Primeiro vamos entender o que é o estresse. Nossa espécie como Homo sapiens surgiu há cerca de 190 mil anos; nos diferenciamos dos neandertais, adquirimos características físicas diferentes ao longo da evolução. Mas mesmo no mundo moderno, algumas reações não são aprendidas, podem ser chamadas de instinto, são adaptações que nosso DNA sofreu ao longo do tempo e que permitiram que sobrevivêssemos como espécie. Uma destas reações é o estresse.
O cortisol é um hormônio que produzimos em situação de estresse. Ele é responsável pela nossa sobrevivência ao perigo. Foi o cortisol que preparou nosso corpo para correr de um ataque de leões famintos, ou lutar com um inimigo.
Imagine que estamos no meu consultório, você levou uma amiga, Maria. No meio da consulta, apareceu uma cobra azul entrando pela porta. Caos, terror e pânico. No meu cérebro, não havia nenhuma informação sobre cobras azuis e fiquei olhando. No cérebro da sua amiga está a informação de que cobras são horríveis, e, especialmente, que cobra azul mata, que deve ter vindo da Austrália, onde tem muitos animais venenosos, que transmitem doença incurável e letal, que ela iria morrer. Num segundo, ela saiu correndo e em dois segundos estava no térreo gritando e pedindo socorro. Desmaiou.
O cérebro dela entendeu que era preciso fugir ou lutar para sobreviver e produziu uma quantidade enorme de cortisol que desencadeou uma reação que nos prepara para enfrentar o inimigo: aumenta a adrenalina, aumenta a frequência cardíaca, a pressão arterial e o calibre dos vasos nos músculos para que chegue mais sangue e mais oxigênio nos músculos para ajudar a correr ou lutar. Ativa todo o cérebro, pois sabe lá o conhecimento armazenado na memória que precisaremos usar para aquela situação.
Como precisamos de mais sangue nos músculos e cérebro, diminui o calibre dos vasos sanguíneos na pele, nos rins, no sistema digestório e todos os órgãos que não estão envolvidos na luta. Se estou sob ataque mortal quem precisa fazer digestão ou colágeno? Nessa hora, radicais livres são importantes, são os mensageiros de todo esse mecanismo.
Mas, no seu cérebro a informação que estava era que cobra azul é inofensiva e seu sonho sempre foi ter uma cobra azul como pet. Seu cérebro produziu endorfina e você ficou muito feliz, gentilmente pegou a cobra colocou numa caixinha para cobras que a nossa gerente, que tem um armário similar à bolsa da Mary Poppins, tinha guardada e ficou sentada esperando que eu fosse resgatar a Maria na portaria e voltasse ao consultório.
Cobra guardada, Maria parou de gritar, voltamos ao consultório. Problema resolvido. Consulta que segue.
Hora de arrumar a casa. Cortisol diminui, distribuição de sangue volta ao normal, adrenalina diminui, frequência cardíaca cai, pressão arterial abaixa. E até hormônios da felicidade são produzidos com a sensação de ter conseguido sobreviver. Problema resolvido, dá até sono e fome.
Só que não em muitos casos. Algumas pessoas continuam se sentindo em perigo. Maria, ainda em choque, resolveu ir embora. E se houver mais cobras? E se for uma infestação no Brasil? E se eu me sentei onde a cobra passou e eu estiver infectada? E se, e se, e se...
O cérebro continua enviando mensagens de perigo iminente e continua mantendo cortisol alto. Maria ainda com taquicardia, pressão alta, pálida, nem consegue mais dormir. O corpo todo fica em estado permanente de alerta. Enxurrada de radicais livres são produzidas e não há defesa antioxidante que seja suficiente: chegamos ao estresse oxidativo.
O cortisol alto por tempo prolongado mantém uma produção grande de radicais livres que acabam afetando tanto a produção quanto a qualidade do colágeno. Para que gastar energia com colágeno se estou sob ameaça?
Muito tem-se estudado sobre o eixo cérebro-pele e sabemos que muitas doenças de pele podem ser pioradas ou desencadeadas pelo estresse crônico. Falamos de psoríase, dermatites, acne e até câncer de pele.
