Covid-19: peguei de novo? Pode ser!

Será mesmo possível que, com uma “segunda onda” e com o prolongamento da pandemia do novo coronavírus no Brasil e no mundo, cada vez mais gente vai ter a

Jairo Bouer Publicado em 19/11/2020, às 06h00 - Atualizado às 18h58

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Será mesmo possível que, com uma “segunda onda” e com o prolongamento da pandemia do novo coronavírus no Brasil e no mundo, cada vez mais gente vai ter a infecção mais do que uma única vez? Se sim, qual o limite? Duas? Três? Inúmeras?

Embora ainda existam muitas dúvidas sobre a imunidade ao novo coronavírus, a reinfecção parece ser uma possibilidade cada vez mais concreta.

Thyago Vanderlinde: Covid-19 “de novo” (Crédito: Arquivo pessoal)

Se acha “protegido” e vai para a balada

Em abril, Thyago Vanderlinde, 32 anos, doutorando em genética na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), acordou prostrado, com febre e um forte quadro gripal. Poucos dias antes havia “ficado” com alguém que conheceu em um aplicativo de encontros. Morando sozinho, ele só saía de casa usando máscara, fugia de aglomerações e frequentava o laboratório da universidade uma vez por semana (quando ninguém mais estava lá). No entanto, assim como para outros adultos jovens, ficar sem sexo durante toda a pandemia é um desafio difícil de ser seguido à risca.

O que mais incomodou Thyago foi a confusão mental: “Não conseguia me concentrar em nada, ler um texto, usar os controles mais básicos do computador. Essa foi a pior parte!”. A perda do olfato e do paladar durou cerca de cerca de 15 dias, coincidindo com o período de reclusão em casa. “Na época, apesar dos sintomas claros, a orientação era não sair de casa para fazer teste”, completa Thyago, que não teve a primeira infecção documentada por um exame diagnóstico.

Há uma semana, acreditando ainda estar “protegido”, decidiu ir com uma amiga a uma balada em Ipanema que, como tantas outras, voltou a abrir no Rio. “Ambiente fechado, cerca de 100 pessoas e ninguém, à exceção dos funcionários, estava usando máscara”, diz ele. Três dias depois, acordou novamente sem olfato e sem paladar, muito cansado, com sono, dores pelo corpo e falta de apetite. Foi ao centro de testagem da UFRJ e, dessa vez, testou positivo para Covid-19 (antígeno, anticorpos e PCR). A amiga com quem foi à balada também apresentou sintomas e aguardava o resultado do teste até o fechamento deste texto.

“Acreditava que tinha menos risco de me infectar novamente menos de 6 meses depois da primeira. Dessa vez está mais tranquilo, mas é duro voltar a ficar 15 dias confinado”, reclama.

O caso da estudante Danielle Cristina Souza pode ser classificado como reinfecção, segundo critérios do Ministério da Saúde (Crédito: Arquivo Pessoal)

Fadiga do isolamento e jantar com amigos

Apesar de casos comprovados de reinfecção ainda serem pontos fora da curva, não é difícil encontrar pessoas com histórias semelhantes. Com mais infectados saindo da fase mais efetiva de proteção dos anticorpos, que parece ser transitória (de 3 a 6 meses, segundo apontam alguns estudos), esse fenômeno pode se tornar mais frequente daqui para frente. O esgotamento emocional da população em relação às medidas de restrição de contato social, somado à percepção de que quem já teve uma infecção está mais protegido, pode estar colaborando para o surgimento de mais casos suspeitos de reinfecção.

Gabriela (nome fictício), 37 anos, funcionária da Fiesc (Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina), descobriu que estava com Covid no início de julho, quando a enteada de 20 anos testou positivo. “Tive sintomas leves, com um pouco de dor de cabeça e de garganta, além de perda de apetite e paladar. Fiz o PCR e também veio positivo. Meu marido que mora com a gente não se infectou”, diz ela.

