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Como o trauma afeta a saúde mental de jovens no Brasil

Mais de 80% dos adolescentes brasileiros haviam sido expostos a algum tipo de trauma - iStock
Mais de 80% dos adolescentes brasileiros haviam sido expostos a algum tipo de trauma - iStock

Redação Publicado em 01/02/2025, às 10h00

Um estudo conduzido por uma equipe de pesquisadores brasileiros e britânicos revelou uma forte conexão entre o trauma infantil e o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos em adolescentes que vivem em países de baixa e média renda.

As descobertas da pesquisa são baseadas na Coorte de Nascimentos de Pelotas de 2004, no Rio Grande do Sul, que acompanhou mais de 4.000 crianças nascidas na cidade, do nascimento até os 18 anos. Publicado na The Lancet Global Health, o estudo analisou como a exposição a traumas na infância afeta o risco de transtornos mentais na adolescência.

Proporção alta de traumas

Os resultados mostraram que, aos 18 anos, 81% dos adolescentes haviam sido expostos a algum tipo de trauma, como presenciar um crime violento, sofrer abuso ou negligência. Quanto maior a variedade de traumas vivenciados, maior a probabilidade de os adolescentes desenvolverem problemas de saúde mental, especialmente transtornos de ansiedade, humor e comportamento. Aos 18 anos, um terço de todos os transtornos mentais poderia ser potencialmente explicado pela exposição a traumas.

Este estudo se baseia em descobertas anteriores dos pesquisadores na mesma coorte, que mostraram que uma em cada três crianças que viviam em Pelotas havia sido exposta a traumas até os 11 anos de idade e que essa exposição estava associada ao surgimento de problemas comuns de saúde mental na infância.

Fator de risco chave

A pesquisadora principal, Megan Bailey, do Departamento de Psicologia da Universidade de Bath, afirmou:

“Nossas descobertas mostram que o trauma infantil tem um impacto duradouro na saúde mental, especialmente em países de baixa e média renda, onde o trauma é muito comum. Em combinação com estudos anteriores que também demonstraram esses efeitos tanto em jovens quanto em adultos em países de alta renda, fica claro que a exposição ao trauma infantil é um fator de risco chave para o desenvolvimento de problemas de saúde mental de maneira geral. Nossa constatação de que o trauma é responsável por pelo menos 31% de todos os transtornos mentais até os 18 anos reforça ainda mais essa relação. Intervenções precoces são fundamentais para reduzir a exposição ao trauma e ajudar aqueles que estão mais vulneráveis ao desenvolvimento de transtornos mentais.”

Pacto Pelotas pela Paz

Em Pelotas, um programa de intervenção liderado pela cidade, o Pacto Pelotas pela Paz, foi lançado em 2017 para reduzir o crime urbano e a violência por meio de projetos nas áreas da saúde, educação e sistema de justiça criminal. As primeiras avaliações dessa intervenção mostraram uma redução nas taxas de crimes violentos após sua implementação, embora mais pesquisas sejam necessárias para determinar se também houve uma diminuição na prevalência de problemas de saúde mental entre os jovens.

Transtornos mais comuns

O coautor Graeme Fairchild, médico do Departamento de Psicologia da Universidade de Bath, afirmou:

“Este estudo demonstra que o trauma infantil tem consequências de longo prazo para a saúde mental – e o risco de problemas mentais foi observado em diversas áreas, com jovens expostos ao trauma apresentando maior vulnerabilidade à depressão, ansiedade, TDAH e comportamentos antissociais graves. O estudo destaca a necessidade urgente de estratégias de prevenção para reduzir a exposição ao trauma em países de baixa e média renda e fornecer um suporte mais eficaz para crianças e adolescentes traumatizados.”

Consequências de longo prazo

A coautora Sarah Halligan, professora do Departamento de Psicologia da Universidade de Bath, disse:

“O trauma infantil é um forte preditor de problemas de saúde mental na adolescência, e nosso trabalho demonstra que jovens em países de baixa e média renda, como o Brasil, podem estar particularmente em risco. Além dos esforços para prevenir a exposição ao trauma, precisamos adotar medidas, como as que fazem parte do programa Pacto Pelotas pela Paz, para minimizar suas consequências na saúde mental dos jovens. Se não for abordado, o trauma infantil pode ter efeitos negativos persistentes ao longo da vida.”

É preciso investir em prevenção

A coautora Alicia Matijasevich, professora da Universidade de São Paulo, Brasil, afirmou:

A pesquisa sobre o impacto do trauma infantil e dos maus-tratos é de extrema importância devido às suas profundas implicações para a saúde mental e o desenvolvimento emocional. Esses estudos não apenas aprimoram nossa compreensão dos efeitos abrangentes do trauma, mas também fornecem evidências essenciais para orientar estratégias preventivas e intervenções que possam mitigar as consequências de longo prazo dessas experiências adversas.”