Esqueça a ideia de que transtorno alimentar é coisa de menina magra

Quando se fala em anorexia nervosa, as pessoas automaticamente tendem a imaginar uma jovem magérrima, que parece fraca e desnutrida. Porém, cuidado.

Jairo Bouer Publicado em 03/08/2020, às 16h40

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Quando se fala em anorexia nervosa, as pessoas automaticamente tendem a imaginar uma jovem magérrima, que parece fraca e desnutrida. Porém, cuidado. Quando se trata de transtornos alimentares, as aparências podem enganar bastante. Isso pode fazer com que o diagnóstico ocorra apenas quando os casos estão muito avançados, o que dificulta o tratamento e controle da condição.

O alerta acima, repetido por muitos especialistas nesse tema, acaba de ganhar o reforço de um grande estudo feito no Hospital Infantil Benioff, da Universidade da Califórnia, nos EUA. A equipe, liderada pelo especialista em medicina do adolescente Jason Nagata, analisou dados de quase 15 mil garotos e garotas acompanhados por sete anos.

A conclusão do estudo é clara: comportamentos alimentares inadequados, que podem evoluir para transtornos alimentares graves, afetam jovens independente de peso, sexo, orientação sexual, raça ou etnia. E, com frequência, passam despercebidos por pais e médicos, pois a aparência desses adolescentes não tem nada de anormal.

Cerca de metade dos pacientes com anorexia nervosa está com peso normal ou acima do ideal, segundo os pesquisadores. Mas transtornos alimentares não se resumem a querer perder peso. Hoje, para muitas mulheres, não basta ser magra. É, preciso, também, ter “barriga tanquinho”. As magrinhas, que já sonhavam com mais curvas, passaram a lutar para ter músculos bem delineados.

A pressão para os garotos também aumentou. Eles, agora, não sonham só com bíceps e tórax volumosos, mas também com veias saltadas. Basta dar uma olhada nas buscas do Google relacionadas ao tema. E quando a ideia é ter corpo de fisiculturista, não basta malhar muito, evitar doces, frituras e sanduíches. Uma grande quantidade de proteínas, com aminoácidos de diferentes nomes, precisam entrar na dieta em horários específicos, o que só é possível com suplementação e disciplina rígida.

Essa obsessão com músculos também pode virar doença: o transtorno dismórfico corporal. Para a pessoa, o espelho nunca agrada, por mais que todo mundo diga que ela está ótima e que um pedaço de pizza com os amigos não vai fazer mal. Além de se isolarem, esses jovens podem até desenvolver quadros de insuficiência cardíaca por excesso de esforço associado à privação calórica.

A pesquisa americana, publicada no International Journal of Eating Disorders, mostra que 22% dos homens e 5% das mulheres de 18 a 24 anos se esforçam para ganhar peso e/ou músculos. Para isso, cultivam hábitos arriscados: tomam suplementos pouco testados e fiscalizados; usam esteroides anabolizantes; e se privam de gorduras e carboidratos.

Aqui vale outro alerta, já que muita gente acha que cortar gorduras e carboidratos é algo positivo, quase uma obrigação. Esses nutrientes também são essenciais para o organismo, e não podem ser restringidos sem orientação de um profissional. E mais: sucos miraculosos “detox’, dietas para limpar o fígado e tantas outras maluquices que invadem a internet com uma falsa aparência de saudáveis também podem ser arriscados. Restrições alimentares podem levar a deficiências nutricionais graves, que afetam o cérebro, o humor e o crescimento dos jovens, quando não colocam a vida deles em risco.

Os especialistas avisam que a pandemia tem exacerbado muito os casos de transtornos alimentares. Com a rotina alterada e mais tempo em casa, muita gente perdeu o controle sobre a alimentação e os exercícios. Sem desgrudar dos eletrônicos, os corpos perfeitos exibidos nas mídias sociais aumentam a sensação de culpa, e muitos apelam para medidas drásticas, como vômitos, jejuns, laxantes, diuréticos e anorexígenos. Também podem abusar do álcool para tentar aliviar todo esse estresse (mas sem comer, para compensar as calorias da bebida, o que é ainda mais perigoso).

Para quem tem filhos adolescentes, a dica é aproveitar que a turma está mais perto para fazer refeições em família. Esse hábito antigo é uma das principais recomendações dos médicos especializados em transtornos alimentares. Outro conselho para os pais é ficar de olhos nos próprios hábitos, cobranças e críticas. E, se desconfiarem que algo não vai bem, não demorem nem hesitem em buscar ajuda especializada.

*Texto extraído da coluna do Dr. Jairo Bouer no UOL

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