Toda mudança drástica de hábito alimentar pode comprometer a saúde e causar transtornos
Dra. Marcella Garcez Publicado em 16/11/2022, às 10h00
O jejum é conceituado como a ausência da ingestão de alimentos e de nutrientes por um período mínimo de 6 horas, sendo considerado prolongado quando superior a 72 horas. O jejum prolongado pode ocorrer em pacientes hospitalizados em períodos pré e pós-operatórios ou no preparo para exames diagnósticos e, mesmo controlado e necessário, pode levar a alterações metabólicas e nutrológicas, além de contribuir para o aumento da prevalência de desnutrição hospitalar. Voluntariamente, o jejum prolongado geralmente é praticado por motivos religiosos ou greve de fome.
Entre as principais alterações fisiológicas observadas no jejum prolongado estão: o consumo da gordura corpórea para a produção de energia, que leva a um aumento de ácidos graxos na circulação sanguínea; a perda de massa muscular ocorre em menor proporção devido à preservação de proteínas necessárias às funções celulares essenciais; também pode ocorrer a redução do número de neutrófilos, linfócitos, dos níveis séricos de glicose, insulina, albumina, hemoglobina e vitaminas.
As principais manifestações do jejum prolongado são a perda progressiva de peso, a sensação de fraqueza e a presença de anemia, edema e desequilíbrio do sistema imune. No trato digestório, ocorre a redução da produção de enzimas digestivas, atrofia da mucosa intestinal, alterações do transporte e redução da absorção de aminoácidos, que compromete a digestão e a absorção de nutrientes na fase de realimentação. Tais distúrbios podem desencadear ou agravar intolerâncias alimentares, incluindo flatulência, diarreia, cólicas e outros distúrbios gastrointestinais, que demandam um longo período para que a atividade das enzimas digestivas e dos aminoácidos seja restabelecida.
Após um período de jejum prolongado podem ocorrer complicações metabólicas decorrentes da realimentação, que foram observadas em sobreviventes dos campos de concentração e associadas à inanição grave e constituem a condição clínica denominada síndrome da realimentação. Essa situação pode ocorrer tanto na realimentação oral, como na enteral ou parenteral, caracterizada pela redução sérica de eletrólitos e alterações da homeostase da glicose, particularmente na realimentação com carboidratos ou aporte energético excessivo, e geralmente ocorre na realimentação após jejum superior a 7 dias, ocasionado por condições diversas no ambiente hospitalar, que podem levar à falência múltipla de órgãos e morte.
O jejum prolongado voluntário em indivíduos saudáveis também pode levar a alterações fisiológicas específicas e à síndrome da realimentação, portanto a realimentação deve ser orientada e acompanhada até o período de tolerância à dieta. Não estão bem definidas as formulações ou composições das dietas, nem os períodos em que devem ser administradas aos pacientes visando obter-se recuperação nutricional adequada, breve e livre de intercorrências.
É importante saber que, na ausência de alimento, os níveis plasmáticos de glicose, aminoácidos e triglicerídeos diminuem, levando à redução na secreção de insulina e ao aumento na liberação de glucagon. A inversão da razão dos hormônios insulina e glucagon e a carência de nutrientes desencadeiam reações bioquímicas responsáveis por manter funções vitais do organismo, que entra em catabolismo. Um movimento intenso de troca de substratos entre fígado, músculos, tecido adiposo e cérebro, ocorre para manter os níveis plasmáticos de glicose, suprir as necessidades energéticas do encéfalo e outros tecidos dependentes de glicose. Além de mobilizar ácidos graxos do tecido adiposo e liberar corpos cetônicos do fígado, para suprir energeticamente todos os outros tecidos.
Em resumo, os riscos do jejum prolongado são:
1. Cérebro: reduzir a capacidade de raciocínio e concentração pela falta de glicose.
2. Metabolismo: diminuir o ritmo de todas as funções orgânicas, para economizar energia.
3. Sistema endócrino: além da sobrecarga sobre os hormônios envolvidos para compensar os desequilíbrios metabólicos, suprime hormônios que regulam o ciclo menstrual da mulher e resulta em interrupção dos ciclos menstruais.
4. Músculos: queima as reservas musculares para produzir energia, que leva à redução da massa magra e força muscular.
5. Coração: leva a alterações eletrolíticas que causam arritmia cardíaca, queda da pressão arterial e da frequência respiratória.
Toda mudança drástica de hábito alimentar como a restrição calórica importante, de grupos alimentares e de refeições, pode comprometer a saúde e o equilíbrio imunológico. Os riscos aumentam muito quando o jejum é feito sem acompanhamento, pois as pessoas ficam longos intervalos sem comer e nos períodos em que voltam a se alimentar o fazem de forma inadequada, portanto podem ter desnutrição entre outros sintomas como desidratação, hipoglicemia, fraqueza muscular, dificuldades de concentração e ainda aumentar a tendência a transtornos alimentares como compulsão alimentar periódica, bulimia e anorexia.
Referência:
Nelson, David L.; COX, Michael M. Princípios de bioquímica de Lehninger. Porto Alegre: Artmed, 2011. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
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