessoas têm esses genes, mas algumas herdaram a forma alterada (mutação) de um deles. Estima-se que de um a cada 400 indivíduos e uma a cada 800 pessoas possuam a mutação no BRCA1 e BCRA2, respectivamente.

Portadores de mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 costumam desenvolver câncer de mama muito antes da média da população em geral, por volta dos 30 anos. Além disso, é comum que o tumor se apresente de forma mais agressiva ou até mesmo nas duas mamas. 

As mutações nesses genes implicam em 60 a 80% de chance de desenvolvimento do câncer de mama durante toda a vida e de 10 a 40% de chance de desenvolvimento de câncer de ovário.

Embora essas sejam as moléculas mais conhecidas como causadoras de câncer de mama, mutações em outros genes também podem levar ao surgimento desse tipo de tumor, como os TP53, ATM, CHECK2, STK11, CDH1 e PTEN. 

Confira:

Síndromes Neoplásicas

Outras síndromes neoplásicas podem aumentar o risco de câncer de mama além de variados tipos de câncer, como ovário, cólon (intestino), próstata, pâncreas, endométrio (útero), melanoma entre outros:

Síndrome de Cowden 

Na maioria dos casos causada por mutação no gene PTEN. Sua incidência acontece em cerca de um a cada 200.000 nascidos vivos. O risco mais alto de câncer nesta síndrome é o de mama, que gira em de 50 a 85% ao longo da vida, com idade média de diagnóstico entre 38 e 46 anos.

Síndrome de Peutz-Jegher

Causada por mutações no gene supressor de tumor STK11, com incidência de  um para 50.000 a 200.000 indivíduos. Ele está associado ao aumento do risco de câncer gastrointestinal (55%), mama (risco – 35-50%), ovário (risco – 20%) e pâncreas.

Síndrome de Li-Fraumeni 

Corresponde a uma síndrome de predisposição hereditária ao câncer, de ocorrência rara, vista em aproximadamente 1% dos casos de câncer de mama. A ocorrência de mutações no gene p53, associado a essa síndrome ocorre em um para cada 20.000 nascidos vivos. Quase 100% dos indivíduos afetados irão desenvolver algum tipo de câncer durante a vida, geralmente com diagnóstico antes dos 45 anos de idade. Os tipos mais comuns da doença que ocorrem nessa síndrome são:

Câncer de mama, sarcomas ósseos e de partes moles; como também tumores cerebrais, carcinomas adrenocorticais e leucemias.

As mulheres com mutação no gene p53 têm uma chance de ter câncer de mama em torno de 56% aos 45 anos de idade e 90% por volta dos 60 anos de idade.

Câncer gástrico difuso hereditário

É uma síndrome associada a mutações no gene CDH1. Está associada com um risco aumentado de câncer de mama (subtipo lobular) – risco de 39-52%.

A ameaça combinada de câncer de mama e de tumor gástrico em mulheres com esta síndrome é de cerca de 90%, aos 80 anos de idade.

Mutação PALB2

Mutação genética relacionada ao aumento de risco de câncer de mama. A ameaça média cumulativa de câncer de mama aos 70 anos de idade, na população mutada, é de 47,5%.

Etnia

Observamos em algumas populações específicas níveis variáveis de alterações nos genes BRCA. Uma alta frequência de mutação ocorre geralmente devido ao efeito de fundador. Ele refere à presença de uma ou mais alterações originadas de um ancestral em comum, que ocorrem com alta frequência em uma determinada população. Esse efeito pode ser evidenciado em vários países diferentes.

A população de judeus Ashkenazi é um exemplo desse efeito. Eles viviam em grupos isolados, ocasionando uma baixa variabilidade genética e a propagação de certas alterações como as de BRCA1 e BRCA2. Além disso, a população dos judeus diminuiu muito na época das diásporas e depois da Segunda Guerra Mundial, colaborando para a manutenção das mutações fundadoras. Pelo menos um quarto de todas as mulheres judias Ashkenazi com diagnóstico de câncer de mama em idade precoce possui mutações fundadoras.

