Cármen Guaresemin Publicado em 08/10/2021, às 10h00
Alguns estudos sugerem que a dieta Dash (Abordagens Dietéticas para Parar a Hipertensão) e a dieta mediterrânea podem melhorar a função cognitiva. Com base nas pesquisas, as duas dietas foram combinadas para criar uma híbrida: a Mind, que é projetada especificamente para melhorar a saúde do cérebro.
A dieta Mind enfatiza o consumo de vegetais, de preferência de folhas verdes, frutas vermelhas, legumes, peixes, nozes e grãos inteiros, enquanto limita o consumo de manteiga, queijo e carne vermelha. Estudos anteriores sugeriram que essa dieta pode desacelerar o declínio cognitivo e reduzir o risco da doença de Alzheimer.
Recentemente, pesquisadores do Rush University Medical Center, em Chicago, Estados Unidos, investigaram a capacidade da dieta Mind de melhorar a função cognitiva em adultos mais velhos, independentemente dos níveis de patologia cerebral. Os resultados do estudo foram publicados no Journal of Alzheimer's Disease.
O novo estudo analisou dados coletados pelo Rush Memory and Aging Project (MAP) de 569 pessoas mortas. O Rush MAP é um estudo longitudinal envolvendo adultos maiores de 65 anos com o objetivo de identificar fatores ambientais e genéticos associados ao desenvolvimento da doença de Alzheimer. Ele realiza avaliações anuais para aferir a saúde cognitiva, estilo de vida e fatores de risco associados à doença. Além de fazer análises post mortem em cérebros doados pelos participantes para avaliar as alterações associadas à doença de Alzheimer.
No novo estudo, os pesquisadores usaram um questionário para calcular a pontuação da dieta Mind com base na frequência com que os participantes do estudo consumiam alimentos considerados saudáveis ou não, de acordo com ela. Eles tiveram acesso a dados de testes cognitivos abrangentes realizados em um momento próximo à morte dos participantes. Em seguida, após o falecimento, a equipe conduzia uma análise post mortem para identificar alterações cerebrais associadas à doença de Alzheimer e outras condições conhecidas por resultar em declínio cognitivo relacionado à idade.
Cerca de um terço dos participantes do estudo teve um diagnóstico clínico de doença de Alzheimer antes da morte. No entanto, os pesquisadores foram capazes de identificar dois terços dos participantes como tendo a doença com base em altos níveis de patologias cerebrais reveladas pelas análises post mortem.
Eles também descobriram uma correlação positiva entre a pontuação da dieta Mind e a função cognitiva antes da morte dos participantes. Além disso, esse dado foi associado a uma taxa mais lenta de declínio na função cognitiva com o envelhecimento. A associação entre a pontuação da dieta à função cognitiva foi, independentemente do nível de patologias cerebrais, relacionada à doença de Alzheimer.
Da mesma forma, os níveis de patologias cerebrais associadas a outras condições não influenciaram a associação entre a pontuação da dieta Mind e a função cognitiva. Esses resultados foram baseados nos autorrelatos dos participantes sobre seus padrões alimentares durante as avaliações anuais. Para minimizar a possibilidade de esses relatórios serem imprecisos devido ao comprometimento cognitivo, os pesquisadores reanalisaram os dados após excluir os indivíduos com comprometimento cognitivo leve no início da coleta de dados. A associação entre dieta Mind e função cognitiva permaneceu mesmo após restringir a análise a indivíduos sem comprometimento cognitivo leve.
“Muitos fatores relacionados ao estilo de vida, particularmente os maus hábitos alimentares, aceleram o declínio cognitivo, especialmente em pessoas com predisposição genética para doenças neurodegenerativas, como Alzheimer”, afirma a médica nutróloga Marcella Garcez.
“Esse estudo clínico-patológico longitudinal analisou 569 pessoas idosas falecidas, utilizando dados dietéticos válidos, testes cognitivos próximos à morte e dados completos de autópsia no momento dessas análises. A conclusão é que a dieta Mind foi associada à melhor função cognitiva e declínio cognitivo mais lento, independentemente da patologia; portanto, à redução da velocidade de evolução da doença de Alzheimer e de outras patologias cerebrais relacionadas com a idade”, acrescenta.
Ela lembra que, segundo o estudo, a adesão à dieta Mind pode proteger de algumas das perdas cognitivas associadas a patologias cerebrais, além de contribuir para a construção de resiliência cognitiva em idosos. “Na ausência de medicamentos eficazes e intervenções para prevenir ou retardar a progressão das demências, é de grande interesse científico identificar fatores de estilo de vida modificáveis que reduzam o risco de declínio cognitivo mais rápido, independente das patologias cerebrais”, afirma a médica.
