Cármen Guaresemin Publicado em 20/07/2021, às 14h10
Deixar para engravidar após os 30 anos é uma tendência que está virando regra entre as mulheres - e com as brasileiras não é diferente. Esse comportamento engloba motivos como investir na carreira e nos estudos ou não ter encontrado ainda um(a) companheiro(a). E, claro, no último ano, o medo de engravidar durante a pandemia de uma nova doença também adiou muitos planos.
Um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que o adiamento da gestação é uma realidade. Entre 2009 e 2019, houve um crescimento de 63,6% entre o número de mães na faixa etária de 35 a 39 anos; entre aquelas com idade entre 40 e 44 anos, a alta foi de 57% no mesmo período; e aumentou em 27,2% até mesmo o número de mães de 45 a 49 anos. Por outro lado, os partos entre jovens com até 19 anos caíram 23%, enquanto entre 20 e 29 anos reduziram 8,4%.
Porém, o que muitas mulheres não sabem, ou se esquecem, é que, com a idade e o envelhecimento ovariano, engravidar pode se tornar algo mais complicado e difícil, tornando necessário até mesmo tratamentos como fertilização in vitro. Isso ocorre porque, atualmente, mesmo com uma idade mais avançada, as mulheres mantêm uma aparência física jovial, mas o mesmo não ocorre com os ovários, pois eles refletem a idade cronológica, e não importa quão jovem ela pareça, os óvulos envelhecem com o passar dos anos. Deste modo, podemos falar que o motivo mais comum de infertilidade feminina hoje em dia é a idade.
O envelhecimento ovariano pode ser definido como a perda da saúde reprodutiva dos ovários e óvulos (oócitos) e está associado a um declínio no número de folículos ovarianos. Os hormônios tornam-se insuficientes, falta ovulação e a fertilidade diminui. As menstruações se tornam irregulares, depois escassas, vão cessando gradualmente e, finalmente, desaparecem completamente de forma irreversível. Este fenômeno é conhecido como menopausa e, geralmente, ocorre em uma idade média de 51 anos.
Em circunstâncias normais, a diminuição acentuada da função ovariana começa entre 45 e 50 anos de idade. Se a mulher tiver esta perda aos 40 anos, ocorre o chamado envelhecimento precoce do ovário ou insuficiência ovariana. O ovário começa a não funcionar adequadamente, tanto como órgão endócrino quanto como órgão reprodutivo. Isto é o envelhecimento ovariano prematuro. Após os 45 é esperado declínio natural da função ovariana com o passar dos anos, o que é chamado de perimenopausa ou transição da menopausa.
As mulheres não fazem novos óvulos após o nascimento. A reserva ovariana decresce com a idade e, para algumas, a fertilidade já começa a diminuir a partir dos 30 anos. O grau de declínio varia de mulher para mulher, mas, na maioria das vezes, este envelhecimento começa após os 35 anos e permanece de forma contínua até a menopausa.
Porém, não é apenas a idade que pode prejudicar a fertilidade. Há vários outros fatores. Confira os principais:
O cigarro é um dos principais causadores da infertilidade, pois os inúmeros componentes tóxicos nele presentes, como a nicotina e o alcatrão, pioram severamente a qualidade reprodutiva. O tabagismo é capaz de favorecer a deterioração dos óvulos, envelhecendo-os em até dez anos e acelerando o início da menopausa, o que é especialmente prejudicial hoje em dia, quando elas estão querendo engravidar cada vez mais velhas. Mulheres fumantes também podem apresentar maior incidência de irregularidade menstrual e amenorreia (falta de menstruação). A fertilidade é reduzida em 25% nas que fumam até 20 cigarros ao dia, e 43% naquelas que fumam mais de 20 cigarros, ou seja, o declínio da fertilidade tem relação direta com a dose de nicotina.
Assim como o cigarro, a ingestão excessiva de álcool também pode interferir na fertilidade feminina. Além de reduzir as chances de gravidez, a substância pode permanecer por um certo período no organismo após o consumo e causar problemas durante a gestação, como malformação do feto e síndrome de abstinência no recém-nascido.
O estresse pode dobrar o risco de infertilidade nas mulheres. Segundo uma pesquisa, mulheres com níveis elevados de estresse tinham 29% menos probabilidade de engravidar se comparadas às demais. Segundo os pesquisadores, foi a primeira vez que se mostrou clinicamente e de forma significativa como o estresse é associado a um risco maior de infertilidade entre as mulheres. O conselho dos cientistas para acabar com o estresse foi muito simples: que as mulheres conseguissem de 20 a 30 minutos em sua vida para fazer algo simples, como caminhar ou mesmo ioga ou meditação, para relaxar.
