Cirurgiã plástica explica até que ponto malhar pode interferir em manchas e rugas
Beatriz Lassance* Publicado em 16/06/2022, às 11h00
Exercício físico envelhece. Corrida envelhece. Quem nunca ouviu esses conceitos? Cabe aqui uma consideração: se fazer exercícios físicos envelhece, por que indivíduos ativos vivem mais e melhor?
Quando se trata especificamente da pele, dependendo do exercício físico podemos ter aspecto mais jovial, com a pele ainda mais saudável, ou ter aspecto mais envelhecido. Temos de explicar com teoria, com ciência.
A pele é o maior órgão do corpo humano; é a defesa primária de todo o organismo contra doenças e infecções além de nos proteger de traumas e até condições climáticas. A pele é um órgão complexo, capaz de se adaptar para garantir o bom funcionamento de todo o organismo.
É formada por camada córnea, epiderme, e derme, que pode ser classificada em superficial, média e profunda. Cada uma destas camadas é responsável por ações diferentes no metabolismo e função da pele e respondem ao estímulo ou agressão dados àquela região conforme a necessidade do corpo.
Por exemplo: a camada córnea da sola dos pés é extremamente grossa, nos permite apoiar todo o peso de nosso corpo sobre ela, por isso é resistente a traumas. Já a camada córnea das pálpebras é tão fina que permite a abertura e fechamento dos olhos sem esforços.
Na epiderme temos células, os melanócitos, que são capazes de produzir um pigmento, a melanina, que nos protege dos efeitos deletérios dos raios UV do Sol. A derme possui fibras de colágeno e elastina que dão elasticidade à nossa pele, nos permitem ter expressões faciais, dobrar e esticar as articulações. Com a idade, assim como todo nosso organismo, todas as camadas da pele são afetadas pelo processo de envelhecimento.
Obviamente, o envelhecimento depende de inúmeros fatores que são individuais e podem ser intrínsecos como genética ou idade ou extrínsecos como uso de drogas, cigarro, poluição. Por exemplo: uma pele espessa, com maior quantidade de fibras colágenas, tende a demorar mais para ter rugas, como no caso dos orientais e afrodescendentes; pacientes de pele muito fina, como caucasianos, apresentam rugas mais precocemente. Peles mais escuras possuem mais quantidade de melanina, que protegem melhor a pele contra os danos.
Alguns fatores estão fora de nosso controle, mas muitos fatores estão relacionados com escolhas que fazemos ao longo da vida quando escolhemos nosso estilo de vida. Inclusive tendências genéticas podem ser modificadas com práticas saudáveis (epigenética).
Existem algumas teorias que influenciam as variações do envelhecimento. Uma delas é sobre o estresse oxidativo. Para respirar, pensar, dormir, caminhar, existe um gasto de energia que gera naturalmente radicais livres.
Nosso organismo é perfeito e possui uma defesa antioxidante com vitaminas, sais minerais e enzimas capazes de até de reparar moléculas danificadas. Quando há excesso de radicais livres ou diminuição da defesa antirradicais livres, chamamos isso de estresse oxidativo. Esse equilíbrio deve ser nosso objetivo ao longo da vida, com medidas que diminuem a produção de radicais livres e/ou aumentem as defesas antioxidantes.
Inúmeras doenças são associadas a esse desequilíbrio. E a pele também sofre, o excesso de radicais livres afeta fibras de colágeno e elastina produzindo envelhecimento da pele tão grande quanto fotoenvelhecimento causado pelos raios solares.
Uma organela chamada mitocôndria é a usina de energia, está presente em todas as células do organismo. É a mitocôndria que transforma o oxigênio e a glicose que consumimos em ATP, que é utilizado para todas as funções das células. Usamos ATP para pensar, respirar, contrair músculos, produzir hormônios, etc. E como efeito colateral da produção de energia, radicais livres são formados.
Radicais livres são moléculas instáveis, faltam ou sobram elétrons e elas têm de se juntar a outras moléculas para se estabilizarem. Dependendo dessa reação, a molécula “atacada” tem seu funcionamento alterado – pode ser uma proteína como colágeno, elastina, hormônio, gordura. Quando os radicais livres foram identificados e percebeu-se que maior a produção de energia, maior a produção de radicais livres, surgiu a teoria de que exercício físico envelhece. Mas se exercício físico envelhece, como as pessoas ativas vivem mais e melhor e envelhecem menos?
O exercício físico de moderada intensidade aumenta um pouco a quantidade de radicais livres, mas provoca uma produção ainda maior de antirradicais livres. Ou seja, estimula nosso sistema antioxidante.
Quando produzimos muita energia (muito açúcar, por exemplo) e não utilizamos essa energia (sedentarismo), ela se acumula na mitocôndria, e isso é grave, ameaça toda a sobrevida da célula, como uma usina nuclear com excesso de produção. Ela simplesmente explode. Antes de a célula sofrer, o núcleo celular, onde fica o nosso DNA, rapidamente manda matar a mitocôndria. Sem mitocôndria, sem produção extra de ATP, sem risco de morte para a célula. Porém, o lixo produzido pela morte das mitocôndrias é ruim (chamados DUMPS), são radicais livres e substâncias que causam inflamação em todo nosso corpo, podemos comparar a lixo atômico.
