Remédio para emagrecer não faz milagre; conheça as principais opções

Para ter sucesso, tratamento da obesidade deve ser individualizado e multidisciplinar

Leo Fávaro* Publicado em 03/11/2021, às 10h00

Medicamentos são apenas uma parte do arsenal disponível para o tratamento da obesidade - iStock

Sempre que o verão se aproxima, a procura por formas de emagrecer aumenta. Muito além de um cuidado sazonal ou que só merece reforço apenas para essa época do ano, a obesidade requer atenção especial, já que aumenta o risco de uma série de outras doenças. Exercícios, dietas, remédios, cirurgias e mudanças no estilo de vida fazem parte desse arsenal. 

Antes de mais nada, é preciso lembrar que a obesidade é uma doença crônica associada ao excesso de gordura corporal, ou seja, o acúmulo de tecido adiposo localizado ou generalizado. "Ela é recorrente, de difícil tratamento e associada a diversas outras doenças e condições”, como explica a endocrinologista e doutora em ciências da saúde pela USP Marina Cunha Pazolini. 

“Em uma revisão de literatura, 229 doenças foram associadas à obesidade. Nesse estudo, não foi possível encontrar relação de causa e efeito para todas as doenças, e mesmo doenças que podem não ser causadas, podem ser agravadas pelo excesso de peso. Essas doenças foram divididas em seis categorias: metabólicas (como o diabetes mellitus), estruturais (a exemplo da doença do refluxo gastroesofágico), inflamatórias (como algumas doenças autoimunes), degenerativas (cirrose e artrose, dentre outras), neoplásicas (diversos tipos de câncer) e psicológicas (depressão e ansiedade)”, destaca a especialista.

Obesidade não é uma escolha

As causas do excesso de peso são complexas e envolvem questões ambientais (oferta de alimentos calóricos, redução de atividade física), comportamentais (alimento no papel de prazer e recompensa) e genéticas (como a presença de genes específicos). 

Além dessas complicações que impactam diretamente a saúde das pessoas com obesidade, o estigma social ainda é um desafio enfrentado por elas. A gordofobia se manifesta, dentre outros fatores, pelo fato de poucas pessoas entenderem que a obesidade é uma doença e não uma decisão de livre arbítrio.

“Infelizmente, a obesidade ainda é vista como uma ‘escolha de estilo de vida' ou que pode ser facilmente tratado com mudanças comportamentais, o que não corresponde à realidade, tendo em vista que os índices de obesidade no Brasil e no mundo só aumentam. É preciso seriedade e entendimento de que se trata de doença crônica e que as pessoas com obesidade merecem respeito”, relata Marina, que também é membro associado da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso). O preconceito decorrente da gordofobia pode acarretar outras doenças, como depressão, e dificultar o tratamento médico.

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Tratamento deve ser individualizado

Primeiramente, é preciso destacar que o tratamento da obesidade deve ser individualizado, ou seja, elaborado de acordo com todas as questões individuais envolvidas. Por ser uma doença complexa e multifatorial, o tratamento também varia de acordo com o perfil de cada pessoa. Cada indivíduo, de acordo com suas particularidades, pode responder melhor a um ou a outro tratamento.

Você sente muita fome? Quase não come nas refeições, mas belisca muito entre elas? Come muito doce ou muita fritura? Acorda pra comer de madrugada? Como por ansiedade? Todas essas questões, além de possíveis comorbidades e “status atual de saúde”, podem diferenciar uma pessoa de seu amigo ou algum conhecido e, por isso, o tratamento para cada um dos casos pode ser diferente. Não cabem, então, comparações com outras pessoas; você precisa ser a melhor versão de si mesmo.

Várias abordagens são possíveis no tratamento da obesidade. Dependendo de cada caso, podem ser recomendadas mudanças específicas no estilo de vida, medicações, procedimentos cirúrgicos e não cirúrgicos.