Alguns medicamentos, como antidepressivos, podem causar o desequilíbrio dos níveis hormonais, levando assim à diminuição da fertilidade, o que geralmente é resolvido simplesmente pela suspensão do uso do remédio. Porém, em alguns casos, o dano pode ser irreversível, como em pacientes que passaram por quimio e radioterapia, já que algumas substâncias utilizadas nesses tratamentos podem levar à perda da função das gônadas, como os ovários, o que, consequentemente, causa infertilidade, que pode ser permanente ou temporária. Por isso, é importante que o oncologista sempre alerte a paciente que ela pode congelar os óvulos antes de iniciar o tratamento.
Nem acima, nem abaixo do ideal: além de favorecer o surgimento de doenças como diabetes e hipertensão, que podem causar problemas durante a gestação, a obesidade também possui influência direta sobre a fertilidade. Nas mulheres, o peso inadequado interfere na produção dos hormônios sexuais femininos, principalmente o estrogênio, o que, consequentemente, atrapalha o processo de ovulação. E, nesse caso, não se trata apenas da obesidade, já que mulheres excessivamente magras, como as que sofrem de anorexia, também têm menor chance de engravidar, além de possuírem um risco maior de entrar na menopausa precocemente.
Mudanças ambientais têm preocupado autoridades no mundo todo. Muitas delas têm sido causadas pela evolução tecnológica, gerada pelo próprio homem e interferindo no bem-estar das pessoas, agredindo vários órgãos do corpo humano, causando problemas de saúde e, claro, prejudicando a fertilidade dos casais, fato que tem sido demonstrado por meio de experiências laboratoriais realizadas em animais.
Embora muitos desses efeitos maléficos não sejam comprovados no ser humano, existem evidências que sugerem a interferência negativa de substâncias na fertilidade. Entre elas estão solventes, tintas, bisfenol, formaldeídos etc. Anos atrás, a US National Survey of Family Goowth realizou um levantamento sobre casais que tinham dificuldade em engravidar e, surpreendentemente, observou um aumento maior destes problemas em casais mais jovens com menos de 25 anos (42%). Comparado com um aumento de 12% em casais entre 25 e 34 anos e de 6% para casais entre 35 a 44 anos.
Isto, segundo a publicação, poderia sugerir que as alterações ambientais nos últimos anos prejudicam mais os casais jovens por terem sido expostos a estas substâncias tóxicas em um período de vida mais precoce. São várias as substâncias, mas as mais conhecidas e discutidas são dioxinas, furano (contaminante) e PCBs (Bifenilos Policlorados), além da gordura trans.
O sono é fundamental para o bom funcionamento da hipófise, glândula presente no cérebro que é responsável pela produção de uma série de hormônios, inclusive daqueles responsáveis pela estimulação dos ovários. Logo, quando o período de repouso é curto ou de pouca qualidade, essa glândula não funciona da maneira como deveria, o que, consequentemente, interfere na fertilidade.
A prática de exercícios físicos é indispensável para a manutenção da saúde e para o bom funcionamento do organismo. No entanto, tudo em excesso faz mal, o que também vale para a realização de atividade física. Isso porque o excesso de exercícios físicos também prejudica o funcionamento da hipófise e, por consequência, os níveis dos hormônios envolvidos na fertilidade. Além disso, muitas pessoas que realizam atividade física intensiva fazem uso de medicamentos que simulam os efeitos da testosterona como forma de acelerar o ganho de massa muscular, o que pode causar desequilíbrios hormonais e dificuldade no crescimento do endométrio em mulheres, reduzindo as chances de gravidez e aumenta os riscos de aborto.
Um estudo feito nos Estados Unidos demonstrou que quanto mais gordura trans o ser humano consumir, maior será a chance de ter problemas de fertilidade. Segundo a publicação, para cada 2% de aumento na quantidade de calorias de gordura trans que uma mulher consome, no lugar de carboidratos, há um aumento de 73% no risco de infertilidade. Se o ômega-6 poli-insaturado, a gordura mais saudável que ingerimos, for substituída por gordura trans, a infertilidade aumenta para 79%.
A gordura trans está também relacionada com vários problemas de saúde, como níveis elevados de colesterol, doença cardíaca coronariana, obesidade e diabetes. É encontrada em óleos vegetais processados, comumente usados em margarinas, pizzas, bolachas, biscoitos, bolos, tortas e na maioria dos assados processados. Este tipo de gordura não tem nenhum benefício nutricional e pode ser substituído por outros mais saudáveis, pois o único objetivo de sua utilização é prolongar a vida dos alimentos nas prateleiras dos supermercados. Portanto, invista em uma alimentação saudável. A dieta mediterrânea tem se mostrado uma grata opção.
