Léo Fávaro* Publicado em 31/03/2021, às 22h12
Primeiro, o estresse para a aprovação em um dos vestibulares mais disputados no Brasil. Depois, a preocupação com notas, com a grande quantidade de matéria e com a falta de tempo para dormir e até mesmo para estudar. Um estudo publicado recentemente no Brazilian Journal of Psychiatry mostrou como anda a saúde mental dos alunos de medicina no país e acendeu uma luz de alerta para casos de depressão, ansiedade e estresse causados ou potencializados por questões acadêmicas.
“A pesquisa surgiu após observarmos em estudos anteriores a prevalência e incidência de sintomas de depressão, estresse e ansiedade entre nossos estudantes de medicina e as modificações destas ao longo do curso”, explica Oscarina Ezequiel, professora associada da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e coautora da pesquisa. O estudo foi realizado numa faculdade pública de Medicina do sul do país entre junho de 2015 e dezembro de 2018 e foi publicada em janeiro deste ano.
Os estudantes responderam três questionários. No primeiro deles, foi feito levantamento sociodemográfico, com informações como idade, sexo, renda familiar, situação profissional e em qual ano da faculdade ele estava. O segundo teste, Depression Anxiety and Stress Scale - 21 (DASS-21), foi usado para medir e diferenciar níveis de estresse, depressão e ansiedade experimentadas nos últimos sete dias. Por fim, a ferramenta Medical Student Stress Factor Scale (MSSF) foi criada no próprio estudo para fazer um levantamento das principais fontes de stress relatadas pelos estudantes. A criação do MSSF se deve ao fato de não haver outros testes como esses aplicáveis no Brasil, ainda que outros países tenham ferramentas nesses moldes, adaptados para sua realidade cultural e acadêmica.
De 767 estudantes da instituição, 431 participaram da pesquisa. Em relação ao perfil sociodemográfico, predominavam brancos (67,5%), desempregados (98,4%), mulheres (55,2%) e pessoas com renda familiar superior a cinco vezes o salário mínimo brasileiro (51%). A média de idade dos participantes do estudo era de 21,72 anos e a maioria estava no primeiro ano de curso (23,4%), enquanto alunos do internato, isto é, dos dois últimos anos de curso representaram 22,6% da amostra.
O estudo evidenciou que o estresse é a condição de saúde mental mais recorrente dentre os alunos, seguida de depressão e ansiedade. Além disso, também mostrou associação entre o sexo feminino e ansiedade e estresse, sugerindo que as mulheres são mais suscetíveis a esses quadros. Uma análise separada incluindo alunos do 1º ao 4º ano de curso num grupo e, em outro, alunos de 5º e 6º ano mostrou que três dos cinco principais fatores estressores eram os mesmos para ambos os grupos: extenso conteúdo, falta de tempo para estudar e privação de sono. No entanto, os alunos juniores relataram autocobrança excessiva para boas notas e preocupação com avaliações, enquanto os alunos finalistas relataram falta de lazer e falta de tempo com família e amigos como outras fontes principais de stress.
A publicação da pesquisa também mostrou como as fontes de estresse se relacionam com as vivências e percepções dos estudantes. Fatores como relação com os pares, falta de tempo para estudar e falta de motivação têm uma forte associação com depressão, enquanto a ansiedade se relaciona mais com pressão familiar, notas inferiores a dos colegas e a realização de avaliações. As principais situações que desencadeiam sintomas de stress, por sua vez, encontraram significância na dificuldade de compreender o conteúdo, no relacionamento com os familiares, na falta de tempo de estudo e nas notas inferiores aos colegas. Nas três condições clínicas, a associação com aspectos da saúde mental foi significativa.
O estudo possibilitou notar semelhanças e diferenças entre estudantes de medicina do Brasil e de outros países. O perfil brasileiro se assemelha mais a estudantes holandeses e paquistaneses e se difere mais dos alunos canadenses, considerando os principais fatores estressores relatados por cada grupo. Um ponto em comum entre todos eles são as provas realizadas durante a formação médica, apontadas como uma das principais fontes de estresse.
