Redação Publicado em 23/01/2022, às 09h00
Aproveitando o ensejo do “Janeiro Branco”, uma campanha criada por psicólogos chama a atenção da sociedade desde 2014 para a Saúde Mental e Emocional. Resolvi falar sobre uma experiência vivida por muitas pessoas, mas não muito abordada: a ”Síndrome do Ninho Vazio”. Mas vamos por partes.
O “Janeiro Branco” tem por objetivo conscientizar as pessoas para o cuidado com a Saúde Mental e Emocional, pois, apesar do alerta da Organização Mundial de Saúde (OMS) de que as doenças mentais tiveram um crescimento considerável nos últimos anos, agravadas pela pandemia, mundialmente ainda estamos aquém do desejado quanto à oferta de serviços de saúde mental. Somado a este fato, o tema ainda é carregado de tabus e preconceitos, fazendo muitas vezes com que as pessoas tenham receio de ser julgadas por buscarem uma ajuda profissional.
Segundo o diretor geral da OMS (Tedros Adhanom Ghebreyesus)“... não há disposição sem saúde mental.” E “saúde” é definida pela própria OMS não só como a ausência de doenças, mas um estado de bem-estar biopsicossocial. Ou seja, Saúde Mental é algo que inclui equilíbrio mental e emocional.
Pois bem, entrando no tema principal da nossa conversa, apresentarei a Síndrome do Ninho Vazio, e como ela se encaixa na questão mais ampla da saúde mental.
Esta manifestação é caracterizada por ser um processo emocionalmente doloroso, implicando em sentimento de tristeza e solidão intensos, provenientes da saída de um membro da família (ou alguém com vínculo afetivo forte e que residia junto à pessoa), normalmente um filho. Estes sentimentos surgem com a sensação de perda da função parental.
Cada pessoa, com sua história de vida e seus vínculos afetivos, vai reagir de uma forma particular diante desta situação. Mas é importante ressaltar que sentir tristeza e saudade, nesse contexto, por um período que se estende do momento da separação dos filhos até o estabelecimento de uma nova ordem familiar é natural, faz parte do processo de adaptação ao novo cenário. E é extremamente importante que esses sentimentos sejam vividos, para serem elaborados a fim de se atingir novos conceitos de vida. Se esses não forem trabalhados, podem (aí sim) levar ao desenvolvimento de um quadro sintomático que deve ser propriamente tratado.
Além de levar em conta os tempos naturais do processo, deve ser observada a intensidade desses sentimentos, se atentando quando eles começam a interferir de forma negativa na vida da pessoa, atrapalhando e até retirando-a de suas atividades rotineiras.
Dentre as manifestações mais comuns causadas pela síndrome, encontram-se fadiga crônica, incapacidade de concentração, falta de sono e apetite, tristeza e sensação de vazio intenso, raiva e diminuição da libido, dentre outros.
É aí que a “Síndrome do Ninho Vazio” entra na campanha do “Janeiro Branco”. Cuidar da saúde mental e emocional é estar atento às emoções, perceber e reconhecer seus próprios limites e procurar ajuda quando necessário (e sempre que desejar). O tipo de atenção e cuidado necessários para lidar com essa síndrome remetem ao Janeiro Branco.
O termo “Ninho Vazio” vem se popularizando em função dos padrões de relacionamentos e vínculos afetivos familiares estabelecidos na sociedade contemporânea. O ninho – leia-se progenitores ou figuras que fazem o papel de cuidar e guiar - tem por função proteger os filhos até que eles possam “voar sozinhos, com as próprias asas”. Quando este momento chega e o filho “voa”, mostra que os pais ou tutores fizeram sua função, e daí para frente precisam dar lugar a uma nova perspectiva, para si e para o filho.
Confira:
Encarar essa mudança como algo positivo não é tarefa fácil, uma vez que neste processo ocorre uma desestabilização, uma falta de adaptação – características decorrentes da mudança - e entra-se em contato com algo diferente. Também se vivenciam algumas frustrações, e crises já superadas podem voltar à cena. Tudo isso de forma não consciente.
Assim, não são incomuns relatos ambivalentes de pais/tutores que estão felizes pelo alçar voo de sua prole, mas, ao mesmo tempo narram uma tristeza, sensação de abandono e vazio, que por sua vez pode levar a questionamentos e ao sentimento de falha ou impotência.
Segundo a literatura (Sartori e Zilberman, 2009), o Ninho Vazio ocorre em um período junto com outros acontecimentos da vida, como a aposentadoria e menopausa, agravando sentimentos de baixa autoestima e sintomas depressivos.
Porém, a situação que parece ser negativa, é, de fato, uma porta para novas possibilidades. Ter a consciência e a sensação de “missão cumprida”, no lugar do sentimento de “perda”, focar no resultado – criação de filhos independentes - ajuda a abrir os horizontes. Estabelecer metas com propósitos e objetivos de vida, para além da função parental, dará base e norteará um novo rumo e uma nova perspectiva (saudável) para a família, incluindo os filhos.
Aproveite o momento para pensar mais em si próprio, resgatar e realizar os sonhos que não puderam ser concretizados até o momento. Praticar seu esporte ou hobby preferido, desenvolver novos interesses e habilidades, planejar aquela viagem, participar de campanhas de ação voluntária, estabelecer um recomeço reformulando valores da vida a dois (ou solitária), resgatar ou intensificar a vida social (a internet ajuda a encurtar as distâncias e de forma segura no contexto de pandemia).
Não se esqueça que a saída dos filhos de casa não anula o papel de “pai/mãe/tutor”, este só alcançou um novo patamar, com outros valores e formas de se estruturar. E, mais importante: um ninho construído com amor e harmonia sempre recebe de volta seus queridos quando estes querem retornar!
Ficar atento à intensidade e frequência dos sentimentos, que inicialmente são naturais, identificar e reconhecer se há impactos negativos na sua rotina, é um ato de cuidado com a sua Saúde Mental e Emocional.
Não se acanhe em pedir ajuda e buscar um profissional especializado para auxiliar no processo de elaboração dessa mudança de fase familiar. Assim, você poderá transformar o ninho vazio em um “Ninho Branco”.
Fontes:
Organização Mundial de Saúde - OMS
https://www.paho.org/pt/noticias/8-10-2021-relatorio-da-oms-destaca-deficit-global-investimentos-em-saude-mental - acesso em 02/01/2022
Sartori, Adriana C. R. e Zilberman, Monica L.Revisitando o conceito de síndrome do ninho vazio. ArchivesofClinicalPsychiatry (São Paulo) [online]. 2009, v. 36, n. 3 [Acessado 5 Janeiro 2022] , pp. 112-121. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0101-60832009000300005>. Epub 28 Ago 2009. ISSN 1806-938X. https://doi.org/10.1590/S0101-60832009000300005.
Sociedade Brasileira de Psicanálise Integrativa
https://www.sbpi.org.br/o-que-diz-a-psicanalise-sobre-a-sindrome-do-ninho-vazio/ acesso em 02/01/2022
Cecília Galetti
Graduada em Psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2001). Especialista na área Hospitalar pelo ICHC-FMUSP (2003). Mestre em Ciências pelo Instituto de Psiquiatria FMUSP (2009). Neuropsicóloga pelo Cenaces (2012). Especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG – 2020). Psicóloga do Centro de Referência do Idoso – Norte (2012). Psicóloga da Divisão de Psicologia do HC-FMUSP (2012-2021). Psicóloga do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas FMUSP (2016 – 01/2021) e Colunista do Portal Trevoo.