Cuidado com modismos e propaganda

Géis, tratamentos estéticos, suplementos, cápsulas e outros produtos indicados na televisão, em revistas e, mais frequentemente, nas redes sociais por “influencers” merecem atenção redobrada, já que em grande parte esses produtos não possuem comprovação científica de que são realmente eficazes. Além disso, eles devem ser aprovados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e devem ser adequados para suas necessidades terapêuticas, conforme orientação médica, uma vez que podem causar efeitos colaterais que agravem seu quadro.

O tratamento da obesidade compreende não apenas eliminar a gordura do corpo, mas também tratar a doença de base, o que causa aquilo, e as outras condições associadas. Além disso, o cuidado da pessoa com obesidade deve ser feito por uma equipe multidisciplinar. Médicos, nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e chefs de cozinha capacitados para atender essa demanda podem ajudar no processo de perda de peso com saúde e conforme a necessidade da pessoa.

“A falta de entendimento da obesidade como doença crônica leva ao risco de abandono do tratamento e reganho de peso, redução da confiança do paciente e atraso na busca de assistência médica adequada para o tratamento e acompanhamento de sua doença de forma respeitosa e com respaldo científico”, esclarece a endocrinologista. O apoio dos amigos e da família também faz toda diferença para alcançar bons resultados.

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O papel do(s) médico(s) 

Assim, é muito importante uma primeira consulta com um médico, preferencialmente um endocrinologista, para ele compreender a natureza da obesidade, sua fisiopatologia (alterações que ocorrem em resposta à doença) e as possíveis doenças associadas. Marina explica que “o endocrinologista é o especialista capaz de realizar uma avaliação clínica adequada, rastrear as doenças associadas, discutir possíveis formas de tratamento com o paciente, bem como encaminhar para equipe multidisciplinar como nutricionista, psicólogos, psiquiatra, dentre outros quando necessário”.

Em alguns casos, por exemplo, a obesidade pode estar relacionada a transtornos psiquiátricos, como a compulsão alimentar ou a ansiedade, e o tratamento adequado deve ser orientado pelo psiquiatra em parceria com os outros profissionais da equipe multidisciplinar. Outros especialistas da medicina como nutrólogo, clínico geral e médico da família também têm conhecimento para orientar casos de obesidade menos complexos. 

Entretanto, conhecendo as dificuldades para conseguir atendimento com um profissional mais especializado, os serviços de atenção primária do SUS (Sistema Único de Saúde), notadamente as Unidades de Básicas de Saúde (UBS) e os programas de Estratégia de Saúde da Família (ESF) têm profissionais que também podem dar essas orientações com profissionais capacitados para direcionar os primeiros passos do tratamento.

Mudanças no estilo de vida

Uma das principais abordagens para a pessoa com obesidade é a mudança no estilo de vida. Apesar de ser um conceito muito amplo, ela engloba as mudanças fundamentais, por mais simples que pareçam, para que a qualidade de vida melhore. Isso inclui alterações na dieta, na prática de atividades físicas, na forma de trabalho, no lazer e no descanso.

Confira algumas mudanças que favorecem a qualidade de vida e a saúde de quem está acima do peso: 

Para definir qual mudança de estilo de vida pode ajudá-la, a pessoa com obesidade deve questionar qual é a área que ela considera mais fácil de acordo com sua rotina. Isso irá aumentar as chances de sustentá-la a longo prazo. As mudanças de estilo de vida são alavancáveis, ou seja, se uma pessoa decide melhorar seu sono, por dormir melhor, já acordará mais disposta, isso irá reduzir os hormônios da fome e facilitar que ela coma menos e pratique alguma atividade física. Se ela optar por iniciar atividade física, isso irá melhorar seu sono, suas escolhas alimentares, seu estresse e assim por diante”, explica a endocrinologista Marina Pazolini, que também faz parte do Colégio Brasileiro de Medicina de Estilo de Vida.

