Mudança climática: substituir alimentos pode fazer uma grande diferença

Estudo descobriu ser possível reduzir significativamente pegada de carbono substituindo alimentos específicos

Redação Publicado em 20/01/2022, às 12h00

Pesquisadores descobriram que a carne bovina teve o efeito ambiental adverso mais significativo - iStock

Em um novo estudo, pesquisadores descobriram que uma pessoa pode reduzir significativamente a pegada de carbono substituindo alimentos específicos – em particular, carne bovina. A pesquisa, publicada no American Journal of Clinical Nutrition, pode motivar as pessoas a adaptarem suas dietas, uma vez que não indica a necessidade de fazer mudanças indiscriminadas no que cozinham e comem.

Alimentos e aquecimento global

Pesquisadores descobriram que os sistemas alimentares humanos causam cerca de um terço das emissões globais de gases de efeito estufa, que são um dos principais impulsionadores do aquecimento global, que ameaça os ecossistemas e a biodiversidade, bem como a saúde humana. Pessoas podem reduzir as emissões de gases de efeito estufa e aquecimento global alterando os tipos de alimentos que consomem. No entanto, algumas podem achar desafiador mudar para uma dieta totalmente nova, principalmente se nunca prepararam ou comeram os alimentos que a nova dieta exige.

Os pesquisadores por trás do estudo queriam verificar se fazer uma pequena mudança – por exemplo, substituir um único item alimentar na dieta de uma pessoa – também poderia reduzir significativamente a pegada de carbono. Nesse caso, essa pode ser uma abordagem mais viável do que mudar completamente a dieta.

Diego Rose, principal autor do estudo, é professor e diretor de Nutrição da Escola de Saúde Pública e Medicina Tropical da Universidade de Tulane, em Nova Orleans (EUA). Ele comentou que, anteriormente, foram desenvolvidas técnicas para avaliar as pegadas de carbono de dietas americanas autosselecionadas para grandes amostras de indivíduos. “Quando classificamos as dietas de um dia desses indivíduos por suas pegadas de carbono, descobrimos que os 20% dos indivíduos representavam uma parcela enorme (46%) do impacto total”, afirma.

Os pesquisadores queriam saber o que estava impulsionando essas dietas de maior impacto, então detalharam as dietas individuais, analisando cada item que os participantes comiam em um determinado dia. Em muitos casos, viram que apenas um item transformou uma dieta média em uma de alto impacto. 

Esse item era tipicamente carne bovina, e notamos que, substituindo-a por um alimento animal menos impactante – digamos, frango – o resultado geral da dieta seria muito menor. Foi quando decidimos estudar isso com mais rigor”, declarou o professor.

Mais de 16.000 participantes do estudo

Para fazer isso, Rose e seus colegas basearam-se em dados da Pesquisa Nacional de Exames de Saúde e Nutrição (Nhanes) entre 2005-2010. Eles incluíram dados de 16.800 participantes com 18 anos ou mais, que forneceram informações sobre um recordatório alimentar de 24 horas aos entrevistadores. Os pesquisadores, então, analisaram as emissões diárias de gases de efeito estufa e a pegada de escassez de água. Com essas informações, eles poderiam identificar alimentos que mais contribuíram para os efeitos adversos da dieta de uma pessoa e propor itens substitutos que pudessem reduzir substancialmente esses efeitos adversos.

Carne bovina – um dos principais contribuintes

Os pesquisadores descobriram que a carne bovina teve o efeito ambiental adverso mais significativo. Aproximadamente 20% dos participantes comiam bifes pelo menos uma vez ao dia. Se trocassem o consumo de carne bovina por outro tipo de carne, como peru, reduziriam as emissões de gases de efeito estufa associadas à dieta em 48%. Essa mudança também reduziria a pegada de escassez de água dos participantes em 30%.

Especialistas comentaram a pesquisa admitindo que é importante considerar tanto as mudanças climáticas quanto os impactos na saúde, como o estudo fez. No entanto, também destacaram que é importante considerar os custos de troca de alimentos. Para eles, a análise mostra que pequenas substituições na dieta – trocar carne bovina por carne de porco ou aves – podem reduzir o impacto ambiental das dietas, mantendo a qualidade geral da dieta. O estudo usa um grande conjunto de dados dos Estados Unidos e métodos robustos.

O artigo considera uma medida da qualidade da dieta – o Índice de Alimentação Saudável – para avaliar o impacto dietético das mudanças, garantindo que as substituições não tenham um efeito negativo. No entanto, para especialistas, seria interessante explorar o impacto dessas mudanças no nível de micronutrientes, ou seja, vitaminas e minerais – por exemplo, a carne bovina contém mais vitaminas B12 e folato do que as aves, por exemplo.