Um trabalho conduzido pelo National Institute of Health dos Estados Unidos verificou que um nível abaixo do recomendado (30 ng/ml) em mulheres pode interferir nas tentativas de concepção de um filho. As que estavam acima desse nível tinha 10% de chances a mais de engravidar e um risco 15% menor de aborto espontâneo. A própria atuação da vitamina D no sistema imunológico também pode ter impacto na concepção. Isso pode evitar que a gestante rejeite a implantação do embrião, tanto na fertilização in vitro quanto na gravidez espontânea.
No Brasil e no mundo, o congelamento de óvulos tem se tornado, ano a ano, mais popular, mas nunca havia experimentado um aumento tão expressivo como agora. Para muitas pessoas que se mantiveram estáveis financeiramente, a pandemia foi um modo de acumular algum dinheiro a mais na conta (na falta de viagens e dificuldades na realização de procedimentos estéticos), de forma que grande parte usou disso para reorganizar as prioridades, apostando na preservação da fertilidade.
Muitas mulheres já estavam congelando seus óvulos por motivos médicos, seja porque estavam passando por quimioterapia, que pode reduzir a fertilidade, ou por um problema de saúde como a endometriose, que pode afetar negativamente a capacidade de engravidar.
Talvez porque a técnica tem se tornado mais conhecida de uns anos para cá, elas passaram a congelar seus óvulos simplesmente porque ainda não se sentem prontas para ter um filho, querem dedicar mais tempo à vida profissional ou ainda não encontraram a pessoa com quem querem ter filhos.
Nos Estados Unidos, em 2009, apenas 475 mulheres congelaram seus óvulos, de acordo com a Society for Assisted Reproductive Technology, ao passo que, em 2018, o número saltou para 13.275 mulheres que passaram pelo procedimento, um aumento de 2.695%.
Porém, a pandemia e a possibilidade de home office causaram um ‘boom’ na procura pelo procedimento, que requer idas recorrentes ao consultório.
A criopreservação é uma técnica de congelamento que pode ser feita em óvulos, tecido ovariano, espermatozoides e embriões. Na temperatura de -196ºC, esses organismos mantêm o metabolismo completamente inativado, mas preservando um desenvolvimento potencial e viabilidade. Muitos casais precisam preservar os gametas por se depararem com a impossibilidade imediata de maternidade ou paternidade, seja por escolha ou por circunstâncias adversas.
O congelamento tem maior chance de sucesso quando realizado com óvulos maduros, portanto, é necessário que a paciente passe por um processo idêntico ao da fertilização in vitro. Os ovários serão estimulados com drogas indutoras da ovulação, o crescimento dos folículos ovulatórios será acompanhado pelo ultrassom e, posteriormente, os óvulos serão coletados sob sedação profunda. Em seguida, são encaminhados para o laboratório de reprodução humana, desidratados e congelados pela vitrificação.
Os óvulos ficam armazenados da mesma maneira que os embriões, utilizando uma temperatura de congelamento de -196º graus. Como citado. Com base em evidências científicas, há segurança que o armazenamento de longo prazo de óvulos congelados não resulta em qualquer redução na qualidade. Vale lembrar que é necessário o pagamento da manutenção dos óvulos até o uso.
Indicações
Por fim, é importante lembrar: não só quando falamos em fertilidade que manter um estilo de vida saudável, adotando uma alimentação balanceada, dormindo bem e praticando exercícios físicos com regularidade, é a melhor maneira de manter o bom funcionamento do organismo. No entanto, caso o casal perceba que está tendo problemas para engravidar, é importante que ambos consultem médicos especializados, já que apenas eles poderão realizar avaliações e identificar a real causa do problema, recomendando, assim, o tratamento adequado ou, quando a causa da infertilidade não pode ser revertida, métodos de reprodução assistida.
Fontes:
-Arnaldo Schizzi Cambiaghi é ginecologista obstetra com certificado em reprodução assistida. Membro-titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, da Sociedade Brasileira de Cirurgia Laparoscópica e da European Society of Human Reproductive Medicine, autor de vários livros e responsável técnico do Centro de Reprodução Humana do IPGO.
-Rodrigo Rosa é ginecologista obstetra especialista em Reprodução Humana, sócio fundador e diretor clínico da clínica Mater Prime, em São Paulo. Membro da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA) e da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH) e colaborador do livro “Atlas de Reprodução Humana” da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana.
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