Você já ouviu falar em “doomscrolling”? Essa expressão, em inglês, significa passar tempo demais navegando em notícias negativas na internet, como crimes, ataques terroristas ou conspirações. Um estudo pioneiro sobre o impacto desse fenômeno – comum na vida de muita gente – traz um alerta: o hábito pode mudar a forma como vemos a humanidade e até o sentido da vida!
Pesquisadores da Universidade Flinders, na Austrália, descobriram que o doomscrolling torna as pessoas mais propensas a ficar desconfiadas dos outros, além de gerar uma sensação de que a vida não tem sentido. Os resultados foram publicados no periódico Computers in Human Behavior.
“O doomscrolling pode ter consequências terríveis para nossa saúde mental e bem-estar, deixando-nos estressados, ansiosos, desesperados e questionando o sentido da vida”, diz o autor principal do trabalho, Reza Shabahang.
Ele explica que essa espécie de vício que as pessoas adquirem de ficar horas navegando por notícias negativas tornou-se uma fonte de trauma, ainda que a pessoa não vivencie, nem tenha vivenciado, pessoalmente as experiências em questão.
“Expostas a imagens e informações sobre eventos traumáticos, as pessoas podem experimentar sintomas semelhantes aos do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), como ansiedade e desespero.”
Para chegar à conclusão, os pesquisadores entrevistaram 800 estudantes universitários de duas culturas diversas: uma cultura oriental mais voltada para o coletivo (Irã) e outra, ocidental, mais focada no individual (Estados Unidos). A ideia foi explorar como o consumo excessivo de notícias negativas nas redes sociais pode impactar pensamentos e sentimentos relacionados à existência.
Os participantes foram questionados sobre com que frequência praticavam doomscrolling nas redes sociais, quão ansiosos se sentiam em relação à sua existência, se acreditavam que o mundo é um lugar justo e como se sentiam em relação à humanidade.
Eles queriam ver se havia alguma conexão entre o doomscrolling e pensamentos ou sentimentos subsequentes sobre a humanidade e a importância da vida. O resultado foi bem positivo.
O doomscrolling foi associado à ansiedade existencial, ou seja, preocupações excessivas sobre a existência, vida e morte. Isso foi real tanto para os iranianos quanto para os norte-americanos, e ainda serviu como um preditor de misantropia – aversão às pessoas – na amostra iraniana.
Quando estamos constantemente expostos a notícias e informações negativas online, isso pode ameaçar nossas crenças em relação à nossa própria mortalidade e ao controle que temos sobre nossas vidas. Além disso, o doomscrolling pode afetar negativamente como vemos as pessoas e o mundo ao nosso redor”, afirma.
Shabahang acredita que o estudo é um lembrete para ficarmos atentos aos nossos hábitos online e para a importância de se fazer pausas regulares de redes sociais e controlar a exposição a notícias negativas.
“Sugerimos que as pessoas prestem atenção ao tempo que passam nas redes sociais e estejam cientes do impacto que isso tem em suas emoções, pensamentos e sentimentos, especialmente quando se trata de notícias e eventos negativos”, afirma.
É uma boa ideia monitorar quanto tempo você gasta praticando doomscrolling e começar a fazer mudanças para reduzir esse tempo. Tomar consciência dos nossos hábitos online, e tomar pequenas medidas para abordá-los, pode ajudar a melhorar nosso bem-estar mental geral. Até porque não dá mais para viver sem a internet.
Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY e é membro da Association of Health Care Journalists. Twitter: @tatianapronin