Esses efeitos têm sido relatados em vários outros países, ou em regiões e grupos étnicos específicos. Os efeitos populacionais também podem se manifestar em variação da frequência relativa de alterações de BRCA1 em comparação com BRCA2.

Critérios para realização do teste genético

São indicados para o exame os indivíduos com história pessoal ou familiar de parentes de primeira até a terceira geração com quaisquer dos seguintes critérios:

Estima-se que de um a cada 400 indivíduos e uma a cada 800 pessoas possuam a mutação no BRCA1 e BCRA2, respectivamente

O teste é feito em laboratórios especializados a partir de um exame de sangue ou saliva e com indicação médica. Ele pode ser realizado pela rede particular ou pela cobertura do plano de saúde, caso o paciente preencha os critérios do Rol da ANS. O resultado sai num período de 30 a 40 dias. Nele é possível identificar se foi encontrada alguma alteração genética que explique o quadro do paciente e/ou de seus familiares. Caso seja encontrada uma mutação patogênica em algum dos genes pesquisados, avaliamos as estimativas de risco para os tipos de câncer relacionados.

A partir da identificação de uma predisposição hereditária ao câncer são adotadas medidas para rastreamento da doença com exames periódicos, objetivando a detecção precoce. Para alguns genes, há ainda indicação de cirurgias profiláticas redutoras de risco como, por exemplo, a mastectomia e ooforectomia bilateral (retirada dos ovários). É importante lembrar que uma vez que foi detectada uma predisposição ao câncer para o paciente, é necessário que toda a família seja avaliada.

Angelina Jolie  

Sabendo que a excelente atriz tinha o teste positivo para mutação de BRCA1 (sua mãe faleceu devido a um câncer de mama), e, portanto, um risco imenso de desenvolver tanto câncer de mama (até 85% ao longo da vida) quanto câncer de ovário (50% ao longo da vida), ela decidiu se adiantar e realizar a prevenção.

Ela optou pela mastectomia profilática bilateral, onde é retirada toda a glândula mamária, mas poupada a pele e mamilo, e colocada prótese bilateral. Com isso, o risco de ela desenvolver um câncer de mama diminui em mais de 90%. Sobrava ainda a ameaça de câncer de ovário, para o qual ela teria a opção de retirada cirúrgica dos ovários, que também realizou. Normalmente, em casos como este, se recomenda que a retirada dos ovários ocorra somente depois que a mulher tenha tido seus filhos.

O que o artigo dela tem de fantástico é a abordagem, por uma pessoa conhecida no mundo todo, sobre um tema que não pode ser tabu e que deve sim invadir nossas casas para que todos possam se informar e pensar sobre isso. Como Angelina Jolie mesma diz, ela continua se sentindo e sendo tão feminina quanto sempre foi, e, certamente, continuará com uma vida ativa, produtiva e feliz.

Esperamos que a ciência continue a pesquisar e descobrir novos genes de forma a prevenir essa doença que leva a um comprometimento da saúde das mulheres do mundo!

Se escrevo agora sobre isto é porque espero que outras mulheres possam se beneficiar de minha experiência", afirmou. "Decidi não manter minha história em segredo porque há muitas mulheres que não sabem que poderiam estar vivendo sob a sombra do câncer. Tenho a esperança que elas, também, sejam capazes de realizar exames genéticos e que, se tiverem um alto risco, saibam que há mais opções."
"A vida está cheia de desafios. Os que não devem nos dar medo são os que podemos enfrentar e podemos controlar."
Angelina Jolie

 

*Silvio Kurbet

Médico formado pela Faculdade de Medicina do ABC com pós-doutorado pela Universidade de São Paulo e Articulista do Portal Trevoo. Especializado em Mastologia, a qual exerce desde 1992 com grande experiência na arte de tratar a paciente e a doença.

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