Os estudantes brasileiros apresentam elevados índices de depressão, ansiedade e sintomas de stress. Esses valores são maiores do que aqueles experimentados por estudantes de uma faculdade pública de medicina norte-americana citada na pesquisa e, ainda que altos, inferiores àqueles verificados em pesquisas no Paquistão e na Síria. Assim como relatado em outras pesquisas e na literatura médica, o estudo mostrou que os estudantes dos anos iniciais de medicina têm mais sintomas de comprometimento mental do que estudantes finalistas.
Ainda que o estudo tenha sido feito com uma amostra pequena, tendo em vista que o Censo da Educação Superior de 2018 tenha registrado 167 mil estudantes de medicina no Brasil, Oscarina acredita na possibilidade de estender os resultados a outros estudantes. “Considerando os achados do estudo e sua coerência com a literatura, entendemos que é possível generalizar seus achados. No entanto, é necessário que se amplie este estudo para outras populações, levando em conta que em cada realidade temos diferentes tipos de currículos além de peculiaridades individuais da população”, explica.
Muitos fatores estressores evidenciados na pesquisa são velhos conhecidos das instituições de ensino. Mas, então, como elas se perpetuam? Oscarina explica que muitas questões são inerentes às relações interpessoais, ao ambiente de aprendizagem e ao próprio indivíduo. “Ao ingressar no curso médico o aluno passa por muitas mudanças em seu cotidiano com aumento de responsabilidades. Muitos deixam a casa dos pais para morar sozinhos, precisam administrar os próprios recursos financeiros enquanto estudam e participam das intensas atividades curriculares formais e informais. Tudo isso é agravado por um ambiente competitivo pela pressão para o bom desempenho acadêmico, o que pode contribuir negativamente para afetar os hábitos e comportamentos”, explica a Vice-Coordenadora do Núcleo de Apoio às Práticas Educativas da UFJF. “As consequências disso são prejuízos do rendimento acadêmico, menor envolvimento geral com a formação e dificuldades de cunho pessoal”, completa.
Além das questões de cunho pessoal, muitos aspectos são difíceis de serem modificados, como o extenso conteúdo do curso, a realização de provas e o pouco tempo para lazer ou estudo. Oscarina afirma que mesmo não tendo havido mudança nesse cenário, não se pode banalizá-lo. “Precisamos criar fóruns de discussões em nossas instituições, envolvendo docentes, estudantes, técnicos e gestores, que permitam reflexões e busca de soluções coletivas para um problema de tamanha complexidade”, afirma.
Aspectos como esses, a propósito, não ocorrem apenas nos cursos de medicina, sendo comuns a outras graduações e em seus ambientes de aprendizagem. Sobre a possibilidade de aplicar o MSSF a outro público que não os acadêmicos das ciências médicas, a pesquisadora compreende que é possível, mantendo-se o cuidado de se considerar os diferentes contextos e as análises estatísticas que permitam ver como o instrumento se comportou para estas populações. Isso abre um caminho positivo para, primeiramente, compreender as causas e, então, mudar o cenário.
Neste sentido, o estudo chama a atenção para a necessidade de intervenção por parte das instituições a fim de promover um ambiente melhor para os estudantes, observando tanto os aspectos curriculares, como a postura ética dos professores e aplicação de avaliações justas, quanto extracurriculares, a exemplo de trotes, discriminação e leniência da instituição em relação a essas e outras condutas inadequadas. “Reconhecer os fatores estressores nos possibilita compreender, enquanto educadores, os desafios e definir estratégias junto com nossos estudantes, buscando ambientes de aprendizagem mais adequados, bem como desenvolvendo ações individuais e coletivas que permitam o enfrentamento das tensões e melhor adaptação dos estudantes”, finaliza Oscarina. Afinal, a saúde mental dos estudantes não é menos importante do que qualquer diploma.
*Leo Fávaro é jornalista e acadêmico de Medicina da Universidade Federal do Espírito Santo.