Tatiana Pronin Publicado em 18/05/2022, às 11h00
Todo mundo é capaz de sonhar acordado de vez em quando, a ponto de perder o fio da meada numa reunião chata ou palestra. Há até quem diga que essa imaginação fértil seja importante para a criatividade.
Para algumas pessoas, porém, essas “viagens” da mente são tão longas, frequentes e incontroláveis, que o indivíduo passa a ter prejuízos sérios na escola, no trabalho e nos relacionamentos por causa disso.
O problema descrito acima tem nome: “devaneio mal adaptativo”. Foi descrito pela primeira vez em 2002, pelo professor de psicologia Eli Somer, da Universidade de Haifa, em Israel. Embora ainda não faça parte do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, psicólogos esperam que o verbete seja incluído na próxima versão.
O termo “mal adaptativo”, vale explicar, tem a ver com emoções ou comportamentos desenvolvidos na infância e que se tornam “disfuncionais”, ou seja, impedem a pessoa de "funcionar", ou executar suas atividades no dia a dia, causando sofrimento. No Brasil, a condição de sonhar acordado também é referida como “devaneio excessivo” ou “imaginação hiperativa”.
Para Somer, os devaneios incontroláveis seriam uma espécie de resposta a experiências traumáticas. A pessoa desenvolveria o hábito de fantasiar, de forma involuntária, como que para fugir da dor emocional.
Essa fuga da realidade lembra um pouco o roteiro do filme “O Labirinto do Fauno” (2006), de Guillermo del Toro, uma fantasia que tem a ditadura de Francisco Franco, na Espanha, como pano de fundo. Outro filme mais direto sobre o devaneio excessivo é “A Vida Secreta de Walter Mitty” (2013), com Ben Stiller – as aventuras imaginadas compulsivamente pelo protagonista contrastam com sua vida solitária e entediante.
Confira:
O devaneio excessivo costuma ser associado ao transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). No mês passado, no entanto, um estudo que contou com o próprio Somer, além do pesquisador Nirit Soffer-Dudek, da Universidade Ben-Gurion, e outros pesquisadores, sugere que nem sempre o diagnóstico se encaixa.
Para a equipe, o devaneio desadaptativo seria um transtorno específico, com características próprias, e que o diagnóstico seria mais adequado, para certos pacientes que são tratados como se tivessem TDAH. Soffer-Dudek explica a razão:
"Alguns indivíduos que se tornam dependentes de seus devaneios fantasiosos experimentam grande dificuldade em se concentrar e focar sua atenção em tarefas acadêmicas e vocacionais, mas descobrem que o diagnóstico de TDAH e o subsequente plano de tratamento não necessariamente os ajuda”.
Para o grupo, classificar formalmente o devaneio excessivo como um transtorno mental permitiria que os psicólogos atendessem melhor muitos de seus pacientes. Hoje existe até um site específico, em inglês, chamado “Wild Minds” (“Mentes Selvagens”) que reúne pessoas com o transtorno para troca de experiências e relatos.
No estudo atual, publicado no Journal of Clinical Psychology, a equipe avaliou 83 adultos diagnosticados com TDAH. Desses, cerca de 20% preencheram os critérios diagnósticos propostos para devaneio excessivo. E eles apresentaram taxas significativamente mais altas de depressão, solidão e baixa autoestima, em comparação com aqueles com TDAH que não preencheram os critérios para devaneio excessivo.
Veja, a seguir, as características de quem apresenta o transtorno, segundo os psicólogos:
- devaneios extremamente vívidos, com personagens próprios, cenários, enredos e outros recursos detalhados que se assemelham a filmes, refletindo um mundo interior complexo;
- os devaneios são desencadeados por eventos da vida real;
- os devaneios duram longos períodos (até várias horas);
- dificuldade em completar tarefas diárias;
- dificuldade para dormir à noite por causa dos devaneios (o que intensifica o problema no dia seguinte)
- um desejo irresistível de continuar sonhando acordado;
- tendência a realizar movimentos repetitivos e expressões faciais, sussurrar ou até falar enquanto sonha acordado;
- angústia significativa por sonhar acordado;
- consciência de que esse mundo de fantasia interno é diferente da realidade externa.
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