Uma nova tendência entre jovens nas redes sociais tem gerado preocupação: o “sadfishing”, ou seja, exagerar seu estado emocional para chamar atenção dos outros. Isso pode envolver uma foto ou vídeo em que o adolescente aparece triste, ou mesmo uma citação sombria, com o intuito de despertar a atenção de quem lê e gerar engajamento.
O fenômeno foi definido por pesquisadores em um artigo no Journal of American College Health, em 2021. Mas o termo na verdade foi criado por uma jornalista chamada Rebecca Reid, ao se referir a uma garota que publicou uma história triste sobre sua “luta debilitante” contra a acne e recebeu uma enorme resposta dos seguidores.
Mais tarde foi revelado que a postagem era apenas um esquema de marketing para uma campanha de cuidados com a pele em parceria com uma marca famosa. O termo, que remete ao “fishing”, um tipo de golpe cibernético aplicado para fazer com que pessoas revelem dados confidenciais, caiu como uma luva e passou a ser adotado inclusive por pesquisadores da área de saúde mental.
O grande problema despertado pelo “sadfishing” é que, nas redes sociais, é muito difícil distinguir o que é real ou falso. E, enquanto muitas publicações podem ser apenas uma estratégia para atrair a atenção dos seguidores, há aquelas que podem, mesmo, ser um pedido de socorro que precisa ser levado a sério.
Nos casos em que o jovem precisa de ajuda, ainda existe o risco de receber respostas negativas ou humilhantes, o que pode levar a um aumento do estresse e da ansiedade, ou até estimular a autolesão.
Especialistas dizem que o “sadfishing” pode ocorrer porque o adolescente está enfrentando dificuldades e quer que os outros saibam disso. Muitas vezes eles não têm alguém com quem se sintam à vontade para compartilhar seus problemas, então recorrem às redes sociais, que são quase como extensões do corpo.
Um estudo de 2023, publicado no Journal BMC Psychology, descobriu que adolescentes que praticam “sadfishing” exibem sinais de ansiedade e depressão, sendo o baixo suporte social um fator significativo para o comportamento.
Os pesquisadores também descobriram que meninos teriam maior tendência ao “sadfishing" do que as meninas aos 12 anos, mas isso muda ao longo do tempo. Para as meninas, a tendência aumenta com a idade.
Outro estudo mais recente ainda mostrou que o “sadfishing” é mais comum entre pessoas que têm dificuldade em lidar com questões complexas ou usam as redes sociais sob efeito de álcool ou outras substâncias. O trabalho também descobriu que aqueles com comportamentos de busca por atenção, devido a um transtorno de personalidade conhecido como histriônico, também tinham maior propensão à prática.
“O ‘sadfishing’ provoca uma resposta ou reação”, explica Reena Patel, especialista em parentalidade, em declaração ao site Parents. “Embora não seja necessariamente uma resposta sincera, qualquer tipo de resposta pode proporcionar aquele breve momento de dopamina pela atenção que o adolescente recebe após uma postagem emocionalmente carregada.”
Se você não tem certeza de que seu filho está praticando “sadfishing”, os especialistas sugerem observar um padrão de postagens emocionais que abordam problemas pessoais ou evocam um sentimento de tristeza.
Um comportamento contraditório, ou seja, ter uma presença online ou postagens que não correspondem a seu comportamento na vida real, é outro sinal que merece atenção.
Se você encontrar uma postagem desse tipo, é importante conversar com o jovem para tentar entender o que ele está sentindo. Nem sempre é preciso mencionar diretamente a publicação, para não gerar constrangimento, apenas oferecer um espaço seguro para que o adolescente se abra sem julgamentos.
Se achar necessário, procure um especialista em saúde mental, ou mesmo um orientador ou outro adulto de confiança com quem o jovem se sinta seguro para conversar.
De acordo com a American Psychological Association (APA), também é recomendável que os pais ativem as configurações de privacidade e monitorem as contas de seus adolescentes.
Existem, também, outros sinais em postagens nas redes sociais, além do “sadfishing”, que devem ser levados a sério por pais e educadores:
- Postar sobre doações de pertences
- Mencionar desesperança, isolamento e “não estar por aqui por muito tempo”
- Mencionar distúrbios de sono
- Postar conteúdo que promove autolesão
Existem alguns serviços muito bacanas com os quais você pode contar caso precise de ajuda, ou queria ajudar alguém que está sofrendo. Um deles é o CVV (Centro de Valorização à Vida), que você pode acessar ligando no 188 ou pelo site (cvv.org.br). Inclusive há um chat que pode ser usado para se conectar com alguém.
Outro site que oferece esse tipo de serviço é o Mapa da Saúde Mental (mapasaudemental.com.br), com várias opções de auxílio.
O Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) também lançou um canal de escuta acolhedora para adolescentes e jovens via chatbot, que pode ser acessado pela rede Pode Falar.
Você ainda pode buscar auxílio profissional dos Caps, nas Unidades Básicas de Saúde (Saúde da Família, Postos e Centros de Saúde), ou no setor de psiquiatria dos hospitais.
Se você suspeitar de uma emergência, não hesite: ligue para o Samu (192), ou procure um serviço de emergência (em pronto-socorros, hospitais ou numa UPA 24H).
Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY e é membro da Association of Health Care Journalists. Twitter: @tatianapronin