Cármen Guaresemin Publicado em 18/06/2021, às 08h00 - Atualizado em 19/06/2021, às 10h00
Todos temos dias bons e ruins. Mas se você está se sentindo mais mal-humorado que de costume, o problema pode estar no seu prato. Sim, a alimentação influencia nosso corpo como um todo, inclusive o cérebro.
A alimentação é um princípio fisiológico, essencial para o processo de profilaxia de doenças e manutenção da saúde. Assim, por meio de vários mecanismos, os hábitos alimentares podem, sim, interferir no estado emocional. Existem alimentos que ativam os “neurotransmissores da felicidade”, como serotonina, endorfina, dopamina e a ocitocina, os grandes responsáveis pela sensação de bem-estar e de bom-humor.
Pois é, alimentação e bom-humor são dois assuntos muitos próximos. Por exemplo, você já sentiu que estar com fome te deixa mais irritado ou rabugento? “Tem explicação: o cérebro associa a escassez de nutrientes ao perigo e à luta pela sobrevivência. O órgão consome cerca de 25% da taxa metabólica corporal total, por isso o consumo de alimentos para um estado nutricional adequado é muito importante para seu funcionamento e a saúde mental”, explica o médico nutrólogo Juliano Burckhardt, membro da International Colleges for Advancement of Nutrology.
Se você não acredita que a alimentação está invariavelmente relacionada ao bom-humor, mude o hábito alimentar que rapidamente perceberá. Tente retirar o carboidrato (arroz, batata, macarrão e farinhas) e, no mesmo dia, possivelmente algum estresse irá surgir, além de uma sensação de fraqueza e desânimo para as atividades rotineiras. “Nosso cérebro se alimenta de glicose, porém nossos neurônios ‘conversam’ entre si por meio dos neurotransmissores. Diversos alimentos possuem a capacidade de modulação, aumentando ou diminuindo certos neurotransmissores, como a serotonina, levando a sintomas diversos”, admite Gabriel Novaes de Rezende Batistella, médico neurologista e neuro-oncologista, membro da Society for Neuro-Oncology Latin America (SNOLA).
Já a médica nutróloga Marcella Garcez, diretora e professora da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia), conta que os neurotransmissores são definidos como mensageiros químicos que transportam, estimulam e equilibram os sinais entre os neurônios e outras células do corpo: “Esses mensageiros químicos podem afetar uma ampla variedade de funções físicas e psicológicas, incluindo frequência cardíaca, sono, apetite, medo e humor”.
Ela explica que a principal responsável pela sensação de bem-estar é a tão conhecida serotonina. Mas ela não está sozinha e atua em conjunto com outros vários neurotransmissores que trabalham constantemente para manter o funcionamento do nosso cérebro, gerenciando tudo, passando pela respiração e batimento cardíaco, indo até os níveis de aprendizado e concentração. Independente da classe a que os neurotransmissores pertençam, todas são formadas a partir de nutrientes obtidos pela alimentação ou suplementação.
“Os neurotransmissores são formados a partir de vários nutrientes, mas os principais substratos são os aminoácidos, presentes nas proteínas de origem vegetal, que estão nas leguminosas, como feijões, ervilhas, lentilhas, grão de bico, soja e amendoim, cereais e sementes; e as de origem animal, como as carnes em geral, ovos e laticínios”, aponta Marcella.
Já o triptofano é um aminoácido essencial para a síntese de serotonina, principal neurotransmissor relacionado ao humor e bem-estar. A melatonina, conhecida como hormônio do sono, é produzida pela glândula pineal, possui ação neurotransmissora e também é sintetizada a partir da serotonina pela conversão inicial do triptofano. Este último está presente em muitos alimentos, tanto de origem vegetal quanto animal, entre eles: banana, peixes, laticínios, grão de bico, carne de frango, ovos, amendoim, abacate, castanha-de-caju, cereja, amêndoas e chocolate.
Falando em chocolate, muita gente encontra nele um companheiro para as horas tristes, mas Burckhardt diz que só vale se for a versão amarga: “Aquele com 70% de cacau, pois graças ao triptofano e à feniletilamina, este tipo de chocolate estimula a liberação de serotonina, endorfina, anandamida e teobromina, substâncias que aumentam a sensação de bem-estar e melhoram a disposição e o humor”.
Ele também cita os peixes gordurosos, como salmão, truta, sardinha, atum, arenque e cabala, que aportam gorduras essenciais, como o ômega 3, que o corpo não consegue produzir sozinho, e protegem a estrutura da membrana celular e os neurônios. Também fornecem proteínas, triptofano, tirosina, ferro, zinco, vitaminas B6 e B12, todos nutrientes favoráveis ao cérebro.
“Outro que destaco é o abacate. É uma fruta rica em gorduras boas, que ajudam a reforçar a estrutura da membrana celular dos neurônios. Além disso, a vitamina E, magnésio e folato são todos nutrientes com propriedades interessantes para os neurotransmissores do cérebro”, ensina o nutrólogo.
