Redação Publicado em 04/07/2022, às 13h00
O material particulado na poluição do ar é conhecido por causar problemas para nossos pulmões e corações. No entanto, os danos não param por aí. Um novo estudo de pesquisadores da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, e de instituições de pesquisa chinesas, descobriu que essas partículas tóxicas transmitidas pela poluição também podem atingir o cérebro. O estudo foi publicado no periódico PNAS.
Os pesquisadores examinaram o líquido cefalorraquidiano (fluido biológico que está em íntima relação com o sistema nervoso central) e o sangue de 25 pacientes com vários transtornos mentais em um hospital chinês e encontrou uma variedade de partículas finas tóxicas de 32% dos pacientes, assim como no sangue. Amostras também foram coletadas de 26 pessoas saudáveis e foi encontrado material particulado em apenas um indivíduo.
A coautora do estudo, professora Iseult Lynch, disse ao Jornal da Universidade de Birmingham que nosso conhecimento sobre os efeitos nocivos das partículas finas transportadas pelo ar no sistema nervoso central é falho. Ela afirma que o estudo esclarece “a ligação entre a inalação de partículas e como elas se movem posteriormente pelo corpo”.
A poluição por partículas, também chamada de material particulado, é classificada por tamanho:
PM 10 — Partículas de até 10 μm (mícrons). Estas incluem vírus transportados pelo ar, bactérias, fumaça, poeira e esporos de mofo.
PM 2,5 — Partículas de até 2,5 μm. É provável que sejam partículas de usinas de energia, escapamentos de veículos, incêndios florestais e outros tipos de combustão.
PM 0,1 — Partículas de até 0,1 μm. Esta é uma poeira ultrafina, em grande parte das mesmas fontes que as partículas PM 2,5, mas muito mais fina. São as partículas internas mais comuns.
Acredita-se que as partículas de PM 0,1 sejam as mais perigosas para a saúde humana por serem tão infinitesimais, podendo evadir as defesas do corpo, as barreiras internas contra matéria estranha intrusiva e até mesmo as células sentinelas do sistema imunológico. Pesquisas recentes sugerem que partículas de PM 0,1 são fontes de estresse oxidativo e toxicidade cardiovascular.
Algumas partículas que os pesquisadores descobriram eram típicas da poluição do ar. Eles encontraram algumas à base de cálcio, como calcita e aragonita, minerais frequentemente usados em materiais de construção, abrasivos, tratamento de solo, pigmentos e como aditivos farmacêuticos. Além disso, também havia partículas de ferro e silício. “Parece que alguns dos íons metálicos são particularmente ruins. E são comuns, como o ferro. Você não precisa de metais exóticos para causar danos”, observaram os pesquisadores.
No entanto, também foram encontradas algumas partículas incomuns: malaiita, que é usada como pigmento em esmaltes cerâmicos, principalmente na China, e anatase, que é usada em protetores solares e como pigmento em tintas.
Existem teorias sobre como o material particulado pode entrar no cérebro, inclusive por meio do bulbo olfativo do nariz. O estudo descobriu que o bulbo olfativo realmente quebra a barreira sangue cerebral, o que ajuda as partículas a passarem. Há dados mostrando que há materiais que são distribuídos e que realmente quebram a membrana endotelial que tenta nos proteger.
Com base em experimentos com um modelo de camundongo, a nova pesquisa demonstrou o meio pelo qual seus autores acreditam que a maioria das partículas viaja para o cérebro: a corrente sanguínea. Os pesquisadores expuseram camundongos a partículas finas de óxido de titânio no ar e, posteriormente, ouro, óxido de cério e pontos quânticos em nanoescala.
Os experimentos mostraram que essas partículas finas nos pulmões podem atravessar a barreira do oxigênio-sangue (hematoencefálica) para entrar na corrente sanguínea. Viajando para o cérebro, as partículas “podem cruzar a corrente sanguínea por meio da barreira sangue-cérebro sem danificá-la visivelmente para localizar os ventrículos do cérebro”, afirmou a equipe.
A barreira sangue-cérebro normalmente bloqueia a entrada de tais intrusos, mas foi incapaz de manter as partículas minúsculas afastadas. “Os dados sugerem que até oito vezes o número de partículas finas pode atingir o cérebro viajando, pela corrente sanguínea e pulmões, do que passando diretamente pelo nariz – acrescentando novas evidências sobre a relação entre a poluição do ar e os efeitos prejudiciais de tais partículas no cérebro”, afirmou a professora Iseult. Os estudos com modelos de camundongos também indicaram que as partículas provavelmente permanecerão no cérebro por mais tempo do que em outros órgãos.
O novo estudo segue outras pesquisas que sugerem que esse material particulado pode causar uma série de problemas neurológicos. Estes incluem demência, doença de Alzheimer e envelhecimento cerebral, podendo aumentar a incidência de depressão, TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), esquizofrenia e derrame.
O professor de química de Stanford, Richard Zare, foi coautor de um artigo de 2020 que também observou partículas finas no cérebro. Ele não estava envolvido neste estudo atual, mas comentou ao Medical News Today que poucas pessoas entendem os danos que a poluição do ar podem causar ao cérebro: “Não é bem reconhecido o perigo de material particulado no cérebro. E fiquei frustrado [por] não ter conseguido fazer as pessoas perceberem o quanto isso é importante. A mensagem precisa chegar aos formuladores de políticas”, disse ele.
A jornalista ambiental Beth Gardner também falou recentemente sobre os efeitos da poluição no cérebro.
Uma neuropatologista examinou filhotes de cães que viviam na poluída Cidade do México. Ela encontrou os mesmos marcadores em seus cérebros que os médicos usam para diagnosticar a doença de Alzheimer em humanos – placas, proteínas retorcidas, neurônios em degeneração. A mesma equipe de pesquisa examinou os cérebros de crianças e jovens que morreram em acidentes”, disse ela à TED Radio Hour/NPR.
“Eles encontraram sinais e sintomas que podem vincular distúrbios a uma patologia grave da doença de Alzheimer nos cérebros de 40% daqueles que viviam em lugares poluídos e nenhum naqueles que respiravam ar limpo”, disse ela.
As descobertas são um começo promissor, com os autores escrevendo que a pesquisa “abre um novo caminho para estudar a exposição e os efeitos adversos de partículas exógenas no sistema nervoso central em ambientes ambientais e ocupacionais”.
Zare no entanto afirmou que não basta que os médicos saibam disso. Também não é importante que os cientistas pesquisadores saibam disso. O público precisa saber disso, e particularmente os formuladores de políticas. Ele ressaltou que passos concretos seriam mais úteis do que mais pesquisas.
“O que precisamos é de ação, de conscientização pública e formulação de políticas relacionadas a isso”, disse ele ao MNT.
Via: Medical News Today
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