A solidão é um fator de risco para doenças cardiovasculares em pacientes com diabetes, e pode ser mais importante que dieta, exercícios, tabagismo e depressão. É o que afirma uma pesquisa publicada esta semana no European Heart Journal, um periódico da Sociedade Europeia de Cardiologia.
“A qualidade do contato social parece ser mais importante para a saúde do coração em pessoas com diabetes do que o número de compromissos sociais”, diz o autor do estudo Lu Qi, professor da Escola de Saúde Pública e Medicina Tropical da Universidade de Tulane, nos EUA.
O pesquisador acredita que é importante encorajar pacientes com diabetes que se sentem solitários a participar de aulas em grupo e a tentar fazer amizade com pessoas que tenham interesses em comum.
A solidão e o isolamento social são comuns hoje em dia e se tornaram foco de pesquisas nos últimos anos, especialmente com o início da pandemia de Covid-19 e o uso cada vez mais intenso da internet.
A espécie humana é inerentemente social por natureza. Os seres humanos não apenas demandam a presença de outras pessoas, mas dependem de relacionamentos sociais significativos para se desenvolverem em uma vida adulta saudável. Como indivíduos, nos esforçamos para pertencer a uma família, um grupo de amigos, uma comunidade. Essas interações sociais com familiares, amigos, vizinhos ou colegas são fundamentais para o nosso bem-estar físico e mental”.
Pacientes com diabetes correm maior risco de doença cardiovascular e são mais propensos a serem solitários do que seus pares saudáveis. Além disso, estudos anteriores na população em geral descobriram que a solidão e o isolamento social estão relacionados a uma maior probabilidade de doença cardiovascular.
A pesquisa atual, que contou com pacientes com diabetes, examinou se os solitários ou socialmente isolados eram mais propensos a desenvolver doenças cardiovasculares do que aqueles que não eram.
O estudo incluiu 18.509 adultos com idades entre 37 e 73 anos de um banco de dados britânico. Eles tinham diabetes, mas não tinham doença cardiovascular no início do estudo.
Os níveis de solidão e isolamento foram avaliados com questionários. A característica de alto risco de solidão era sentir-se solitário e nunca ou quase nunca conseguir confiar em alguém, com uma pontuação total de 0 a 2. Os fatores de isolamento social de alto risco eram morar sozinho, receber visitas de amigos e familiares menos de uma vez por mês, e não participar de atividades sociais pelo menos uma vez por semana, com pontuação total de 0 a 3.
Cerca de 61,1%, 29,6% e 9,3% dos participantes tiveram pontuações de solidão de 0, 1 ou 2, respectivamente, enquanto 44,9%, 41,9% e 13,2% tiveram pontuações de isolamento de 0, 1 ou > 2, respectivamente.
Os pesquisadores analisaram a associação entre solidão, isolamento e doença cardiovascular incidente após o ajuste de fatores que poderiam influenciar os relacionamentos, incluindo sexo, idade, índice de pobreza, índice de massa corporal (IMC), uso de medicamentos, atividade física, dieta, álcool, tabagismo e controle do sangue açúcar, pressão arterial e colesterol.
Durante um acompanhamento médio de 10,7 anos, 3.247 participantes desenvolveram doenças cardiovasculares, das quais 2.771 foram doenças coronárias e 701 tiveram derrames. Alguns pacientes tiveram ambos.
Comparado aos participantes com a menor pontuação de solidão, o risco de doença cardiovascular foi 11% e 26% maior naqueles com pontuação de 1 ou 2, respectivamente.
Resultados semelhantes foram observados para doença coronariana, mas a associação com acidente vascular cerebral (derrames) não foi significativa. Os escores de isolamento social não foram significativamente relacionados a nenhum dos desfechos cardiovasculares.
Os pesquisadores também avaliaram a importância relativa da solidão em comparação com outros fatores de risco, na incidência de doenças cardiovasculares. A solidão mostrou uma influência mais fraca do que a função renal, colesterol e IMC, mas uma influência mais forte do que depressão, tabagismo, atividade física e dieta.
Segundo o pesquisador, a solidão foi classificada como um fator mais importante para o risco de doenças cardiovasculares do que vários hábitos de vida. Também foi descoberto que, para pacientes com diabetes, a consequência de fatores de risco físicos (ou seja, açúcar no sangue mal controlado, pressão alta, colesterol alto, tabagismo e insuficiência renal) era maior naqueles que eram solitários em comparação com aqueles que não eram.
“As descobertas sugerem que perguntar aos pacientes com diabetes sobre a solidão deve se tornar parte da avaliação padrão, com encaminhamento das pessoas afetadas para serviços de saúde mental”, conclui.
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Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY. Twitter: @tatianapronin