Jairo Bouer Publicado em 18/08/2020, às 14h55
Nos últimos meses, foi possível observar um aumento de publicações e buscas relativas a sono e sonhos na internet. O medo, o estresse, as incertezas e angústias do momento atual estão fazendo muita gente dormir mal. A “insônia da quarentena” virou tema de memes; o Dr. Google se tornou fonte inesgotável de consultas sobre remédios naturais para pegar no sono; aplicativos de relaxamento ganharam milhares de novos adeptos; e relatos de sonhos estranhos sobre a pandemia viraram objeto de estudo para pesquisadores do tema, inclusive aqui no Brasil.
Com o avanço da ciência do sono nas últimas décadas, dormir bem ganhou um novo significado para a sociedade. Embora alguns ainda encarem as horas na cama como tempo perdido, quem se interessa por saúde e qualidade de vida já reconhece que respeitar essa necessidade fisiológica é investir no futuro. Quem dorme mal tem piores notas na escola e pode ter baixa produtividade no trabalho.
Diversos estudos mostram que o sono insuficiente pode desencadear ou agravar doenças graves como obesidade, depressão, hipertensão, ansiedade, diabetes e demência, entre outras. O fortalecimento do sistema imunológico também depende de certos processos que ocorrem no organismo ao longo da noite, por isso quem dorme mal também fica mais propenso a infecções por vírus e bactérias. E o cansaço de noites mal dormidas ainda pode comprometer a vida de outras pessoas de diversas maneiras – pense nos acidentes que médicos, enfermeiros e motoristas podem provocar se estiverem cansados. Os prejuízos são incalculáveis!
É curioso observar que a relação entre dormir mal e muitos desses problemas é o que a gente chama de “via de mão dupla”. Quem fica até altas horas ligado nas tecnologias digitais tem a qualidade do sono comprometida pelo excesso de excitação e também porque a luz emitida pelas telas inibe a secreção de melatonina, hormônio que contribui para melhor qualidade do sono. Por outro lado, quem não descansa direito tem mais dificuldade de controlar comportamentos mais compulsivos, que trazem algum tipo de recompensa imediata, como passar de fase no videogame, receber curtidas dos amigos ou consumir itens hipercalóricos.
A associação com transtornos mentais parece seguir esse mesmo ciclo vicioso. A insônia é um sintoma extremamente comum em pacientes com depressão e ansiedade, ao mesmo tempo em que agrava esses e outros quadros psiquiátricos. Algumas noites sem dormir direito podem ser o suficiente para um paciente bipolar controlado entrar numa fase de mania, e alguns estudiosos contam que a privação de sono pode provocar alucinações até mesmo em indivíduos saudáveis.
Um trabalho recente publicado no Journal of Sleep Research, embora pequeno, dá uma ideia concisa de como a falta de sono mexe com o emocional das pessoas. Voluntários que tinham dormido bem na semana anterior foram expostos a uma série de imagens (algumas neutras, outras agradáveis ou desagradáveis), e tiveram suas reações emocionais registradas. Depois, todos foram obrigados a dormir só das 2 da manhã às 7 por 5 dias seguidos. Ao serem expostos às mesmas imagens de novo, eles não só reagiram pior às fotos desagradáveis como classificaram conteúdos neutros como negativos. Em outras palavras, o hábito de sacrificar as suas horas na cama pode fazer você ver problema onde eles não existem. Imagine o impacto que isso pode ter numa fase crítica como a atual, em que não faltam motivos para se preocupar? Pense nisso e durma bem!
*Texto extraído da Coluna do Jairo Bouer no UOL