Essa inflamação de forma constante afeta os vasos com doenças cardiovasculares, afeta o cérebro predispondo a doenças neurológicas como Alzheimer, aumenta a incidência de câncer e diabetes. Mas, se utilizamos a energia produzida, uma quantidade adequada de radicais livres é formada, e nosso DNA é avisado por eles que estamos utilizando energia e merecemos mais mitocôndrias. O núcleo passa a produzir substâncias que provocam o aumento do número de mitocôndrias, além de melhorar ainda mais o funcionamento delas. O lixo atômico é reciclado em novas mitocôndrias, essa produção é o maior antioxidante que podemos oferecer ao nosso organismo.
A maior concentração de mitocôndrias é dentro dos músculos. Quanto mais músculos, mais mitocôndrias, maior a capacidade antioxidante de nosso organismo e, por isso, menor a incidência de qualquer doença e mais retardado será nosso envelhecimento. Em todos os órgãos. Todos, inclusive a pele.
Em pacientes sedentários, a produção de radicais livres pelas mitocôndrias é tão pequena que não há qualquer estímulo para produção de defesa antirradicais livres: aí chegamos no estresse oxidativo.
Confira:
Uma produção moderada de radicais livres provoca, como resposta, um aumento ainda maior nas defesas antirradicais livres. Essa teoria vai ao encontro da máxima de Friedrich Nietzsche: “O que não te mata te fortalece”. Como se a agressão sofrida pelos radicais livres provocasse uma reação protetora ainda maior, preparando o organismo para exercício ainda mais intenso. Na ciência essa conta se chama "hormesis". É o mecanismo de adaptação ao exercício físico. É um estímulo saudável, aquela dorzinha no dia seguinte ao treino, sensação de que os músculos foram exercitados.
Trabalhos recentes mostraram que os músculos em atividade são capazes de produzir substâncias chamadas mioquinas, que estimulam a produção de colágeno. Os pesquisadores mostraram inclusive reversão do processo de envelhecimento com melhora da qualidade da pele em pacientes que fizeram exercício de resistência por 12 semanas.
Comprovam, ainda, que imediatamente após uma sessão de exercícios físicos moderados, aumentou a concentração de hormônio de crescimento e substâncias responsáveis pelo aumento do número de mitocôndrias, tanto nos músculos quanto na pele.
Mas se o exercício físico é intenso demais, chamado de exercício físico extenuante, a quantidade de radicais livres formada é enorme e a defesa não é suficiente: o resultado também é o estresse oxidativo.
Atletas de alta performance apresentam envelhecimento da pele mais acentuado e mais precoce, uma das explicações é o estresse oxidativo causado por exercícios físicos considerados extenuantes que ocorrem em treinos e competições.
O envelhecimento da pele em atletas pode também estar relacionado à exposição solar.
Os raios UVA e UVB aumentam diretamente a produção de radicais livres na pele que causam alterações (fotoenvelhecimento) desde a epiderme até camadas mais profundas da derme, modificando o colágeno e a elastina, aumentando a predisposição ao aparecimento das rugas e manchas. Pacientes com pele mais clara têm menos melanina, pigmento que protege a pele dos raios solares, e por isso apresentam mais rugas e mais precocemente.
O uso de filtro solar impede que os raios UVA e UVB penetrem na pele causando o aumento de estresse oxidativo e consequente envelhecimento da pele.
Existe uma condição chamada hipohidratação crônica. O consumo insuficiente de água de forma crônica ensina o organismo que estamos em ambiente seco, no meio do deserto. O cérebro diminui a produção de hormônios da sede, já que estamos no deserto e não temos água, não vamos estressar com isso. E assim não temos a vontade de tomar água, diminui a percepção que estamos com sede. Já que temos pouca água, vamos deixar para o que importa: sangue tem que fluir, cérebro, coração, intestinos. Rins passam a filtrar menos, menor quantidade de suor, pior controle de temperatura. E tudo isso piora muito com o exercício físico.
E a pele? A pele seca não é importante, se falta água, não é a pele que entra na lista de prioridade. Pele com menos água produz menor quantidade de suor e gordura, fibroblastos, células responsáveis pela produção de colágeno também têm seu metabolismo afetado. Envelhecimento cutâneo.
Hidratação adequada, principalmente durante o exercício, permite que até a pele receba a quantidade adequada de água, mantendo o bom metabolismo.
E podemos associar cuidados tópicos de hidratação com dermocosméticos que também ajudam a manter a pele hidratada mesmo em condições extremas de calor.
Ou seja, para não envelhecer: mitocôndrias e equilíbrio! Podemos traduzir em: dieta balanceada e saudável, exercício físico moderado, filtro solar, hidratação adequada. Simples assim. Força na sua fábrica de mitocôndrias!
Referências:
Radak Z, Ishihara K, Tekus E, Varga C, Posa A, Balogh L, et al. Exercise, oxidants, and antioxidants change the shape of the bell-shaped hormesis curve. Redox Biol. 2017;12:285-90.
Crane JD, MacNeil LG, Lally JS, Ford RJ, Bujak AL, Brar IK, et al. Exercise-stimulated interleukin-15 is controlled by AMPK and regulates skin metabolism and aging. Aging Cell. 2015;14(4):625-34.
Kruk J, Duchnik E. Oxidative stress and skin diseases: possible role of physical activity. Asian Pac J Cancer Prev. 2014;15(2):561-8.
*Dra. Beatriz Lassance: cirurgiã plástica formada na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e residência em cirurgia plástica na Faculdade de Medicina do ABC. Membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, da ISAPS (International Society of Aesthetic Plastic Surgery) e da American Society of Plastic Surgery. Além disso, é membro do American College of LifeStyle Medicine e do Colégio Brasileiro de Medicina do Estilo de Vida. Instagram: @drabeatrizlassance
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