Apesar de muita gente torcer o nariz para as verduras verde-escuras, brócolis e espinafre, em especial, possuem alto conteúdo de folato e betacaroteno que, junto da vitamina C, potássio, esteróis, luteína, zeaxantina, cálcio e ferro, agem de forma sinérgica para que o cérebro funcione bem.
Batistella lembra que estudos mostraram, também, que alimentos ricos em vitamina D parecem reduzir o risco de depressão em mulheres e cita a dieta que é elogiada por especialistas: “Pode parecer uma simples associação (comida vs. neurotransmissores), como se fosse suficiente comprar alimentos em uma lista e nunca mais ter problemas como tristeza ou ansiedade. Entretanto, aparenta ser consenso que a dieta mediterrânea deveria ser a mais incentivada hoje em dia, por ser rica em frutas, vegetais, azeites, grãos e proteínas originadas do frango e peixe, com muito menos consumo de carne vermelha e alimentos ditos não saudáveis”.
Claro que, a exemplo dos que melhoram o humor, existem alimentos que podem piorá-lo. Segundo Marcella, aqueles ricos em açúcar, farináceos refinados, gorduras de má qualidade (como a trans), frituras de imersão, alimentos ultraprocessados e processados em excesso, porque têm impactos negativos na microbiota e função intestinal. O consumo excessivo de bebidas alcoólicas, por ser depressor do sistema nervoso central, também pode afetar negativamente o humor.
Batistella concorda e aconselha a se evitar, se não absolutamente, mas sempre que possível, o fast food e refrigerantes de forma geral (mesmo os ditos dietéticos ou zero açúcar). O médico frisa que a carne vermelha vem sendo associada a um estado pró-inflamatório maior do corpo, e o consumo deve ser moderado ao longo da semana. Alimentos ricos em açúcar, como chocolates ao leite, balas, achocolatados e cereais matinais são extremamente nocivos à saúde.
Também é importante lembrar de itens não saudáveis que chegam até nós muitas vezes disfarçados, como o sal no arroz e feijão (tente estipular até 2 saquinhos de sal por dia na sua alimentação, a troca por pimenta e limão auxilia muito a suprir a sensação do sal) e o óleo de cozinha no bife. A farinha branca que vai em tudo que se possa imaginar, e os alimentos que ‘salvam’ você no mercado quando está com fome e atrasado para algum compromisso. “Não confie nas embalagens bonitas, olhe sempre a relação nutricional e tenha uma nutricionista de confiança, quase como um guarda alimentar, isto com certeza irá gerar a tão procurada reeducação alimentar”, enfatiza o neurologista.
Ao ingerir um alimento, os nutrientes nele contidos atuam na formação e liberação de neurotransmissores que são enviados para o sistema nervoso central, órgão considerado responsável pelo estado de humor. Como foi citado, alimentos com alto teor de açúcares e gorduras de má qualidade desequilibram a microbiota intestinal, alterando a produção do hormônio e gerando a constipação característica do estresse. “Além disso, um intestino que não está saudável promove uma absorção insuficiente dos nutrientes, e ainda pode causar a resistência à insulina e gerar doenças crônicas como obesidade, diabetes, hipertensão, entre outras”, adverte a nutróloga.
Para Batistella, devemos, sim, prestar atenção na conexão recém reconhecida entre o intestino e o cérebro, principalmente por ela estar envolvida nos estados ansiosos e na má digestão alimentar. “É simples entender que ela existe: você já sentiu borboletas no estômago? Já sentiu náusea em uma situação de estresse? Sensação de estômago oco? Nosso intestino é sensível aos aspectos emocionais, não dá para negar. Então, sim, se nosso intestino não vai bem, devemos estar também com algum contexto emocional negativo em atividade”.
Burckhardt chama a atenção para uma condição ainda pouco conhecida, a chamada disbiose intestinal: “Trata-se do desequilíbrio da flora bacteriana intestinal, sendo que essas bactérias do ‘bem’ protegem o intestino e, indiretamente, o cérebro. Se não os temos em equilíbrio com uma população de prebióticos (alimento para essas bactérias) e probióticos (as bactérias em si), essa conversão ocorrerá de forma ineficiente, e algum reflexo dessa situação ocorrerá em nível de sistema central, o que é chamado de desregulação do eixo cérebro-intestino (microbioma).
Como todo neurologista, Batistella enfatiza que a alimentação está muito relacionada ao envelhecimento saudável, e a prevenção da doença de Alzheimer. Segundo o médico, já existem dados científicos relevantes sobre fatores que levam à redução de risco da doença, como a retirada de refrigerantes, preferência por proteínas magras, redução de alimentos gordurosos e ricos em colesterol, remoção completa do açúcar refinado e alimentos processados e privilegiar alimentos sem sódio ou com alta restrição de sódio na composição.
“O ideal é sempre manter um hábito alimentar equilibrado, variado e o mais natural possível, para a síntese adequada de neurotransmissores e manutenção de funções orgânicas, que irão impactar positivamente o humor e bem-estar”, finaliza Marcella.
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