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Poderia, então, a alimentação retardar os efeitos da doença de Alzheimer? Para o pós-doutor em Genética e diretor da Multigene, Marcelo Sady, sim: “Com certeza, independentemente da suscetibilidade genética. Ouvimos falar muito da importância do alelo E4 do gene apoE, que está associado a um risco maior de desenvolvimento da doença de Alzheimer. Então, quando o indivíduo tem esse alelo, em termos mundiais, o risco de desenvolver a doença é quase duas vezes maior. Na Europa, quando o indivíduo é portador de dois alelos E4, esse risco chega a ser 15 vezes maior. No Japão, dependendo da alimentação, esse mesmo alelo E4, sendo herdado do pai e da mãe, pode levar a um risco 33 vezes maior. Mas, na grande maioria dos casos da doença, é uma suscetibilidade genética associada à influência do estilo de vida e dos fatores ambientais”.
Para Sady, pessoas com o alelo E4 não estão sentenciadas a sofrer com Alzheimer, dependendo, por exemplo, da alimentação: “Isso porque esses indivíduos são mais suscetíveis a um processo neuroinflamatório. Eles também são mais suscetíveis ao consumo de gordura saturada e, quando há um aumento no consumo desse tipo de alimento, de maneira geral, aumenta-se o risco de Alzheimer”.
Portanto, para o geneticista, uma dieta anti-inflamatória como a Mind é importante para todos, mas principalmente para quem possui os alelos de risco de algum dos vários genes envolvidos no aumento da suscetibilidade da doença de Alzheimer.
“Essas duas dietas contêm alimentos ricos para a saúde cerebral, cardíaca e vascular de uma forma geral, então, sim, a Mind é uma dieta interessante de ser incentivada. Afirmar que invariavelmente essas dietas vão ser benéficas, na minha opinião, ainda não é possível”, afirma Gabriel Novaes de Rezende Batistella, médico neurologista e neuro-oncologista.
Ele acrescenta: “Esse estudo analisou 569 pessoas que doaram seus cérebros para estudo, e que foram questionadas ao longo da vida sobre a alimentação. Muitos vieses surgem daí, como, por exemplo, a maioria era de etnia branca; o pesquisador precisa confiar na informação do paciente (que poderia não ser tão exata como relatada, ou seja, ele pode ter mentido para agradar o pesquisador); poderia já ter alterações cognitivas, etc. Apesar disso, temos que considerar que foi um estudo muito bem planejado e, somando o que já conhecemos de outros estudos que buscam responder a essa mesma pergunta, parece ser viável supor que precisamos começar a indicar mais essa mudança de hábito alimentar. Em resumo, sim, hoje como neurologista eu tenho a tendência de ensinar e incentivar essa dieta“.
Para o neurologista, mesmo que uma pessoa vá desenvolver a doença ou já a tenha, uma alimentação diferenciada pode fazer muita diferença. Justamente por proporcionar a chamada “resiliência cerebral”: “Há pacientes que, durante a consulta médica, percebemos que possuíam um excelente desempenho cognitivo apesar de possuírem alterações. Daí o interesse em entender melhor essa resiliência cerebral, e quais fatores podem ser responsáveis por ela, para que possamos ajudar nossos pacientes em geral”.
Desse modo, Batistella defende a importância de uma alimentação saudável, em qualquer situação, pois ela pode ajudar a proteger nosso cérebro, criar um estado de saúde independentemente de qualquer doença que tente atacá-lo: “Isso pode ser muito mais efetivo do que ficar pesquisando mutações genéticas e, honestamente, deveria ser estimulado no momento da primeira consulta. Temos que ensinar as pessoas a comerem melhor, estimular a ida em nutricionistas, nutrólogos, e por aí vai. Sim, nós somos o que comemos, temos que ficar repetindo isso sempre para nós mesmos e para nossos filhos”.
Já Marcella esclarece que a dieta Mind prioriza o consumo de alimentos de origem vegetal e a redução daqueles de origem animal, particularmente os processados e com grande quantidade de gorduras saturadas. Entre os vegetais, o plano alimentar incentiva a ingestão daquels ricos em polifenóis e outros antioxidantes, que ajudam a reduzir o estresse oxidativo.
Abaixo, ela lista alimentos incluídos na dieta:
Alimentos que devem ser evitados ou reduzidos na dieta Mind:
Diante das poucas estratégias preventivas e terapêuticas para o enfrentamento de patologias neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer e outras demências, as evidências científicas de que hábitos alimentares podem auxiliar nesse processo, particularmente as pessoas com maior predisposição genética, e ainda com ganhos para a saúde em geral, são muito bem-vindas e absolutamente credíveis”, encerra a médica.
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