Os transtornos esquizofrênicos são distúrbios mentais crônicos e graves nas quais as pessoas com tais condições interpretam de modo errado a realidade, sendo a esquizofrenia um desses transtornos. As doenças do espectro esquizofrênico não apresentam sintomas que por si só determinam seu diagnóstico, mas são caracterizadas por distorções do pensamento e da percepção, por inadequação e embotamento do afeto (uma espécie de dificuldade de expressar as emoções ou reagir a elas). O paciente com qualquer desses transtornos não apresenta, inicialmente, prejuízos da capacidade intelectual, contudo, alguns comprometimentos cognitivos podem aparecer com o curso da doença.
A Classificação Internacional de Doenças vigente (CID-10) inclui no espectro da esquizofrenia o transtorno esquizotípico, os transtornos delirantes, psicóticos e esquizoafetivos e a esquizofrenia em si. Esta última, a depender de suas manifestações, pode ser classificada em diversos tipos, como paranoide, hebefrênica, catatônica, simples, residual, dentre outras. Já o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Academia Americana de Medicina (DSM-V) classifica as doenças do espectro esquizofrênico de outra forma, incluindo os transtornos delirante, psicótico breve, esquizofreniforme e esquizoafetivo, a psicose induzida por substâncias e a própria esquizofrenia. É sobre esta última que trataremos aqui.
A esquizofrenia, em si, é uma doença crônica incapacitante e pode fazer com que a pessoa por ela acometida tenha dificuldades nos estudos e no trabalho. Ela fundamentalmente se caracteriza por uma percepção distorcida da realidade, causando prejuízos na vida do paciente. Tão complicado quanto o próprio convívio com a doença é a psicofobia - o preconceito contra pessoas com transtornos mentais. A discriminação e o estigma relaciona a pessoas com esquizofrenia e outros transtornos mentais pode acentuar ainda mais as complicações da doença, acarretando especialmente o convívio e as relações sociais. Assim, compreender a esquizofrenia é fundamental para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas e melhorar as relações sociais.
A depender da forma como ela se manifesta, ela pode receber as diversas classificações conforme os critérios do CID-10 e do DSM-5. Além dos sinais e sintomas abordados mais à frente, a esquizofrenia pode estar associada a outras condições, como depressão e transtorno bipolar; com o uso de substâncias, como álcool, drogas e medicamentos; com a duração de suas crises e, mais raramente, com o compartilhamento dos delírios de outra pessoa.
Os primeiros sinais de esquizofrenia surgem geralmente na casa dos 20 anos, se manifestando até meados dos 20 anos em homens e até o final em mulheres, mas podem ser verificados, de modo geral, dos 15 aos 35 anos. Também é possível que a esquizofrenia comece a se manifestar durante a adolescência, mas o diagnóstico nesses casos pode ser confundido por questões próprias de tal fase, como falta de motivação, irritabilidade e queda no desempenho escolar. É incomum que sejam feitos diagnósticos tanto para crianças quanto para adultos com mais de 45 anos.
Não se sabe ao certo qual a causa específica da esquizofrenia, mas uma combinação de fatores pode explicar a influência no surgimento da doença. O principal fator de risco é de caráter genético, de modo que quem tem parentes de primeiro grau com esquizofrenia apresenta mais chances de também desenvolver a doença. Além disso, alguns fatores, como complicações na gestação ou no parto, infecções e doenças que possam comprometer o desenvolvimento do sistema nervoso durante o período gestacional, também são importantes bases adjuvantes da esquizofrenia. Algumas alterações bioquímicas de neurotransmissores podem, também, se relacionar à doença, como alterações nos níveis de dopamina e de glutamato, assim como o uso de substâncias psicoativas que alteram as funções cerebrais, como álcool e drogas.
Pacientes psicóticos, a exemplos daqueles com esquizofrenia, podem apresentar variados sinais e sintomas. Apesar de essas manifestações serem muito importantes e elucidarem o diagnóstico, ter alguma delas não significa que a pessoa tem, necessariamente, esquizofrenia, já que outros critérios são utilizados para sua confirmação diagnóstica. Esses sinais e sintomas podem ser agrupados com cinco domínios, como listados abaixo, e em cada um deles haver características e formas diferentes de sua manifestação.
É comum que pacientes com esquizofrenia relatem “roubo” de seu pensamento ou que algumas ideias foram incluídas em sua mente. Eles também podem apresentar certa falta de controle de seu corpo e de seus movimentos, além da falta de controle nos pensamentos. Ouvir vozes alucinatórias, fazendo comentários sobre o comportamento do paciente ou discutindo entre si, também são frequentes nesses casos.