Trocar a carne vermelha pela de peixes ou aves diminui o impacto ambiental - iStock

Os especialistas alegam que um aspecto que às vezes é negligenciado nessa área de pesquisa é o custo material de fazer mudanças na dieta – para aqueles que sofrem de pobreza alimentar, o custo é uma barreira fundamental. É importante que isso seja considerado ao promover dietas mais sustentáveis para não exacerbar as desigualdades na saúde. Vale lembrar que nos Estados Unidos é mais barato comer um hambúrguer que uma salada com peixe.

 

Por que mudanças menores são mais fáceis

Para Rose, um ponto forte das descobertas é que elas aumentam as chances de uma pessoa reduzir seus efeitos climáticos adversos. Isso ocorre porque substituir um único item alimentar de alto impacto é uma mudança menor do que mudar uma dieta inteira e, portanto, mais provável de acontecer. Para ele, ficou bem claro pela pesquisa que as pessoas não farão mudanças se não sentirem que são capazes de fazê-las. Essa “autoeficácia”, ou crença na capacidade de alguém para ter sucesso, está no centro das teorias de mudança comportamental.

Uma simples mudança, especialmente quando você não está desistindo de muito, é obviamente mais fácil de lembrar e implementar que mudanças complexas. Uma vez feita, ela reforça a capacidade de sucesso e um ciclo de feedback positivo pode ser criado para mudanças adicionais”, disse o médico.

Os autores citam esse aspecto muito importante da mudança de comportamento no artigo: a autoeficácia, ou a crença em nossa própria capacidade de mudar um hábito, por exemplo, trocar carne bovina por carne de porco no jantar. Isso porque pequenas substituições costumam ser muito mais fáceis de adotar do que aquelas completas na alimentação – por exemplo, trocando uma dieta baseada em carne para uma dieta vegana rigorosa –, para que possamos nos sentir mais confiantes em nossa capacidade de fazer isso.

Com a substituição de carne bovina por carne de aves ou suína também é mais provável manter as mesmas habilidades culinárias, removendo a barreira frequentemente enfrentada de não saber como preparar, cozinhar ou incorporar alimentos novos ou diferentes na dieta. Uma vez que essa pequena substituição tenha se incorporado à dieta ou estilo de vida, podemos tentar outra.

Em última análise, pequenas substituições têm maior probabilidade de se tornarem mudanças duradouras, que é o objetivo ao tentar adotar uma dieta mais sustentável e/ou mais saudável.

Obtendo o apoio do consumidor

Rose diz que está ficando mais fácil para os consumidores identificarem os efeitos climáticos adversos de suas compras de alimentos. Esse é um campo relativamente novo, que fica um pouco atrás da rotulagem nutricional. Dito isto, existem novas ferramentas que estão sendo constantemente desenvolvidas. Ele cita que, na França, estão desenvolvendo o Eco-Score, uma ferramenta de rotulagem na frente da embalagem que avalia o impacto ambiental geral de um alimento. E que existem alguns aplicativos que também podem fornecer informações sobre isso, por exemplo, GreenChoice (não disponível em português).

“Mas a disponibilidade geral de recursos nessa frente é muito pequena. Estamos no processo de desenvolver algo nós mesmos”, afirmou o professor, acrescentando que os governos têm um papel essencial em ajudar os consumidores a identificar alimentos de baixo impacto.

Para Rose, governos precisam priorizar a pesquisa nessa área, especificamente as avaliações do ciclo de vida dos produtos alimentícios que estão na raiz deste trabalho. Eles também precisam apoiar o agrupamento de todos os diferentes estudos que são feitos nessa área em bancos de dados utilizáveis que podem ser divulgados.

O professor admite que nos Estados Unidos, o Departamento de Agricultura tem um longo histórico de pesquisa e apoio ao desenvolvimento de banco de dados sobre a composição nutricional dos alimentos. Isso permitiu que desenvolvedores terceiros criassem aplicativos de avaliação de dieta, que o público pode usar para avaliar suas próprias escolhas alimentares com base na nutrição.

Realmente não há razão para que a mesma abordagem não possa ser adotada para avaliar impactos ambientais das dietas, a não ser talvez a falta de consciência ou a falta de vontade política”, disse Rose.

No Reino Unido, o destaque é o kit de ferramentas One Blue Dot desenvolvido pela Association of UK Dietitians como um recurso valioso para consumidores interessados em reduzir os efeitos ambientais adversos de sua dieta.

Aqui no Brasil, plataformas on-line buscam alternativas para diminuir o desperdício de alimentos. Aplicativos como o Comida Invisível, Appétit Delivery e B4Waste conectam estabelecimentos que possuem frutas e legumes que vão sobrar, por exemplo, a consumidores e ONGs que desejam adquiri-los. Já o Carbon Z calcula não só sua pegada de carbono, ou seja, quanto gera de CO2, bem como sua neutralização, de uma maneira simples, prática, confiável e interativa.

Fonte: Medical News Today

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