Também acreditando estar “protegida”, em meados de setembro, cerca de dois meses depois da infecção, ela organizou em sua casa um jantar para quatro casais de amigos, incluídos aí ela e o marido. Alguns dias depois, um dos amigos ligou para contar que testou positivo. Em seguida, mais um casal também teve o mesmo resultado.

Dia 29 de setembro, quase dez dias depois do jantar, ela acordou gripada, abatida e novamente sem olfato e paladar. O médico do SUS, onde seu prontuário já trazia o PCR anterior positivo, pediu outro exame só para “desencargo de consciência”. E bingo! Novamente positivo. “Dessa vez o quadro foi bem mais intenso e até hoje (meados de novembro), ainda luto com a questão de não sentir direito gostos e cheiros”, completa ela.

Difícil confirmar, apesar dos indícios

Segundo a infectologista Romina Oliveira, consultora técnica em doenças infecciosas em Brasília, do ponto de vista técnico é difícil confirmar que os casos citados acima, mesmo que sugestivos, sejam realmente de reinfecção. Pela última nota técnica do Ministério da Saúde (de 30/10/2020), baseada em critérios da OMS (Organização Mundial da Saúde), é necessário um intervalo de pelo menos 90 dias entre os dois exames para se descartar uma infecção persistente, e as duas infecções devem ser confirmadas com a realização do exame PCR. Em um nível mais técnico e acadêmico, especialistas ainda têm recomendado o sequenciamento genômico nas duas amostras de Sars-CoV 2 (que comprove se tratar de duas variantes distintas do vírus) para se confirmar a reinfecção.

Exames de Danielle deram positivo para Covid-19 em junho e em outubro (Crédito: Reprodução/Arquivo Pessoal)

Segunda vez foi mais grave

O caso de Danielle Cristina Souza, 20 anos, estudante, é um pouco diferente e poderia ser enquadrado dentro dos critérios de reinfeção adotados pelo Ministério da Saúde. No final de junho, trabalhando como operadora de caixa em uma rede de supermercados em Blumenau (SC), ela começou a apresentar muita tosse. “Achei que fosse por causa da bronquite, mas surgiram sintomas como febre e perda de olfato e paladar. Fiz o exame e veio positivo. O da minha mãe também deu positivo”. Ela afirma que usava máscara e álcool e gel o tempo todo e só se deslocava de casa para o trabalho, sendo que algumas vezes usava uma van da empresa para o transporte.

No fim de outubro, ela estava trabalhando como atendente em um café da família em Biguaçu (SC), quando começou a enfrentar febre alta (39 graus), falta de ar, dores para respirar, dores no corpo. “Mal conseguia me levantar da cama, passei meu aniversário em isolamento, sem olfato e nem paladar. Perto da segunda vez, a primeira foi uma gripezinha”. O exame de Danielle veio novamente positivo. Dias antes ela havia tido contato, dentro do café, com um com amigo que testou positivo. Ele tirou a máscara para tomar a bebida, mas ela estava protegida o tempo todo. “Não sei como me infectei dessa vez, era, de novo, de casa para o trabalho e do trabalho para casa”, afirma.

A infectologista Romina Oliveira, consultora técnica em doenças infecciosas em Brasília (Crédito: Arquivo Pessoal)

Para Romina, mesmo com a história de um diagnóstico positivo, a recomendação atual é que as pessoas mantenham o uso de máscara, sigam as medidas básicas de higiene e proteção, além de evitarem aglomerações. Ela ressalta que a imunidade ao novo coronavírus não é bem conhecida, pode variar muito de uma pessoa para outra e a segunda infecção pode ser mais grave do que a primeira.

“Tudo indica que a imunidade parece ser transitória e a gente não pode garantir que uma pessoa que se infectou está protegida por um determinado número de meses. Moral da história: tudo continua como antes e os cuidados seguem os mesmos”, conclui a infectologista. 

Enquanto não houver vacina, nem resposta definitiva sobre os riscos de reinfecção, mesmo quem já ficou doente precisa se cuidar e proteger os outros.

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