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Síndrome do ânus inquieto: uma possível sequela de Covid-19

Novas sequelas vêm sendo associadas à infecção pelo novo coronavírus - iStock
Novas sequelas vêm sendo associadas à infecção pelo novo coronavírus - iStock

Leo Fávaro* Publicado em 15/10/2021, às 11h30

A Covid-19 ainda é uma doença cujas novas descobertas aparecem a cada dia. Quase dois anos desde que o primeiro caso foi registrado, novas sequelas vêm sendo associadas à infecção pelo novo coronavírus. A chamada “síndrome pós-Covid” tem intrigado muitos cientistas por sua variada forma de apresentação de sinais e sintomas – alguns deles até surpreendentes. 

Uma equipe do Hospital da Universidade Médica de Tóquio, no Japão, publicou um relato de caso na revista científica BMC Infectious Diseases, no fim de setembro, com o intrigante caso de um homem com 77 anos que, após ter sido diagnosticado com Covid-19, apresentou uma condição chamada “síndrome do ânus inquieto”. Mesmo depois de ter feito todo o tratamento e testar negativo para a infecção ativa do Sars-CoV-2, o paciente começou a apresentar inquietação, necessidade de se mover e desconforto anal, que envolvia cerca de 10 centrímetros da região perineal. As sensações pioravam com o descanso e à noite, mas melhoravam quando ele se exercitava.

Diversos exames foram feitos, mas nenhum deles detectou alterações que justificassem aqueles sinais que o paciente apresentava. Para a equipe médica, essa manifestação é uma variante da “síndrome das pernas inquietas”, condição que gera um desconforto tão grande nos membros inferiores que impede um sono de qualidade.  Contudo, eles ainda investigam como a Covid-19 pode ter desencadeado o quadro clínico no paciente. Ao mesmo tempo que apresenta o caso, o estudo sugere que a infecção pelo novo coronavírus pode se refletir em aspectos neuropsiquiátricos, o que precisa ser mais bem avaliado ao longo do tempo.

Sequelas psiquiátricas

Dentre as manifestações mais frequentes da síndrome pós-Covid, ou seja, aqueles que se manifestam ou persistem depois de mais de 14 dias após a infecção, estão fadiga, dor de cabeça, problemas de atenção, dispneia e alterações no olfato e no paladar. As informações são de um estudo publicado pela revista científica Nature, que compilou dados de diversos outros estudos e identificou um total de 50 efeitos de longo prazo da infecção.

Ainda que menos frequentes, chama a atenção a associação da Covid-19 com transtornos psiquiátricos, como paranoia, transtornos do humor, disforia, transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno por estresse pós-traumático. Por outro lado, a ocorrência de depressão foi verificada em 12% dos casos de síndrome pós-Covid, enquanto ansiedade foi observada em 13% dos pacientes participantes da pesquisa. Assim, reforça-se a evidência de que a infecção pode desencadear um quadro de sintomas neuropsiquiátricos.

Em fevereiro deste ano, um estudo realizado no Instituto do Coração (InCor), da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, mostrou que a Covid-19 pode comprometer as funções cognitivas de quem teve a doença – inclusive entre aqueles com sintomas mais leves. A hipótese levantada à ocasião pela neuropsicóloga Lívia Stocco Valentin, líder da equipe de pesquisa, é de que limitações no suprimento de oxigênio no cérebro ou no organismo poderiam gerar esses prejuízos em funções cognitivas. Como consequência, as pessoas podem apresentar confusão mental, esquecimentos, dificuldades na concentração e alterações na linguagem.

Outros estudos sugerem que a formação de trombos nos vasos causada pelo Sars-CoV-2 pode interferir nas funções cerebrais. Com isso, podem ocorrer microlesões em áreas distintas do córtex cerebral, as quais cursam com os sinais anteriormente citados, a depender da região comprometida.

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Queda de cabelo

A exemplo da “síndrome do ânus inquieto”, algumas manifestações da Covid-19 chegam a ser consideradas estranhas, considerando que o quadro clínico da doença é majoritariamente respiratório. O estudo anteriormente citado, da revista Nature, evidenciou que 25% dos pacientes com síndrome pós-Covid relataram queda de cabelo, o que vem repercutindo há algum tempo nas redes sociais.

Uma das hipóteses que justifica a acentuada queda de cabelo é que a infecção pelo Sars-CoV-2 causa eflúvio telógeno, fazendo com que os fios passem para a etapa de queda antes de completarem seu ciclo. Segundo o site da Sociedade Brasileira de Dermatologia, o eflúvio telógeno pode ser agudo, quando dura até seis meses e cessa sozinho, ou crônico, quando se estende por mais tempo.

O eflúvio telógeno agudo está associado a eventos pontuais, como estresse, período pós-parto, dietas muito restritivas e procedimentos cirúrgicos como a bariátrica. Esses eventos ou situações causam um desequilíbrio no organismo, repercutindo no ciclo capilar. A Covid-19 também pode ser uma dessas causas que fazem com que os fios caiam precocemente. Com o passar do tempo, o ciclo normal volta a ser estabelecido.

Confira:

Dedos de Covid

Outra manifestação não convencionais relacionada à Covid-19 inclui “dedos de Covid”, uma condição provavelmente autoimune que ocorre principalmente nos dedos dos pés, mas também pode ocorrer nos dedos das mãos. Em artigo publicado na última semana no British Journal of Dermatology, cientistas descreveram que os pacientes, em sua maioria crianças e jovens adultos, apresentam lesões avermelhadas ou roxas que afetam a pele por meio de lesões a células endoteliais (da camada interna dos vasos sanguíneos) e de danos vasculares causados pela infecção.

Em algumas pessoas, os “dedos de Covid” (ou “Covid toes”, em inglês) podem se manifestar com dor e coceira na região, pele áspera ou mesmo pústulas e protuberâncias, com ou sem pus. Em outras, entretanto, o único sinal é a coloração indicativa de um processo inflamatório. Isso porque, além do componente autoimune, o estudo aponta também a presença de interferon tipo I, uma proteína pró-inflamatória.

Todas essas sequelas causadas pela Covid-19 apontam para a mesma direção: ainda precisamos ter muito cuidado com a doença. Mesmo com as vacinas disponíveis, é fundamental manter cuidados, como usar máscara e higienizar as mãos com água e sabão ou com álcool.

*Leo Fávaro é acadêmico de medicina da Universidade Federal do Espírito Santo

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