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Janeiro Branco: bem-estar mental não tem a ver só com saúde

O bem-estar mental das pessoas é influenciado pelo ambiente, circunstâncias e experiências - iStock
O bem-estar mental das pessoas é influenciado pelo ambiente, circunstâncias e experiências - iStock

Neste Janeiro Branco, especialistas têm chamado atenção para a importância dos cuidados com a saúde mental e emocional da população. Pensar na prevenção de doenças mentais como ansiedade, pânico, depressão e abuso de substâncias, além de expandir o acesso ao tratamento dessas e de outras condições, é fundamental para a prevenção do suicídio.

Mas uma análise detalhada feita por pesquisadores da Universidade de Nova York, nos EUA, mostra que evitar esse tipo de morte envolve bem mais que o cuidado com a saúde mental, o que também pode servir de referência para o Brasil, que tem enfrentado um aumento nas taxas de suicídio e autolesão nos últimos anos. 

O estudo, publicado no periódico Annual Review of Public Health, cita não apenas políticas para melhorar o acesso das pessoas aos serviços de saúde, mas diversas outras medidas econômicas e sociais.

Segurança econômica e outras questões

De acordo com Jonathan Purtle, professor associado de política e gestão de saúde pública e autor principal do estudo, a maioria das políticas de impacto não foi criada especificamente para melhorar a saúde mental das pessoas. “Elas abordam outras questões – como aumento do salário mínimo para promover segurança econômica ou redução do consumo de álcool – mas têm benefícios indiretos ao também prevenir suicídios,” explicou.

 “O bem-estar mental de um indivíduo é influenciado não apenas por fatores clínicos, mas também pelo ambiente, circunstâncias e experiências”, reiterou Michal Lindsey, coautor do estudo.

Preocupação crescente nos EUA

O suicídio é uma das principais causas de morte nos EUA, e as taxas aumentaram nas últimas duas décadas. Políticas públicas, incluindo leis aprovadas e regulamentações adotadas por agências públicas, desempenham um papel essencial na redução de mortes por suicídio. Embora o suicídio seja abordado por algumas políticas federais naquele país, a maior parte da autoridade de saúde pública está em nível estadual.

No artigo, os pesquisadores analisaram o número de projetos de lei estaduais relacionados ao suicídio aprovados nas últimas duas décadas, bem como o volume de postagens em redes sociais de legisladores estaduais sobre o tema – um indicador de prioridade política. Houve um aumento significativo em ambos, especialmente a partir de 2017.

“Nossa análise sugere que os legisladores reconhecem o suicídio como uma questão de saúde pública e estão tentando abordá-lo, com uma preocupação bipartidária,” disse Purtle.

O que funciona para evitar suicídios?

Embora muitos estudos já tenham examinado o impacto de políticas individuais no risco de suicídio, até agora não havia uma análise que revisasse coletivamente essas pesquisas para identificar as políticas mais eficazes, segundo os autores.

Purtle e sua equipe revisaram mais de 100 estudos e identificaram três categorias de políticas com potencial para prevenir suicídios:

Políticas que limitam o acesso a meios letais (ex.: armazenamento seguro de armas, períodos de espera para compra de armas, instalação de barreiras em pontes).

Políticas que aumentam o acesso a serviços de saúde mental (ex.: expansão do Medicaid, que atende indivíduos de baixa renda nos EUA, e leis que exigem cobertura de saúde mental pelas seguradoras).

Políticas que abordam fatores de risco subjacentes ao suicídio, como:

  • aumento da segurança econômica (ex.: leis de salário mínimo, licença médica remunerada, benefícios de desemprego, programas de nutrição suplementar);
  • proibição de discriminação (ex.: proteção de identidade sexual e de gênero em leis sobre crimes de ódio);
  • limitação do acesso a álcool e tabaco.

Evidências mais robustas

As políticas de segurança econômica, limitação do consumo de álcool e restrição ao acesso a meios letais apresentaram as evidências mais fortes de redução de suicídios.

“Acesso ao álcool e a meios letais, além da pobreza, são fatores de risco conhecidos para o suicídio,” disse Lindsey. “Nossa pesquisa sugere que um bom ponto de partida para salvar vidas é financiar e implementar políticas públicas que abordem essas três áreas.”

Como dificultar decisões impulsivas

Algumas políticas eficazes focam na melhora do bem-estar a longo prazo, enquanto outras – especialmente relacionadas a armas de fogo e outros meios letais – buscam dificultar decisões impulsivas que podem ter consequências fatais.

“O suicídio muitas vezes é um ato impulsivo,” afirmou Purtle. “Qualquer coisa que possa retardar essa impulsividade geralmente será benéfica e ajudará a prevenir suicídios do ponto de vista da saúde pública.”

Armas de fogo são o método mais comum e letal de suicídio. Estudos mostraram que ter uma arma em casa aumenta significativamente o risco de suicídio, e políticas para limitar o acesso a armas podem reduzir esse risco.

Leis que estabelecem períodos de espera para compras de armas, limites de idade mais restritivos e exigências de armazenamento seguro em casa, com punições para adultos que não armazenam armas de forma segura, reduziram as mortes por suicídio entre jovens.

O que é preciso investigar melhor

Os pesquisadores apontaram áreas que precisam de maior atenção, incluindo as linhas diretas de prevenção ao suicídio criadas há alguns anos nos EUA. Purtle lidera uma pesquisa financiada pelo NIH (Insitutos Nacionais de Saúde) sobre o impacto desse canal de comunicação, com estudos recentes descrevendo o aumento no volume de chamadas, a experiência dos usuários e como investimentos federais e estaduais têm melhorado a capacidade desses sistemas.

Além disso, os pesquisadores pedem mais estudos sobre tecnologia e saúde mental juvenil, como o impacto de restrições de idade em redes sociais, proibição de celulares em escolas e políticas para prevenir exposição a conteúdos nocivos relacionados ao suicídio na internet.

“O cenário político mudou muito rapidamente, mas levará tempo para estudar essas mudanças. Ainda não temos evidências robustas sobre o que funciona,” concluiu Purtle.

Onde buscar ajuda no Brasil

Existem alguns serviços muito bacanas com os quais você pode contar caso precise de ajuda. Um deles é o CVV (Centro de Valorização à Vida), que você pode acessar ligando no 188 ou pelo site (cvv.org.br). Inclusive há um chat que pode ser usado para se conectar com alguém.

Tatiana Pronin

Tatiana Pronin

Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY. Twitter: @tatianapronin