Diferentemente do que habitualmente se pensa, a pessoa com esquizofrenia não é mais violenta do que outras pessoas. Esse aspecto está muito mais relacionado à história de vida da pessoa do que com a doença. O principal risco relacionado à violência na esquizofrenia é ao próprio paciente que, numa crise aguda, tem mais risco de tentar suicídio.
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Não há exame específico para confirmar ou descartar o diagnóstico de esquizofrenia, que é feito por médico psiquiatra. O especialista, com base nos sinais e sintomas e por meio de uma conversa com o paciente e seus familiares, consegue estabelecer critérios que possibilitam esse diagnóstico com mais precisão. Neste sentido, ele leva em conta os fatores hereditários, ambientais, comportamentais e também temporais. Assim, é necessário uma compreensão mais ampla da vida do paciente, assim como dos sinais e sintomas que ele apresenta, para que o diagnóstico seja conclusivo.
Os critérios de diagnóstico incluem a presença de delírios, alucinações ou discurso desorganizado; redução do desempenho no trabalho, nas relações sociais ou no autocuidado; sinais de perturbação por pelo menos seis meses, dentre outros. É a avaliação quantitativa dos sinais e sintomas apresentados pela pessoa que determina a gravidade de sua condição, não sendo essa classificação para que seja dado o diagnóstico da esquizofrenia.
O tratamento para a esquizofrenia é composto por abordagens medicamentosas e terapia que ajudam a melhorar a qualidade de vida do paciente. Os medicamentos, chamados antipsicóticos, são geralmente administrados de forma contínua para evitar ou controlar as crises. Eles reduzem os sintomas na fase aguda da doença e evitam que novos episódios aconteçam. Já a terapia segue de modo mais frequente a linha cognitivo comportamental e é aplicada por psicólogos, cujo objetivo principal é facilitar a socialização e a integração do indivíduo com a sociedade. Também pode ser feito tratamento ou acompanhamento com terapeuta ocupacional, grupos de convivência e intervenções familiares, dentre outros.
A pessoa com esquizofrenia pode ser acompanhada em Unidades Básicas de Saúde (UBS ou “postinho”, como são popularmente conhecidos), Centros de Atenção Psicossocial (Caps), ambulatórios e consultórios médicos. Em casos agudos ou de crises, o paciente também pode ser atendido em Unidades de Pronto Atendimento (UPA), prontos-socorros hospitalares, serviços de atendimento móvel de urgência (Samu) e hospitais, especializados em condições psiquiátricas ou não. Em casos graves e nos quais não há resposta aos tratamentos, a hospitalização pode ser indicada.
Cerca de um terço dos pacientes com esquizofrenia evoluem bem com a doença, apresentando considerável ou total recuperação, enquanto outro terço apresenta redução da manifestação dos sinais, com prejuízo parcial em sua vida cotidiana. Outra parcela, entretanto, apresenta considerável redução das habilidades sociais, profissionais e afetivas em decorrência da esquizofrenia.
O acompanhamento com o psiquiatra é fundamental para que o delineamento do tratamento seja o mais adequado conforme o caso do paciente. Com isso, o paciente consegue desenvolver suas atividades normalmente, como trabalhar, se engajar socialmente, ter relacionamentos e se envolver com a família com pouca ou nenhuma deficiência. A manutenção do tratamento e da boa condição de saúde da pessoa com esquizofrenia também requer que ela não consuma álcool e outras drogas, que podem agravar sua condição. Os familiares e amigos da pessoa com esquizofrenia também são pontos de apoio importantes para melhorar a qualidade de vida dela.
Segundo dados da Organização Pan-Americana de Saúde, cerca de 23 milhões de pessoas em todo o mundo são afetadas pela esquizofrenia e no Brasil esse número chega a dois milhões. Dados da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Pessoas com Esquizofrenia (Abre), por sua vez, estimam que 0,7% da população brasileira seja acometida com a doença.
Em artigo publicado em 2016 sobre as consequências econômicas relacionadas à esquizofrenia, pesquisadores destacaram que ela está entre as 25 principais doenças incapacitantes do mundo, mesmo com uma prevalência de quatro em mil pessoas no mundo - isto é, de cada mil pessoas, em média quatro apresentam esquizofrenia.
*Leo Fávaro é acadêmico de Medicina da Universidade Federal do Espírito Santo
Léo Fávaro
Ex-advogado, jornalista e, atualmente, acadêmico de Medicina da Universidade Federal do Espírito Santo. Escreveu por bastante tempo sobre música, cultura pop e moda, e atualmente se dedica a escrever sobre saúde. Está nas redes sociais como @leofavaro