Começar essas mudanças pode ser difícil, mas é um passo fundamental  no tratamento da obesidade. As mudanças para um estilo mais saudável podem quebrar um círculo vicioso de más escolhas de estilo de vida, levando a pessoa a um círculo virtuoso de boas escolhas. “Esse processo é gradual como pequenas mudanças, individualizadas de acordo com a realidade de cada um, sempre em busca de alcançar mudanças que sejam sustentáveis a longo prazo”, completa.

Nenhum remédio é milagroso

É preciso desconstruir a ideia de que existem medicamentos ou cápsulas milagrosas que funcionam de forma saudável e sem riscos. A administração de medicamentos ou de outras substâncias sem orientação de um médico qualificado pode complicar ainda mais a saúde da pessoa com obesidade.

“Não estar com acompanhamento médico leva ao risco de usar medicamentos perigosos e sem evidência científica e segurança ou até mesmo investir tempo e dinheiro em tratamentos ineficazes. Com acompanhamento de um profissional que conhece a fisiopatologia da doença e o funcionamento dos medicamentos, há monitoramento dos efeitos colaterais das medicações e intervenções necessárias para cada complicação”, alerta a endocrinologista.

Além disso, Marina chama a atenção para o consumo de medicamentos e produtos que não tenham sido autorizados ou fiscalizados pela Anvisa: “Sem essa fiscalização, não há o controle de qualidade adequado da medicação, reduzindo a segurança e aumentando os riscos dos pacientes”. Nesta esteira, outro alerta também se faz necessário. Caso o tratamento indicado pelo médico seja por meio de medicamento manipulado, é fundamental que a farmácia ou laboratório de manipulação seja de confiança e seja fiscalizado pelas agências sanitárias regulatórias.

Diferentes mecanismos de ação

Os medicamentos podem ser desenvolvidos em dois grandes grupos: on-label e off-label. A primeira classe se refere àqueles que foram desenvolvidos para, de alguma maneira, atuar no tratamento da obesidade, como sibutramina, liraglutida e orlistate. Já os medicamentos off-label são aqueles que, apesar de não terem indicação direta para o tratamento da obesidade, favorecem a redução do peso. Os mecanismos de ação dos remédios variam, mas, de forma geral, eles podem:

Como qualquer medicamento, sempre há riscos de efeitos colaterais indesejáveis e, no mesmo sentido, há pessoas que, por alguma condição específica de saúde, não podem fazer uso daquele tipo de medicamento (as chamadas contraindicações).

“Para exemplificar, todas grávidas ou lactantes não podem fazer uso de nenhum medicamento que promova perda de peso, pelo risco de o medicamento passar o princípio ativo do medicamento para o bebê pela placenta ou pelo leite materno. Por isso, é muito importante que toda medicação seja sempre prescrita por um médico especialista que, ao avaliar toda sua história clínica com sinais e sintomas, seus antecedentes pessoais, antecedentes familiares, exame físico, exames laboratoriais e até mesmo exames de imagem, quando necessários, possa prescrever algo que seja realmente eficaz e seguro para seu caso”, esclarece a médica.

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Principais medicamentos para obesidade

Patrícia Sales, endocrinologista e uma das autoras do livro “O essencial em endocrinologia”, sistematizou os principais medicamentos utilizados no tratamento da obesidade, indicando suas principais indicações, efeitos colaterais e contraindicações. Confira:

ORLISTATE

LIRAGLUTIDA, DULAGLUTIDA E SEMAGLUTIDA

TOPIRAMATO

LISDEXANFETAMINA

BUPROPIONA E NALTREXONA

FLUOXETINA E SERTRALINA

Mais uma vez vale o alerta: o tratamento da obesidade deve ser acompanhado por médico e por uma equipe multiprofissional, e o uso dos fármacos varia de acordo com a necessidade e o histórico médico de cada pessoa.

*Leo Fávaro é acadêmico de medicina da Universidade Federal do Espírito Santo

 

 

 

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