O excesso de radicais livres promove reações químicas na pele, naturais no processo de envelhecimento, porém numa velocidade muito maior. Os radicais livres facilitam uma reação chamada glicação (AGEs - advanced glication end products), onde moléculas de glicose se ligam a proteínas como colágeno e elastina, alterando sua estrutura e funcionamento. Como consequência, temos uma pele menos elástica, menos resistente, como se fosse um processo de envelhecimento mais rápido.
As células produtoras de melanina também sofrem e passam a produzir mais pigmento que o normal, exatamente da mesma forma que reagem ao estresse causado pela radiação solar. Radicais livres podem também alterar o DNA das células (metilação), que pode passar a produzir proteínas de forma errada, dando origem ao câncer de pele.
Afinal, como fazer para interromper esse ciclo? Primeiro de tudo, por meio do autocuidado. Em momentos de estresse, pare, respire, olhe no espelho, olhe para sua pele, passe cremes, hidratantes... Um ritual simples antes de dormir pode reconectar você com você mesma a partir da pele. Existem cremes com substâncias antioxidantes como Vitaminas C, E, retinol e resvetratrol que agem dificultando o processo de glicação e oxidação na pele, retardando os efeitos de envelhecimento. Além disso, quando sob estresse, não nos preocupamos com alimentação, exercício físico ou hábitos saudáveis, isso tudo piora o estresse e reflete diretamente em nossa pele num grande ciclo vicioso.
Hora de arrumar e organizar os pensamentos. Dependendo do nível de estresse mental, uma ajuda psicológica ou até psiquiátrica pode ser necessária: seu corpo agradece. Ou então podemos ter algumas atitudes que ajudem nosso cérebro a sair deste ciclo:
Descansos: trabalhos mostram com análise de moléculas que descansos são importantes.
Minidescansos: ao longo do dia pare um pouco, olhe pela janela, alongue-se, saia da cadeira e vá buscar um copo de água, ouça uma música. Nanoexercícios foram descritos como positivos: 5 minutos de exercício físico qualquer. Agachamentos, subir um lance de escada, musculação, invente.
Mididescansos: saia do trabalho e faça alguma coisa prazerosa. No caminho de casa ouça sua música preferida, em casa, brinque com seus filhos, ligue para alguma amiga, passeie com o cachorro, vá à academia. Dê preferência a sair da rotina, o cérebro adora. Nos finais de semana, visite um parque diferente, um museu. Tente escolher uma atividade com gasto de energia.
Maxidescansos: uma ou duas vezes ao ano, desconecte-se. Nada de pensar em trabalho ou arrumar os armários da casa, escolha lugares diferentes para ir, companhias agradáveis, exercite olhar para o horizonte.
Meditação: não é coisa somente para monge budista, não tem de esvaziar a cabeça, nada disso. Meditação é pensar em uma única coisa, apenas um pensamento por um determinado tempo. Ao longo do dia temos cerca de 60.000 pensamentos atravessando nosso cérebro e com a meditação aprendemos a controlá-los. É um exercício de concentração, aprendizado.
Exercício físico: é o maior antioxidante que podemos oferecer ao nosso corpo. O exercício físico provoca equilíbrio na produção de cortisol e aumenta a produção de neurotransmissores de felicidade como dopamina e serotonina.
Ou seja, o controle do estresse é o antienvelhecimento da pele!
*Beatriz Lassance é cirurgiã llástica formada na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e com residência em cirurgia plástica na Faculdade de Medicina do ABC. Trabalhou no Onze Lieve Vrouwe Gusthuis, em Amsterdam, e é membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, da ISAPS (International Society of Aesthetic Plastic Surgery) e da American Society of Plastic Surgery, do American College of LifeStyle Medicine e do Colégio Brasileiro de Medicina do Estilo de Vida. Instagram: @drabeatrizlassance
Beatriz Lassance*
Cirurgiã plástica formada na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e residência em cirurgia plástica na Faculdade de Medicina do ABC. Trabalhou no Onze Lieve Vrouwe Gusthuis, em Amsterdam, e é membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, da ISAPS (International Society of Aesthetic Plastic Surgery) e da American Society of Plastic Surgery. Além disso, é membro do American College of LifeStyle Medicine e do Colégio Brasileiro de Medicina do Estilo de Vida. Instagram: @drabeatrizlassance
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