Nem todo ultraprocessado faz mal, diz nutróloga

Alguns desses alimentos podem fazer parte de um estilo de vida saudável

Tatiana Pronin Publicado em 15/10/2024, às 09h00

Muitos estudos colocam todos os ultraprocessados em uma mesma categoria - iStock

A classificação de alimentos in natura, processados e ultraprocessados pode servir como um bom parâmetro para um padrão alimentar mais saudável. Mas isso não significa que todo alimento ultraprocessado deva ser demonizado.

Um estudo recente, publicado no European Journal of Clinical Nutrition, mostra que não há evidências suficientes de que o ultraprocessamento por si só esteja causando os resultados adversos em saúde. Ou seja: a qualidade dos ingredientes também importa nessa equação.

Ultraprocessados têm diferenças

O objetivo do processamento é tornar os alimentos mais disponíveis e seguros para o consumidor. Mas existem vários subgrupos dos alimentos ultraprocessados: “Há aqueles ricos em aditivos e pobres em nutrientes, mas também existem aqueles que possuem conservantes e podem fazer parte de um padrão alimentar saudável”,  explica a médica nutróloga Marcella Garcez, diretora e professora da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran).

Vários estudos recentes encontraram associações entre o consumo de ultraprocessados e resultados adversos à saúde, incluindo riscos aumentados de obesidade, sobrepeso, doenças cardíacas, diabetes tipo 2 e câncer. Pesquisadores também descobriram que indivíduos que consomem a maior quantidade de ultraprocessados podem estar expostos a um risco maior de mortalidade por todas as causas.

“No entanto, nesse grupo, é preciso separar o joio do trigo. Ler o rótulo, identificando os ingredientes utilizados, é mais vantajoso do que apenas englobar todos os produtos alimentícios em uma mesma categoria para julgá-los como bons ou ruins”, complementa Marcella.

Limitações dos estudos

De acordo com o estudo, os resultados de trabalhos científicos que mostram correlações entre o consumo de ultraprocessados e a saúde precária têm sido frequentemente interpretados de forma causal. Ou seja: eles passam a mensagem de que o consumo de ultraprocessados está causando resultados de saúde precários.

No entanto, os estudos são principalmente observacionais, então a causalidade não pode ser inferida, e fatores de confusão podem desempenhar um papel. “Nesses estudos, os pesquisadores também devem assumir que as medições da ingestão de alimentos são precisas e exatas, que a composição dos alimentos é conhecida e pode ser caracterizada quantitativamente e que os resultados não são afetados pelo armazenamento, cozimento e preparação dos alimentos”, diz a médica.

Um passo na direção certa, segundo ela, é um estudo recente que focou na contribuição dos emulsificantes, descobrindo que alguns deles (mas não todos) estavam ligados à probabilidade de desenvolver alguns tipos de câncer e ao risco geral de câncer. No entanto, os pesquisadores alertam que estender essas descobertas a todos os emulsificantes é incorreto, pois muitos não estavam associados ao risco de câncer.

Tudo no mesmo balaio

Um problema grande, segundo a médica, é que os estudos podem combinar diferentes grupos de ultraprocessados em uma categoria e que muitos artigos publicados não mencionam explicitamente análises de subgrupos. No entanto, mesmo em um único estudo, diferentes subgrupos podem mostrar relações significativamente diferentes com resultados de saúde.

"Por exemplo, embora alguns ultraprocessados (incluindo molhos, margarina e alimentos que contêm gorduras ultraprocessadas) possam estar associados a um risco maior de diabetes, câncer ou doenças cardíacas, há indícios de que outros, como cereais ou pães ultraprocessados, podem ser protetores”, afirma a médica.

Trabalhos que relacionam ultraprocessados com a mortalidade descobriram que a maior parte dessa relação veio de bebidas ultraprocessadas. “Também é importante pontuar que a falta de análises de subgrupos em muitos estudos significa que alguns ultraprocessados como whey protein, chocolate amargo e iogurte podem ser injustamente agrupados com aqueles que representam riscos mais significativos à saúde, complicando ainda mais as mensagens de saúde pública”, completa.

Em resumo, nem todos os ultraprocessados podem trazer riscos à saúde. Para a médica, fortalecer as evidências atuais requer apresentar resultados para todos os grupos de ultraprocessados e não combiná-los em uma única categoria. “O foco também deve ser dado aos ultraprocessados que podem ser ‘nutricionalmente benéficos’ e protetores contra algumas doenças”, finaliza.

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